Se os calouros continuarem sem denunciar o trote violento, leis que surgirem para coibir a prática não farão muito efeito, na opinião de especialistas. O primeiro passo na criação de uma legislação foi dado na última quarta-feira pela Câmara dos Deputados, que aprovou uma proposta de sanções administrativas dentro das universidades para os veteranos envolvidos na ação. O texto segue agora para o Senado.
Para os especialistas, os calouros não reclamam com medo de serem excluídos do grupo e pela falta da percepção do que é violência. "A nova legislação contra o trote violento é como qualquer outra lei: se não houver alguém fazendo queixa, o Poder Judiciário não pode se manifestar", afirma o mestre em educação e conselheiro do Conselho Regional de Psicologia do Paraná Eugênio Pereira de Paula Júnior. Ele defende, além da denúncia, a vigilância constante dos órgãos envolvidos.
Um conjunto de crimes está implícito nos trotes, segundo o psicólogo: há extorsão, quando os veteranos pegam o tênis do calouro e só devolvem se ele pagar; oferta de bebida alcoólica aos estudantes, que muitas vezes são menores de idade; e agressão física. Por isso ele opina que os calouros não têm interesse algum em participar do trote feito atualmente, com "situações constrangedoras e agressão".
A mestre em Educação e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Araci Asinelli da Luz afirma que reclamações de violência só vêm à tona quando o calouro é vitimizado de forma grave, como no caso da estudante grávida de São Paulo, Priscila Vieira Muniz, que teve queimaduras de segundo grau. Segundo ela, os calouros, por estarem num elevado nível de euforia, não conseguem discernir qual o limite da brincadeira: "O calouro só vai se dar conta da humilhação quando baixar o nível de ansiedade".
Na opinião da professora do Departamento de Ciências Sociais da UFPR Ana Luiza Fayet Sallas, alguns estudantes aceitam o trote por estarem em uma posição de inferioridade. "Se forem denunciar, avaliam, os riscos que vão correr na frente são muito piores." Na visão dela, o limite entre a brincadeira e a ação explicitamente violenta é muito tênue.
Legislação
O projeto de lei aprovado na Câmara não teve consenso. Foram manifestadas dúvidas sobre a eficácia das normas da proposta. O deputado Regis de Oliveira (PSC-SP) alertou, por exemplo, que não está prevista sanção contra a faculdade que não abrir o processo contra quem praticar o trote violento.
A professora Ana Luiza é contra a legislação, que poderá ser mais uma lei que não irá "pegar" no Brasil. Ela sugere ações educativas de longo prazo e perguntar no questionário sócio-econômico respondido pelos vestibulando se eles gostariam de participar do trote.
Paula Júnior defende a legislação e a construção de uma cultura da paz, como o trabalho feito por universidades que incentivam doação de alimentos e ações voluntárias. A professora Araci é a favor da prevenção. "Acredito também que essa legislação deva trazer claramente quais os níveis de responsabilidade e consequências de quem ultrapassar limites."
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