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Depois da pesquisa do Ipea, o ex-governador gaúcho Olívio Dutra também aderiu à campanha contra o estupro | Cau Guebo-Futura Press/Folhapress
Depois da pesquisa do Ipea, o ex-governador gaúcho Olívio Dutra também aderiu à campanha contra o estupro| Foto: Cau Guebo-Futura Press/Folhapress

O que é

Estudos do Ipea servem de base técnica para as ações do governo federal

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada é uma fundação pública federal vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Ele exerce atividades de pesquisas que servem de base técnica para as ações do governo em planejamentos de políticas públicas, programas sociais e de desenvolvimento. Os dados e informações do Ipea são disponibilizados através de publicações, seminários e programas de tevê fechada.

O Ipea visa difundir o conhecimento a auxiliar no desenvolvimento brasileiro sob vários aspectos da conjuntura do país. Tem como desafio formular uma estratégia de desenvolvimento nacional, além de se integrar no governo federal, no debate internacional sobre o tema de desenvolvimento, e gerenciar todo o conhecimento gerado.

O instituto dispõe do Ipeadata, uma base de dados macroeconômicos, financeiros e regionais. Essas informações são de acesso gratuito e têm como base o histórico das alterações de valor e nome da moeda nacional do Brasil. Aborda também temas sobre população, emprego, renda, produtividade do país, consumo e ritmo de vendas, além de balanços da economia.

Especialistas citam erros

Especialistas apontam uma série de problemas no levantamento do Ipea, que não refletiria, necessariamente, o pensamento do brasileiro médio. A entrevista foi dada ao portal R7. Para o economista Adolfo Sachsida, que já trabalhou em estudos como esse para o Ipea, o mais grave dos problemas é a amostra da pesquisa. O instituto ouviu 3.810 pessoas em todo o Brasil, 66,5% dessas são mulheres, 15% a mais do que a proporção de mulheres na população geral. O economista Marcos Fernandes, da Fundação Getulio Vargas, questiona a formulação de boa parte das perguntas da pesquisa. Para ele, o levantamento tem valor ao estudar a percepção da violência, mas não tem valor científico. É um erro aferir a opinião das pessoas usando ditos populares como "a roupa suja deve ser lavada em casa", afirmação com a qual 89% dos entrevistados concordaram e "em briga de marido e mulher não se mete a colher", com 82% de aprovação entre os ouvidos pelo Ipea.

Durante uma semana, as ruas do país e as redes sociais foram tomadas por uma gente indignada com o machismo do brasileiro expresso em uma pesquisa divulgada dia 26 de março pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Pela consulta popular, 65% da população concordavam que "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". Houve protestos e a presidente Dilma Roussef chegou a dizer que o país tem "muito o que avançar no combate à violência contra a mulher". Ontem, o Ipea disse que errou. O porcentual correto é 26%.

INFOGRÁFICO: Confira o resultado correto da pesquisa do Ipea

Em razão da pesquisa, a jornalista Nana Queiroz, de Brasília, lançou um protesto chamado "Eu não mereço ser estuprada", que se espalhou pelas redes sociais, com fotos de homens e mulheres reproduzindo a frase em fotos pessoais. Pelo Twitter, ela disse ter sido ameaçada de estupro devido à repercussão da campanha e recebeu a solidariedade de Dilma. A ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, também aderiu à campanha e publicou foto com os dizeres "As mulheres não merecem ser estupradas".

A repercussão da pesquisa foi tão intensa que até mesmo a presidente Dilma Rousseff pronunciou-se sobre o tema e demonstrou solidariedade à jornalista Nana Queiroz. O diretor de Estudos e Políticas Sociais do instituto, Rafael Guerreiro Osório, pediu sua exoneração assim que o erro foi detectado. Na verdade, o Ipea cometeu duas falhas na divulgação da pesquisa.

"Vimos a público pedir desculpas e corrigir dois erros nos resultados de nossa pesquisa ‘Tolerância social à violência contra as mulheres’, divulgada em 27/03/2014. O erro relevante foi causado pela troca dos gráficos relativos aos percentuais das respostas às frases "Mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar" e "Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas", admitiu o órgão, que é vinculado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

Segundo o Ipea, a pesquisa ouviu 3.810 pessoas entre maio e junho do ano passado em 212 cidades. Do total de entrevistados, 66,5% são mulheres. Na verdade, 58,4% dos brasileiros ouvidos afirmaram discordar totalmente da afirmação "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". Fatia de 13,2% disse concordar totalmente e parcela de 12,8% disse concordar parcialmente.

"Corrigida a troca, constata-se que a concordância parcial ou total foi bem maior com a primeira frase (65%) e bem menor com a segunda (26%). Com a inversão de resultados entre as duas questões, relatamos equivocadamente, na semana passada, resultados extremos para a concordância com a segunda frase, que, justamente por seu valor inesperado, recebeu maior destaque nos meios de comunicação e motivou amplas manifestações e debates na sociedade ao longo dos últimos dias", cita a nota do Ipea divulgada ontem.

Outro erro envolveu a frase "mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar". Na verdade, nesse caso, 42,7% dos consultados disseram, nesta versão corrigida da pesquisa, concordar totalmente; 22,4% afirmaram concordar parcialmente. Fatia de 24% disse discordar totalmente e 8,4%, discordar parcialmente. O Ipea cita que a "correção da inversão dos números entre duas das 41 questões da pesquisa enfatizadas acima reduz a dimensão do problema anteriormente diagnosticado no item que mais despertou a atenção da opinião pública".

Mesmo após a correção, o instituto cita que "os demais resultados se mantêm, como a concordância de 58,5% dos entrevistados com a ideia de que se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros". A errata é assinada por Rafael Guerreiro Osorio e Natália Fontoura, autores do estudo. O Ipea afirma que as conclusões gerais da pesquisa continuam válidas, "ensejando o aprofundamento das reflexões e debates da sociedade sobre seus preconceitos".

Falta mudar a cabeça de 26%, diz ativista

Folhapress

A organizadora do protesto online #Nãomereçoser­estuprada, Nana Queiroz, 28 anos, disse estar feliz com o erro na pesquisa do Ipea. Ontem, o órgão do governo federal divulgou uma nota que altera de 65,1% para 26% o percentual das pessoas que concordam, total ou parcialmente, com a afirmação "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". Outros 70% discordam total ou parcialmente e 3,4% se dizem neutros.

"A gente está celebrando porque o cenário não é tão ruim quanto imaginávamos. Mas não quer dizer que os 26% seja bom. Precisamos lutar para que [o índice] seja zero", disse Nana, escritora e jornalista. Na semana passada, após a divulgação da pesquisa, ela organizou um protesto virtual contra o machismo no país. Milhares de mulheres publicaram no Facebook fotos sem roupa, da cintura para cima, com cartazes cobrindo os seios e frases como "Eu não mereço ser estuprada".

Depois de publicar sua foto e divulgar o protesto, a escritora foi ameaçada de estupro em posts no Facebook. Hoje, Nana esteve na sede da Polícia Federal de Brasília, cidade onde mora, para tentar identificar os autores das ameaças. Na segunda-feira, a presidente Dilma Rousseff manifestou seu apoio à campanha criada por Nana. Em seu Twitter oficial, a presidente disse que "nenhuma mulher merece ser vítima de violência, seja física ou sob a forma de ameaça", ao declarar repúdio a ameaças contra a organizadora do ato.

"A jornalista @nanaqueiroz se indignou com os dados da pesquisa do @ipeaonline sobre o machismo na nossa sociedade #respeiteasmulheres", disse Dilma. "Por ter se manifestado nas redes contra a cultura de violência contra a mulher, a jornalista foi ameaçada de estupro."

Prestígio

O presidente do Ipea, Marcelo Neri, diz que o erro cometido na pesquisa sobre violência sexual contra as mulheres não descredencia o órgão nem a própria pesquisa. Neri afirmou que a sondagem ainda expõe números preocupantes com relação ao machismo no Brasil. "Os resultados mudam em grau, mas não no teor da pesquisa. O Ipea é vítima do sucesso da pesquisa. Os 65% não tinham sido nem destacados, mas chamaram a atenção, com razão", diz. Para Neri, o número denuncia uma sociedade "problemática", mas "irrequieta". "A impressão é que as cicatrizes mudaram de lugar, mas continuam presentes", afirma. O presidente do Ipea refuta que tenha havido qualquer falha de procedimento na elaboração da pesquisa. "Foi um erro. Erros acontecem. Tal como sai no jornal uma resposta a um dado errado, saiu do Ipea essa errata", finalizou Neri.

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