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A troca de informações entre parentes e amigos de vítimas da ditadura militar deu origem a um acervo sobre a vida de 436 pessoas que foram assassinadas ou que desapareceram entre as décadas de 1960 e 1980. Reunidos, os documentos compõem um livro de 767 páginas, que será lançado nesta sexta-feira (12), na capital fluminense.

Trata-se da segunda edição do Dossiê Ditadura: Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil, um levantamento costurado com trabalho das famílias que ainda buscam informações oficiais sobre o destino de seus parentes e que pedem a punição para agentes do Estado envolvidos na perseguição política.

Além de informações passadas por pais e mães das vítimas da ditadura, o livro traz dados revisados e fotos retiradas de arquivos oficiais do Superior Tribunal Militar (STM) e do antigo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Não há, no entanto, informações completas sobre vários personagens do livro. Uma das sobreviventes da Guerrilha do Araguaia, e responsável pelo Dossiê Ditadura, Criméia de Almeida, fala dos entraves que até hoje dificultam o acesso aos arquivos. "Com relação aos mortos e desaparecidos, esses empecilhos são muito cruéis. O sigilo visa a manter a impunidade dos que cometerem esses crimes e não a intimidade dos que morreram, mesmo porque os mortos e desaparecidos já foram expostos em notas oficiais como bandidos, terroristas ou foragidos da Justiça", afirmou Criméia, à Agência Brasil.

Nos capítulos em que as histórias estão mais completas, boa parte das histórias é sobre a participação de estudantes em partidos políticos, grupos de esquerda e movimentos sociais. Constam informações sobre o 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), realizado em Ibiúna (SP), em 1968, quando foram presas cerca de 800 pessoas. Uma das prisões relatadas é a do Capitão Lamarca, morto no interior da Bahia pelo regime, em 1971.

Desde a primeira edição do Dossiê Ditadura, há quase dez anos, foram acrescentados 69 nomes à obra. A maioria é de brasileiros com dupla nacionalidade, que morreram ou desapareceram na Argentina, país onde o regime militar também foi instaurado, deixando inúmeras vítimas e famílias incompletas.

Além de resgatar o passado, a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, organizadora da obra, quer cobrar a apuração dos crimes e a punição para agentes das Forças Armadas. De acordo com Criméia, a impunidade de agentes do Estado estimula a violência e a corrupção entre os militares até os dias atuais.

"Essa instituição [Forças Armadas], pelo o que a gente ouve dos pronunciamentos oficiais, nunca pediu desculpas à sociedade por ter implantado nesse país uma ditadura. Por ter destituído um governo eleito e por ter criado este Estado de Exceção, que resultou em tantas mortes", afirmou. "Esse tipo de coisa influencia em tantos casos de violência policial, por exemplo, que vemos por aí."

No prefácio do Dossiê Ditadura, o jurista Fábio Konder Comparato também questiona explicações sobre a tomada de poder pelos militares. "Queremos compreender. Como foi possível tanta estupidez, tanta frieza e maldade? Por que razão tudo isso aconteceu entre nós durante anos, sob o olhar indiferente da maioria esmagadora da população? É decente virar as costas para essa fase ignominiosa da história brasileira?", pergunta o jurista.

O arcebispo emérito de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, destaca a importância do livro no sentido de relembrar "os mártires dos anos de chumbo" e das medidas necessárias para passar a história a limpo. "É um memorial de melancolias. Um livro para fazer pensar e mudar o que deve ser ainda mudado e pensado em favor da vida e da verdade".

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