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Operação Mosaico, da DHPP, prende cinco policiais militares e ex-policiais militares acusados de homicídios no Boqueirão | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
Operação Mosaico, da DHPP, prende cinco policiais militares e ex-policiais militares acusados de homicídios no Boqueirão| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Uma reviravolta nas investigações da Polícia Civil sobre nove assassinatos atribuídos a Jorge Luiz Thais Martins, coronel Corpo de Bombeiros do Paraná e ex-comandante da instituição, indica que ele não teria qualquer envolvimento com os homicídios. Os crimes ocorreram entre agosto de 2010 e janeiro de 2011. A apuração dos assassinatos ganhou fôlego em fevereiro deste ano, com a indicação de que um grupo de extermínio, formado por policiais militares (PMs) e ex-PMs, seria o responsável pelas mortes. Apesar desses indícios, a polícia vai tentar verificar novamente todos os detalhes da apuração anterior e da nova investigação, para descartar de uma vez por todas o nome do coronel do caso.

A Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) prendeu temporariamente por 30 dias dois policiais militares da ativa, um capitão da PM da reserva e dois ex-policiais militares excluídos da corporação. Um segundo policial da reserva também é investigado, mas há apenas um mandado de busca e apreensão contra a casa dele. Foram cumpridos ainda 12 mandados de busca e apreensão.

O coronel Martins chegou a ficar preso por duas semanas temporariamente em 2011. Na época foi indiciado por supostamente ter cometido nove homicídios (quatro duplos homicídios e um homicídio simples) contra pessoas que seriam usuárias de drogas, na Favela da Rocinha, no bairro Boqueirão.

Defesa dos policiais e ex-policiais rechaçam acusações

Os advogados de defesa dos policiais militares e ex-policiais militares presos na manhã desta quinta-feira (23) suspeitos de fazerem parte de um grupo de extermínio insinuaram que a Polícia Civil pode ter feito acusações de forma equivocada no caso. Os dois mencionaram que, no começo das apurações, em 2011, já houve, em tese, um erro ao acusar o coronel Jorge Luiz Thais Martins. O equívoco poderia estar se repetindo, de acordo com eles. O nome do coronel ainda não foi descartado completamente do caso. Mas, até o momento, a nova investigação não apresentou indícios da participação dele.

“Prendem para investigar, averiguar e apurar. A partir do que eles estiverem levantando, vamos ver se tem plausibilidade. E um rescaldo de uma série de homicídios. Já deram um bote errado e pelo visto não estão andando bem agora”, afirmou o advogado do capitão detido, Cláudio Dalledone Júnior.

O defensor dos demais suspeitos, Gustavo Hassumi, Gustavo Hassumi, afirmou que os advogados estudarão as provas técnicas, como o confronto balístico que coloca duas das armas dos acusados nas cenas de dois ataques aos usuários.

“Vamos analisar os confrontos. O Instituto de Criminalística tem errado em muitos confrontos. Já teve armas que deu positivo e não foram realmente. Não há um grau alto de confiabilidade grande. Acredito que não eram eles. Vamos ter que analisar os laudos e toda prova que há na investigação. Diante destas provas, vamos fazer contraprova para rechaçar essas acusações. Temos certeza da inocência deles”, ressaltou.

A própria Delegacia de Homicídios, na época, sustentou a autoria com base nos testemunhos de algumas pessoas que sobreviveram aos ataques e outros indícios que apontavam para o coronel. Martins, no entanto, sempre negou ter cometido os assassinatos (veja o vídeo com a entrevista na época). Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, na época, ele chegou afirmar que jamais havia usado sua arma, já que era bombeiro. “Com essa nova fase de investigação não tem indício de que seja ele. Até mesmo porque detectamos qual seria a principal motivação deste crime”, afirmou o delegado responsável pelo caso, Marcelo Lemos de Oliveira.

Todos os presos na ação desta quinta-feira devem ser encaminhados para a DHPP. Eles não serão ouvidos nesta quinta-feira. Durante a tarde, os dois policiais militares da ativa e o da reserva devem ser encaminhados para o Batalhão da Guarda da PM. Os outros suspeitos devem ser levados para o Centro de Triagem de Curitiba.

Vingança seria motivação de série de assassinatos

A nova investigação da Delegacia de Homicídios de Maior Complexidade, da DHPP, reforça que os nove assassinatos na favela da Rocinha começaram por vingança. A novidade é que não teriam sido cometidos pelo coronel Martins, em razão da morte do seu filho Jorge Guilherme (em 2009), como foi ventilado em 2011 – um adolescente foi apreendido ainda em 2009 acusado de matar o filho do coronel.

A vingança teria sido de um dos suspeitos, que também é policial militar e também teve um primo próximo assassinado naquela região, quase quatro meses antes do primeiro ataque a três usuários. A apuração descobriu que o suspeito teria jurado matar todos os “viciados” do bairro.

“Faltava a última peça do quebra-cabeça, que era a motivação. Foi um familiar de um policial militar que foi morto três meses antes naquela região”, destacou o delegado Marcelo. O primo do policial seria Edison Jorge Ribeiro Júnior, assassinado em maio de 2010, a uma quadra de onde começaram os ataques, na Rua Paulo Setúbal. A arma de um dos suspeitos foi responsável por disparos no primeiro ataque, dia 8 de agosto de 2010, e no terceiro, dia 11 de novembro de 2010 (veja o infográfico). De acordo com delegado, há suspeita que quatro deles estiveram presentes no primeiro ataque aos usuários. “Em três eventos (dias de execuções) há provas de presença deles”, ressaltou. Em razão da mecânica do crime nas outras quatro situações, a polícia acredita que sejam eles. “Esses crimes, pelas características, modus operandi, tudo execução sumária, tiro na cabeça, perfil semelhantes. Havia um certo padrão de ação dos autores. Com esses laudos confirmou as suspeitas que foram ventiladas”, explicou.

Parentes de vítimas podem ter contaminado investigação anterior

Familiares de vítimas podem ter contaminado a investigação sobre o caso em 2011. A Delegacia de Homicídios de Maior Complexidade descobriu que algumas delas estiveram presentes na favela da Rocinha durante as apurações em 2011. Após o nome do coronel Jorge Luiz Thais Martins ter sido divulgado como suspeito pela polícia, essas pessoas compareciam na região dos homicídios com a fotografia dele, tentando fazer um reconhecimento paralelo do coronel.

“Todos (os reconhecimentos) apontavam para ele (coronel). Mas temos indicativos agora que aquelas pessoas foram sugestionadas na rua. Possivelmente foram exibidas fotos do senhor Jorge antes de elas comparecerem na delegacia”, explicou o delegado Marcelo.

Todas as testemunhas que estão vivas serão ouvidas novamente, incluindo esses familiares. O próprio coronel Martins deve ser submetido a novo reconhecimento. Duas dessas testemunhas já morreram. Há suspeita de queima de arquivo e essas mortes serão investigadas separadamente.

Além disso, outros fatores que indicavam a presença do coronel na região podem ter causado confusão na investigação. Um dos suspeitos era fisicamente parecido com o coronel e as testemunhas que sobreviveram são pessoas vulneráveis socialmente – em alguns casos, estavam sob efeito de álcool e drogas.

O capitão que foi detido na Operação Mosaico era grisalho na época dos assassinatos, o que pode ter confundido as testemunhas que fizeram o reconhecimento. Além disso, uma vítima que sobreviveu ao último ataque, feito em 14 de janeiro de 2011, afirmou que um homem escondido no local do crime disse para se fingir de morto, pois “o coronel estava matando todo mundo”.

Grupo de extermínio formado por PMs em Curitiba não é o único no PR

Esta é a segunda investigação da Polícia Civil neste ano que aponta para um suposto grupo de extermínio formado por policiais militares no Paraná. A primeira investigação foi conduzida por uma força-tarefa da Polícia Civil, que levantou evidências da existência e atuação contínua de um grupo de extermínio formado por policiais militares em Londrina, no Norte do Paraná.

Os indícios apontavam, segundo a investigação, que a ação do “esquadrão da morte” envolvia a execução indiscriminada – sem “alvos” pré-estabelecidos –, a adulteração dos locais em que os assassinatos ocorreram e a implantação de armas junto às vítimas, para simular confrontos. O grupo teria envolvimento direto em pelo menos 17 ataques ocorridos em janeiro deste ano, que somaram 17 mortes e 17 feridos.

Essa vítima só procurou a ajuda médica e a polícia no dia seguinte e com muita desconfiança. Ao depor, acabou dizendo, em um primeiro momento, que se tratava do coronel. Em depoimento recente, mudou a versão e indicou que o autor do ataque pode ser um dos suspeitos detidos na operação desta quinta-feira.

Como tudo recomeçou

As primeiras investigações foram relatadas ao Ministério Público pela DHPP em novembro de 2011, com base em depoimentos de testemunhas e em reconhecimentos fotográficos realizados ao longo das investigações. Um laudo do Instituto de Criminalística (IC) da época apontou que a mesma arma foi usada em dois ataques. Além disso, o filho do coronel, Jorge Guilherme, havia sido vítima latrocínio quase um ano antes dos ataques aos usuários começarem.

A polícia cruzou a prova técnica com o depoimento de testemunhas, que reconheceram o coronel e o colocaram na cena do crime nos cinco casos. O MP, entretanto, pediu que a polícia investigasse mais.

Ainda em novembro de 2011, o próprio delegado responsável pela investigação na época, Cristiano Quintas dos Santos, recebeu um relatório de informação da Polícia Militar, contando que um policial ouviu de um dos suspeitos, em uma festa, que eles participavam de um grupo que caçava usuários e se gabavam do que aconteceu na favela da Rocinha.

Em depoimento na PM, o agente deu quatro nomes de suspeitos de envolvimento no caso. Um quinto nome apareceu na sequência das investigações. Na época, fotos destes policiais foram colocadas diante de testemunhas para serem reconhecidas, mas não houve confirmação da autoria. Elas apenas mencionavam o coronel.

Quintas chegou a solicitar o exame de balística das armas destes suspeitos. Mas, segundo a Polícia Civil, os últimos laudos solicitados em 2015 ficaram prontos apenas em fevereiro deste ano. Duas armas periciadas – de um ex-soldado e de um capitão da reserva – foram usadas para matar vítimas na favela da Rocinha. De acordo com a perícia, as armas foram usadas no primeiro e terceiro ataques.

Diante da nova informação, a Delegacia de Homicídios de Maior Complexidade, unidade da DHPP, retomou o caso com novo fôlego. O delegado responsável pela unidade, Marcelo Lemos de Oliveira, e equipe verificaram todo histórico dos novos suspeitos e descobriram uma nova motivação, semelhante a que caia sobre o coronel Martins. Eram policiais militares e ex-policiais que trabalharam juntos no 20º Batalhão entre 2006 e 2009, sob o comando de um capitão, que está na reserva da PM atualmente.

Vídeo de 2011: em entrevista, Coronel Martins nega crimes

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