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Igreja da Assunção é incendiada em Santiago, no Chile.| Foto: Claudio Reyes/AFP

Extremistas de esquerda incendiaram duas igrejas católicas em Santiago, no Chile, no último domingo (18), em meio a um ato organizado para celebrar o primeiro aniversário dos protestos do ano passado contra a desigualdade no país. Os radicais não indicaram por que as igrejas foram o alvo de seu vandalismo. Segundo a mídia local, cinco pessoas foram detidas e 18 policiais ficaram feridos.

Ataques violentos a igrejas também ocorreram em julho deste ano, nos Estados Unidos, durante manifestações do movimento Black Lives Matter que se seguiram ao assassinato de George Floyd. Assim como no caso do Chile, os extremistas americanos quebraram estátuas religiosas e incendiaram templos.

Ambos os ataques trouxeram novamente à tona a tese de que a real motivação da extrema-esquerda não é uma questão social específica, mas o desejo de uma mudança ampla e radical nas estruturas da sociedade, que passe uma borracha no passado cristão de seus países. Há uma carga simbólica em atos contra igrejas tanto pela ideia de ruptura com a tradição quanto pela conexão ideológica com o caráter anticristão de movimentos esquerdistas do passado.

Historicamente, revolucionários de esquerda promoveram perseguições sanguinárias ao Cristianismo, a começar pelos atos de terrorismo da Revolução Francesa, como os massacres de setembro de 1792. Na Guerra Civil espanhola, membros de movimentos socialistas destruíram igrejas e obras religiosas e assassinaram milhares de sacerdotes – 1.253 já foram beatificados pelo Vaticano. O Estado ateu da União Soviética promoveu campanhas contra o Cristianismo, demolindo igrejas e executando mais de mil sacerdotes logo em seus primeiros cinco anos de existência. Na China comunista, até hoje, a perseguição a cristãos é um grave problema social.

No Chile, ódio à ditadura de Pinochet também motivou ataques da extrema-esquerda

Para o historiador Julio Cesar Chaves, doutor em Ciências da Religiões pela Université Laval e professor da UPIS - Faculdades Integradas, há elementos políticos e sociais que podem ter sido mais determinantes para os ataques do que o próprio ódio à religião.

Um dos templos atacados têm uma relação simbólica com a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Os ataques ocorreram a uma semana da realização de um plebiscito para mudar a Constituição herdada dessa ditadura.

“A igreja de São Francisco de Borja é a capelania militar. Ao atacar essa igreja, eles estão atacando a figura dos carabineros, que são uma espécie de Polícia Militar do Chile. É significativo por ser um ataque contra as forças militares do país. É um símbolo que é católico, mas que ao mesmo tempo está ligado aos carabineros”, afirma.

Já o outro alvo dos extremistas – a Igreja da Assunção – fica próximo à Praça Baquedano, onde costuma haver grande concentração de protestos. Nesse caso, Chaves vê uma estratégia para chamar a atenção. “Não descarto a questão do ódio à religião, que é típico da esquerda, mas, nesse caso, acho que ‘uniram o útil ao agradável’, digamos assim. São alvos que chamam a atenção e são simbólicos.”

O especialista também recorda que os escândalos de abusos sexuais contra crianças no Chile, revelados a partir de 2010, aumentaram a hostilidade contra a igreja no país. “Foram casos muito graves. Envolveram uma pessoa muito influente e muito conhecida, que era o padre Fernando Karadima.”

Casos de ataques violentos a igrejas estão aumentando no mundo, diz ONG cristã

A ONG cristã Portas Abertas, que divulga estatísticas sobre a perseguição a cristãos no mundo, publica um levantamento anual de ataques violentos a igrejas. Segundo a entidade, nos últimos tempos, houve um aumento expressivo no número de ataques a igrejas e prédios cristãos – o que envolve não só templos, mas escolas, hospitais, cemitérios, lojas, entre outros.

Na Lista Mundial da Perseguição 2019, foram registrados 1.847 atos violentos desse tipo. Na lista de 2020, que leva em conta o período de novembro de 2018 a outubro de 2019, o número subiu para 9.488.

O principal fator de crescimento foi a ação do regime comunista da China contra os cristãos em seu país. O número registrado de igrejas cristãs violadas em território chinês no período do relatório de 2020 foi de 5.576.

Na África, também houve um aumento expressivo nesses ataques. Só em Angola, foram registrados dois mil atos violentos contra igrejas e prédios cristãos.

No Brasil, ataque a igreja poderia ser enquadrado em quatro tipos penais, inclusive terrorismo

Uma pessoa que realizasse um ataque a igrejas semelhante aos que ocorreram no Chile poderia ser enquadrada, no Brasil, em quatro tipos penais, segundo o jurista Jean Regina, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião.

Um deles é o crime de incêndio qualificado, previsto pelo artigo 250 do Código Penal, com pena de três a seis anos de prisão.

Outro é o crime contra o sentimento religioso, que pode levar a detenção de um mês a um ano. Regina afirma que as pessoas que picharam “muerte al Nazareno” (morte ao Nazareno), por exemplo, poderiam ser enquadradas nesse tipo penal.

Um terceiro crime está previsto na lei 7.716 de 1989, a chamada lei antirracismo, que engloba a discriminação ou o preconceito contra religiões.

Além desses três, Regina aponta que a Lei 13.260 de 2016, que trata do terrorismo, também poderia servir para incriminar quem fizesse um ato do tipo no Brasil. A definição de terrorismo prevista nessa lei engloba atos violentos de preconceito contra religião. Segundo o jurista, não é necessário que o indivíduo que pratica o ato terrorista faça parte de um grupo. Indivíduos agindo de forma solitária, sem pertencer a um movimento organizado, também podem ser enquadrados como terroristas.

Como foram os incêndios de igrejas no Chile

No domingo (18), o primeiro santuário a ser incendiado no Chile foi a igreja de São Francisco de Borja, usada regularmente pela polícia dos carabineros para cerimônias institucionais. Horas depois, os extremistas atacaram a igreja de Assunção, uma das mais antigas da capital, com mais de um século e meio de idade.

A Praça Itália, epicentro das manifestações de 2019, amanheceu vigiada por carabineros (a Polícia Militar chilena) e carros blindados. Grupos de manifestantes chegaram cedo, agitando bandeiras, pulando e gritando slogans a favor de uma mobilização para a realização de reformas sociais. No fim da tarde, a polícia estimou o número de manifestantes em 25 mil.

Havia grande expectativa no país para a forma como essa manifestação terminaria, já que ela havia sido marcada para uma semana antes da votação do plebiscito constitucional histórico.

A maioria da população defendia uma manifestação pacífica e sem excessos, segundo pesquisas locais, mas havia o temor de que se repetissem os eventos de 18 de outubro de 2019, quando os protestos motivados pelo aumento da passagem do metrô de Santiago também terminaram em atos violentos. Aquele dia, que começou com um movimento de estudantes secundaristas que pulavam as catracas do metrô, terminou em confrontos generalizados. Além dos vandalismos a igrejas, várias estações foram queimadas e houve ataques a edifícios, pilhagem de lojas e violentos confrontos com a polícia.

Na época, o presidente Sebastián Piñera chegou a decretar estado de exceção e pôr a segurança pública nas mãos dos militares pela primeira vez depois do fim da ditadura, mas revogou a medida pouco mais de uma semana depois.

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