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Homem segura pedra enquanto corre da polícia | REUTERS/Siphiwe Sibeko
Homem segura pedra enquanto corre da polícia| Foto: REUTERS/Siphiwe Sibeko

Pesquisadora na área de Direito Cons­titu­cional, a professora da Universidade Federal do Paraná Vera Ka­­ram tem entre seus campos de pesquisa os direitos humanos e o estado de exceção. É uma das coordenadoras do Observatário de Direitos Humanos do Paraná, formado no mês passado. O grupo tem como objetivo auxiliar a Comissão Nacional da Verdade na análise da violação de direitos humanos no Paraná durante a ditadura militar. Uma das metas é localizar corpos de opositores do regime. Em entrevista à Gazeta do Povo, ela mostra posição dura em relação a quem cobra também a explicitação dos crimes praticados pela esquerda durante a ditadura.

Quais as primeiras tarefas do Observatório dos Direitos Humanos?

As primeiras atividades devem se concentrar nos aspectos relativos à justiça de transição, que é o processo de passagem de um regime de exceção para a democracia. Como ficam os crimes cometidos pelos agentes do Estado em relação àqueles que desapareceram, foram torturados, mortos? Será que vão ser isentos de responsabilidade? No primeiro momento, a ideia é colaborar com o Fórum Paranaense de Resgate da Verdade, Memória e Justiça, instalado e capitaneado pela UFPR.

O Paraná foi palco de um episódio marcante na queda da ditadura, com o primeiro comício das Diretas Já, mas pouco se fala sobre a resistência no estado. O que ainda está por vir à luz?

Uma das funções do Observatório será colaborar com as Comissões da Verdade que estão sendo instituídas. Apuraremos informações colhidas dos mais diversos meios [depoimentos, testemunhos, arquivos, material impresso] e ajudaremos a organizá-las. Assim, as comissões poderão ter o registro de como foi a resistência no Paraná, quem foram os personagens destacados.

O que se sabe sobre isso até agora?

O que se sabe é o que se tem disponível nos arquivos públicos. Posso falar com mais propriedade da Faculdade de Direito da UFPR. Professores como Larmartine Corrêa de Oliveira, Rene Dotti, Acir Breda, Francisco Muniz e tantos outros tiveram papel fundamental na defesa de estudantes perseguidos. Temos um arquivo que precisa ser mais bem investigado, depoimentos de professores e ex-alunos que foram personagens da História. Queremos formar uma rede para fornecer informações à Comissão Nacional da Verdade, que entrega seu relatório em 2014. Demanda é o que não falta.

Algum ponto específico?

São demandas de direitos humanos, algo que já vem sendo trabalhado na universidade. No núcleo de prática jurídica, por exemplo, há uma discussão intensa sobre moradia, ocupação do espaço urbano. Por que as cidades são tão excludentes, por que cada vez mais as pessoas com menor poder aquisitivo são expulsas para as periferias?

Quando a Comissão da Verdade foi criada, grupos reagiram dizendo que os crimes cometidos pela resistência à ditadura também deveriam ser expostos. Como a senhora analisa isso?

Temos de fazer uma distinção fundamental: as vítimas de um regime de exceção não podem ser confundidas com seus algozes. Não podemos tomar as vítimas como perpetradores de violência. Se, eventualmente, cometeram atos excessivos, temos de contextualizar. Além disso, tenho certeza de que já foram punidas de forma absolutamente injusta, com base em tribunais de exceção, sem contraditório e ampla defesa. As Comissões da Verdade devem apurar as violações de direitos humanos em relação a essas pessoas que resistiram a um estado de absoluta exceção. Virar o argumento é distorcer o procedimento adotado inclusive por outros países que passaram pela justiça de transição, como Argentina, Chile e África do Sul. Não é o Brasil que será diferente, relativizando o papel das vítimas. Vítimas foram vítimas e ponto.

Como as Comissões da Verdade podem agir em conformidade com a Lei da Anistia?

Num primeiro momento, entendeu-se que a Lei da Anistia [aprovada em 1979] anistiava a todos indistintamente: a quem resistiu ao regime e aos agentes do Estado que cometeram tortura e mataram. Há dois anos, a OAB entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF), argumentando que a lei era inconstitucional. O STF não concordou. Parecia que, com a resposta do Supremo, a discussão havia acabado. Mas essa demanda foi para a Corte Interamericana dos Direitos Humanos, e lá o Brasil foi condenado pelo que aconteceu na Guerrilha do Araguaia. Essas duas decisões se contradizem. Além disso, várias justiças estaduais têm reconhecido a responsabilidade de alguns agentes da ditadura. Isso significa, no fundo, que a discussão em torno da anistia não se encerrou. Esse processo iniciado em 79 continua aberto. A justiça de transição é justamente o caminho de pensar essa passagem e aferir a responsabilidade de quem violou direitos humanos.

Como a senhora percebe a visão das novas gerações sobre o período da ditadura militar?

Quando falamos em direitos humanos, não importa a quantidade de mortos. Costumam dizer que na Argentina mataram não sei quantos mil, no Chile tantos e no Brasil muito menos. Mas havendo violação dos direitos humanos, ela não pode ser tolerada. E as novas gerações têm o direito de saber a verdade, por isso nossa tarefa é urgente. Devemos apurar o que aconteceu. Com isso, poderemos permitir às vítimas e aos familiares das vítimas acesso aos fatos, inclusive a localização de corpos. O trabalho do Observatório tem sentido pedagógico: devemos analisar a fundo o regime de exceção, para que os fatos nunca mais se repitam.

Quais são os episódios mais marcantes da resistência à ditadura no Paraná?

Eu não sou da geração que presenciou essa luta, mas sei que estudantes da Faculdade de Direito da UFPR tiveram episódios de resistência notáveis. Uma história conhecida é quando alunos derrubaram o busto do reitor Flávio Suplicy de Lacerda. Sabiam que o Exército vinha com cavalos para cercar a reitoria, então reuniram milhares de bolas de gude, soltaram e os cavalos começaram a patinar.

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