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“Tribunal do Genocídio” – organizado pela PUC-SP – considerou Jair Bolsonaro culpado de cinco crimes, incluindo o de genocídio.
“Tribunal do Genocídio” – organizado pela PUC-SP – considerou Jair Bolsonaro culpado de cinco crimes, incluindo o de genocídio.| Foto: Reprodução

O presidente Jair Messias Bolsonaro acabou “condenado” por cinco diferentes crimes durante uma simulação de julgamento promovido pela PUC-SP nesta quinta-feira (25), no Teatro Tuca, em São Paulo. No total, foram três horas e meia da atividade que ficou conhecida como "Tribunal do Genocídio", com personagens de defesa e acusação, testemunha e conselho de júri, que incluiu João Pedro Stédile, um dos principais líderes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Sem surpresas, Bolsonaro foi considerado culpado de todos os crimes a ele atribuídos pela acusação: crime contra a humanidade, genocídio, epidemia, infração de medida sanitária preventiva e charlatanismo.

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O "julgamento" foi organizado pelo Coletivo André Naveiro Russo, formado pela comunidade acadêmica, com apoio da reitoria da PUC-SP. A ideia foi fazer um tribunal de opinião para julgar as ações de Bolsonaro durante a pandemia de Covid-19. O exercício foi transmitido pelo canal oficial da PUC-SP no YouTube.

Logo no início do "Tribunal do Genocídio", já era possível antever o resultado do julgamento fictício. Leonardo Sakamoto, representando o Coletivo André Naveiro Russo, lembrou a morte do professor que dá nome ao grupo. Segundo ele, André Russo, professor do departamento de Comunicação da PUC, que morreu em junho de 2021 de Covid-19, antes de poder ser vacinado, poderia estar vivo, se não fossem as políticas do presidente Bolsonaro. Já a pró-reitora de Cultura da PUC-SP, Mônica de Melo, se referiu ao governo federal como “administração que se empenhou em agravar os efeitos da pandemia no Brasil”.

Para acusação do "Tribunal do Genocídio", Bolsonaro é culpado até de “retorno da fome”

Após abertura oficial da “juíza” do "Tribunal do Genocídio", papel desempenhado pela desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Kenarik Boujikian - que defendeu em entrevistas que Bolsonaro cometeu “gravíssimas” violações aos direitos humanos - , foi dado espaço para a sustentação oral da acusação e da defesa. E, diferentemente de outros julgamentos, mesmo simulados, em que normalmente não há acordo ou entendimento prévio entre acusação e defesa, no exercício da PUC-SP as duas partes concordaram em diversos pontos.

Inicialmente, a título de “testemunho”, foi exibido um vídeo do senador Randolfe Rodrigues (Sustentabilidade-PE), falando sobre o relatório da CPI da Covid, e pedindo a “condenação” de Bolsonaro. Na sequência, falou a ex-procuradora Déborah Duprat, responsável pela acusação. Ela, aliás, em janeiro deste ano enviou à Procuradoria-Geral da República uma representação contra o presidente. No documento, ela pedia que Bolsonaro fosse investigado por crimes cometidos durante a pandemia. O pedido acabou arquivado.

Duprat começou dizendo que poderia acusar Bolsonaro de diversos crimes, inclusive o do “retorno da fome”, desemprego e corrupção no caso de compras de vacinas, mas que preferia se fixar nas mortes decorrentes da pandemia que, segundo ela, poderiam ter sido em parte evitadas caso o governo federal tivesse agido diferente. Ela argumentou que desde o início da pandemia o presidente não teria dado atenção às medidas sanitárias, incentivando a população a continuar suas atividades normais, e defendendo a chamada a imunidade de rebanho, “uma ideia falsa e antética”, segundo a ex-procuradora.

Ela citou ainda os questionamentos do presidente ao uso de máscara, a defesa do chamado tratamento precoce, a demora na compra de vacinas, e a alta mortalidade por Covid-19 entre os povos indígenas – alvos de genocídio, no entender dela – para pedir a condenação. “Quem comandou todas as estratégias de enfrentamento à Covid-19, quem demitiu subordinados que o contrariam, é Bolsonaro”, disse.

Defesa diz que “não há como negar os crimes” de Bolsonaro

A defesa do presidente no "Tribunal do Genocídio", feita pelo advogado Fabio Tofic Simantob, concordou com praticamente todos os argumentos da acusação. Segundo ele, não haveria meio de negar os crimes, especialmente o de infração de medidas sanitárias, no qual, disse o advogado, Bolsonaro era “réu confesso”. Ainda assim, a acusação de genocídio não se sustentaria legalmente. A definição de genocídio, explicou o advogado, passaria pela intenção de destruir parcial ou totalmente um grupo social, étnico ou religioso, o que não teria acontecido.

“A política criminosa do governo Bolsonaro foi absolutamente democrática, alcançou todos. Não foi direcionada a exterminar esta ou aquela classe. Não foi uma política de discriminação racial, foi política obscurantista”, disse o advogado que, em tese, deveria "defender o presidente". Ele ainda pediu ao júri que desse a pena justa, resguardada na legalidade. “Condenar por crime de genocídio é cometer um erro crasso, é se igualar a Sergio Moro e Dallagnol”, argumentou.

Por fim, o advogado recorreu ao ex-presidente Lula para tentar “salvar” Bolsonaro da acusação de genocídio. Citando o discurso de Lula no Parlamento Europeu, Tofic lembrou que o ex-presidente, embora tenha feito duras críticas a Bolsonaro, nem mencionou a palavra genocídio. “Ele sabe que no terreno da política internacional as palavras tem peso e importância. Ele sabe que usar esse termo naquele momento poderia ser banalizar algumas atrocidades ocorridas no Século XX”, disse.

No júri do "Tribunal do Genocídio", Stédile, DJ e outros representantes de esquerda

Após ouvirem os argumentos de acusação e defesa, os membros do Conselho do Júri do "Tribunal do Genocídio" puderam se manifestar. Falaram Arthur Chioro (ex-ministro da Saúde no governo Dilma), frei David dos Santos (do movimento Educafro), Edson Kaiapó (ativista indígena), João Pedro Stédile (líder do MST), Luana Hansen (DJ e ativista feminista e LGBT), Lucineia Rosa dos Santos (professora de Direitos Humanos na PUC-SP) e Scheila de Carvalho (advogada que em 2020 recebeu o prêmio Most Influential People of African Descent concedido pela ONU). Todos disseram que Bolsonaro era culpado dos crimes mencionados, e até por outros mais, como o de genocídio contra negros. No julgamento, a tese era de genocídio de povos indígenas.

Arthur Chioro, por exemplo, citou o sucateamento do SUS, o fim de programas do Mistério da Saúde, como o Mais Médicos, e a adoção de medida ineficazes de combate ao coronavírus. Ele também atribuiu a Bolsonaro a culpa pela diminuição da expectativa de vida dos brasileiros e pelo sofrimento das pessoas que terão de conviver com as sequelas da Covid-19 e dos transtornos mentais de quem não pôde nem vivenciar o luto. “Condeno Bolsonaro por mais do que omitir, por ter atrapalhado com seu negacionismo, suas fake news, motociatas, chiqueirinhos, aglomerações, se transformando no pandemônio da pandemia”, disse.

Por sua vez, frei David lamentou, entre lágrimas, que milhares de jovens negros da periferia tivessem abandonado as universidades durante a pandemia. Ele ainda sugeriu que Bolsonaro fosse “condenado” a pagar, com seu salário indenização aos órfãos da Covid-19. Já Edson Kaiapó associou as mortes de indígenas durante a pandemia a um projeto histórico de genocídio iniciado com a colonização portuguesa.

Para Luana Hansen, as ações de Bolsonaro se equipararam às de “ditadores nazistas”. Ela também falou sobre a violência crescente e a pobreza dentro das comunidades. A professora Lucineia Rosa dos Santos e Scheila de Carvalho, ambas negras, preferiam direcionar seus discursos para a questão racial, defendendo que Bolsonaro cometeu genocídio contra a população negra.

“Perdemos mais militares do que na campanha na Itália”, disse Stédile

De todos os sete jurados do "Tribunal do Genocídio", o nome mais conhecido era o de João Pedro Stédile, principal líder do MST. Em seu discurso, o velho “companheiro”, falou de tudo. Disse que Bolsonaro cometeu crimes ambientais “em todos os biomas”, que levaram a queimadas, desmatamentos e mudanças do clima; reclamou da liberação de agrotóxicos, da paralisação das desapropriações de terras pelo Incra, das privatizações. Citou ainda a legislação sobre armas, as mortes elevadas entre militares devido à Covid-19 – “Perdemos mais militares do que na campanha na Itália”, disse.

O militante aproveitou ainda para insinuar que o presidente – chamado ironicamente por Stédile de “Capetão Jair Bolsonaro” – saberia os nomes dos autores das mortes da vereadora carioca Marielle Franco e do miliciano Adriano da Nóbrega, além de saber quem teria contratado “o senhor Adelio para fazer o teatrinho da facada”. Por fim, o esquerdista disse desejar que o nome a obra de Bolsonaro fossem depositados na “lata de lixo da história”, “fazendo companhia a Hitler, Mussolini, Pinochet, Fleuru e Ustra” e que Bolsonaro deveria “devolver” o cargo de presidente ao povo.

Ao final dos pronunciamentos dos jurados, a juíza Kenarik Boujikian confirmou a sentença do "Tribunal do Genocídio", "condenando" Bolsonaro por todos os cinco crimes na referida simulação. Ela disse que as ações do presidente refletem "seu baixíssimo desenvolvimento moral" e que por isso suas penas deveriam ser as máximas previstas. Por fim, disse esperar que o tribunal fictício seja um "grito de clamor por justiça" e que espera que as vítimas de Covid-19 e seus familiares "recebam do Estado brasileiro e do Tribunal Penal Internacional a justiça que se faz tão necessária".

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