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Em 2018, Rosa Weber rechaçou a possibilidade de STF derrubar indulto por desvio de finalidade
Em 2018, Rosa Weber rechaçou a possibilidade de STF derrubar indulto por desvio de finalidade| Foto: Rosinei Coutinho /SCO/STF

Sorteada para relatar a ação da Rede contra o perdão decretado pelo presidente Jair Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), a ministra Rosa Weber defendeu, em 2018, a “ampla liberdade decisória” para o chefe do Executivo na concessão de indultos. Ela também rechaçou a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) invalidar perdão concedido pelo presidente por “desvio de finalidade”, hipótese agora cogitada por parte dos ministros nos bastidores.

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“O indulto é uma carta constitucional de ampla liberdade decisória atribuída ao Chefe do Poder Executivo para extinguir ou diminuir a punibilidade de condenados. A escolha das pessoas beneficiadas e os critérios estabelecidos como necessários para o respectivo enquadramento no ato normativo são de competência do Chefe do Poder Executivo”, disse a ministra, em 2018.

Na época, ela compôs a maioria na Corte que, por 7 votos a 4, manteve intacto um decreto do ex-presidente Michel Temer que extinguiu a punição de condenados por corrupção, desde que tivessem cumprido 1/5 da pena. Os requisitos, mais frouxos que o comum, foram questionados pela Procuradoria-Geral da República (PGR), mas acabaram mantidos pelo STF.

No julgamento, Rosa Weber acompanhou a divergência aberta por Alexandre de Moraes, o primeiro a defender o decreto de Temer, que o indicou para a Corte. Em seu voto, Moraes defendeu o instituto, disse que ele não fere a separação de Poderes, por não interferir indevidamente no Legislativo, que fixa as penas, nem no Judiciário, que as aplica.

Em seu voto, no entanto, a ministra adotou um entendimento ainda mais estrito que o de Moraes, em relação à possibilidade de o STF derrubar um decreto de indulto. Ele dizia que isso só seria possível em duas situações.

Na primeira, quando o perdão alcançasse condenados por crimes hediondos, terrorismo, tortura ou tráfico de drogas, hipótese expressamente proibida pela Constituição. Mas Moraes também admitia a anulação do decreto pelo STF quando houvesse “desvio de finalidade”, sem, no entanto, especificar no que isso consistiria no caso de perdão das penas pelo presidente.

Moraes apenas afirmou que, caso o presidente decretasse a “graça individual” – o perdão para uma pessoa específica, como fez Bolsonaro em relação a Silveira – ,“ficaria mais fácil ou mais razoável analisar o desvio de finalidade, ou não”.

Rosa Weber, no entanto, sequer apontou o “desvio de finalidade” como condição de possibilidade para o STF analisar o indulto. Caso isso ocorresse, caberia apenas ao Congresso abrir um processo de impeachment contra o presidente, e não ao STF derrubar o indulto.

O controle judicial pela Corte, segundo ela, só pode ocorrer se houver perdão para algum dos crimes citados anteriormente, pois são delitos “insuscetíveis de graça ou anistia”, segundo o texto expresso da Constituição.

“O quadro normativo constitucional não estabelece quaisquer critérios a serem observados pelo Chefe do Poder Executivo para a concessão do indulto (salvo as excludentes materiais de incidência), que tem ampla liberdade decisória, em conformidade com sua política de governo e de oportunidade política para a formulação do indulto”, afirmou Rosa Weber naquele julgamento.

Na parte final do voto, Rosa Weber até disse que, na sua visão particular, ela até consideraria que também não seriam passíveis de indulto os crimes de lesa humanidade e que tinha “restrições” à política Temer de perdoar crimes de corrupção. Mas, ainda assim, afirmou que não via “como chegar a um juízo de invalidade constitucional”. “O uso dessa prerrogativa do Executivo sempre acarretará desigualdade e desequilíbrio no sistema punitivo”, afirmou.

"Obra de misericórdia", "alívio de dureza indevida ou erro evidente"

Em seu voto, Rosa Weber também buscou fazer uma síntese histórica e doutrinária sobre a legitimidade do poder do presidente da República de perdoar penas. Lembrou que o indulto originalmente era um instituto reservado aos monarcas.

“O rei perdoava qualquer crime, ofensa, punição, execução, direito, título, dívida ou dever, temporal ou eclesiástico. Nesse cenário histórico monárquico, o poder era absoluto, irrestrito e não estava sujeito a nenhum escrutínio judicial, motivo pelo qual era usado pelos regimes também como uma forma de agrado do soberano aos seus súditos”, disse.

Nos regimes democráticos constitucionais, onde o poder de todo agente público é limitado pela lei, ela disse que o indulto acabou incorporado “para mitigar os rigores da lei”. Nessa parte, ela citou o pensador americano Alexandre Hamilton (1755-1804), um dos “pais fundadores” dos Estados Unidos e coautor de “O Federalista”, conjunto de artigos que dá base à Constituição americana.

“A humanidade e a boa política aconselham de comum acordo que a generosa prerrogativa do indulto seja entorpecida e obstruída o menos possível. Os códigos penais de todos os países acham-se tão impregnados de uma necessária dureza, que se não se facilitar a forma de fazer exceções a favor dos desgraçados delinquentes, a justiça exibirá uma face extremamente sanguinária”, diz o trecho de um artigo de Hamilton citado pela ministra.

Ainda segundo Hamilton, o poder do indulto poderia ser útil para o presidente em épocas de insurreições. Ao perdoar os rebeldes, ele “restabelecer a tranquilidade no país”, de forma rápida, sem depender de aval do Congresso.

Na jurisprudência da Suprema Corte dos EUA, registrou Rosa Weber, o indulto passou a ser justificado como um instrumento para corrigir injustiças.

“O presidente da Suprema Corte Americana, William Taft, em opinião unânime do Tribunal, ao analisar a validade constitucional do perdão, afirmou como justificativas desse instituto dentro do cenário normativo, a clemência executiva para aliviar a dureza indevida ou o erro evidente na operação ou aplicação do direito penal, bem como os propósitos de política pública de governo, que pode assumir uma feição humanitária (de misericórdia) ou de conciliação política”, afirmou a ministra, em referência a um julgamento de 1925.

Rosa Weber expressou, em seu voto, concordância com esse ponto de vista. Ela disse, mais adiante, que o indulto presidencial é uma forma de “dispensar a misericórdia do governo, em casos excepcionais em que o sistema legal falha em entregar um resultado moral ou politicamente aceitável”.

Também poderia ser aplicado, segundo a ministra, “como forma de proteger os cidadãos contra possível erro judicial, ocasionado por condenação injusta ou punição excessiva”. E, por fim, ser “usado no interesse da estabilidade social e política e coexistência pacífica”.

Para Rosa Weber, abuso pode levar a impeachment

Se por um lado, Rosa Weber admitiu o uso do indulto para reparar erros, por outro lado, a ministra afirmou que o abuso desse poder poderia levar ao impeachment do presidente da República. Mas ressaltou que esse deveria ser um juízo político, feito exclusivamente pelo Congresso. Não caberia ao Judiciário – no caso, ao STF – punir o presidente nesses casos.

“A finalidade do indulto como forma de manifestação do Poder Executivo reservado para os amigos do rei, ou seja, para aqueles que tenham boa relação política, desvirtua-se das justificativas do instituto. Todavia, nesta hipótese, o controle da legitimidade democrática do ato praticado pelo Chefe do Poder Executivo compete ao processo político”, ressaltou a ministra.

“O indulto tem como uma de suas finalidades a formulação de política pública de estabilização política, de acordo com a oportunidade e conveniência do Chefe do Poder Executivo, que caso exceda seu poder e cometa abusos, poderá ter sua cassação política”, afirmou em outro trecho do seu voto.

Na parte final, Rosa Weber também destacou que o próprio presidente também poderia revogar um indulto, caso avaliasse que o decreto foi mal utilizado. “Significa uma espécie de autocontrole do Chefe do Poder Executivo, frente às demandas do eleitorado e da comunidade política que representa, com o objetivo de manter sua posição de ator político majoritário no sistema eleitoral”.

Na noite de sexta-feira (22), por meio do Twitter, Bolsonaro recusou sugestão de Michel Temer para que revogasse a graça concedida a Daniel Silveira. “Não”, postou o presidente.

Indulto elimina inelegibilidade?

Uma questão ainda em aberto na atual discussão sobre o indulto concedido a Daniel Silveira é se ele poderá se candidatar nas eleições deste ano, caso o perdão seja mantido. Para parte da comunidade jurídica, ele ainda ficaria inelegível, porque o decreto de Bolsonaro apenas eliminaria a pena a que foi condenado, de 8 anos e 9 meses de prisão.

A inelegibilidade imposta pela Lei da Ficha Limpa – aplicável a quem foi condenado por órgão colegiado, como foi o caso de Silveira, julgado pelo plenário do STF – não é uma punição imposta pela condenação, mas um efeito dela, que não seria alcançado pelo indulto.

Em seu voto, em 2018, Rosa Weber indicou que concordava com essa posição. “O indulto não afasta os efeitos civis e administrativos da condenação, de modo que seu campo de eficácia fica restrito à punibilidade. Como afirmou o jurista Pontes de Miranda: o indultado é um delinquente perdoado, mas continua sendo delinquente para todos os outros efeitos da condenação”.

Trata-se de uma questão crucial a ser julgada na ação da Rede. O partido pediu que, caso o STF mantenha o perdão da pena de Silveira, que pelo menos declare que ele ficará inelegível. É algo de interesse de vários ministros, receosos de que uma campanha do deputado para o Senado, e mesmo sua eventual eleição, intensifique seu confronto com a Corte.

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