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Lula, Gleisi Hoffmann e Dilma Rousseff em reunião do diretório nacional do PT em novembro de 2019.
Lula, Gleisi Hoffmann e Dilma Rousseff em reunião do diretório nacional do PT em novembro de 2019.| Foto: Ricardo Stuckert / FotosPúblicas

O crescimento da população evangélica no país e sua participação decisiva nas eleições de 2018 (estimativa do Datafolha aponta que Jair Bolsonaro teria recebido até 69% dos votos do eleitor que se declarou evangélico) fez a direção do PT incentivar a criação de núcleos evangélicos nos diretórios estaduais para tentar buscar uma reaproximação com esse público. A ação foi decidida no 1º Encontro Nacional do Núcleo de Evangélicos do PT, realizado em abril do ano passado e reforçada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas conversas que tem feito com as lideranças regionais desde que passou a viajar pelo país após deixar a prisão. O partido já conta com núcleos evangélicos em 18 estados brasileiros.

Relembre: Carta de Haddad aos evangélicos esconde apoio do PT ao aborto, ao “kit gay” e à ideologia de gênero

Segundo carta divulgada no site do partido no último dia 8 de janeiro, os núcleos terão por objetivo “fortalecer espaços de atuação e formação de evangélicas e evangélicos, filiadas, filiados e simpatizantes ao PT; apoiar, participar e dialogar com movimentos sociais; criar espaços de acolhimento, inclusão e afeto para todas as pessoas, especialmente aquelas em sofrimento; e contribuir na construção de modos de leitura e de interpretação da Bíblia, a Palavra de Deus, que nos capacitem para atuarmos, conforme a sabedoria do Espírito e os ensinamentos de Cristo, desenvolvendo práticas libertárias, inclusivas e plurais em nossas comunidades de fé e no mundo”.

Apesar de o PT, nos seus 13 anos de governo, ter incentivado pautas como a do aborto, a famosa cartilha “Escola Sem Homofobia” – parte do que ficou conhecido como o “kit gay” –, e a difusão do que o partido chama de “identidade de gênero”, tendo Fernando Haddad assinado a “Plataforma LGBTI+ Eleições 2018”, que previa “implementar a Política Estadual LGBTI+, em consonância com as deliberações das 1ª, 2ª e 3ª Conferências Estaduais e Nacional LGBT, com as devidas atualizações”, a presidente do partido, a deputada Gleisi Hoffmann chama de “fake news” as notícias que tentam veicular o partido a esses temas e garante que não há conflito entre a pauta do PT e os costumes mais conservadores vivenciados pela população evangélica. Nem temas como aborto, legalização de drogas e união homoafetiva afastam, na visão da petista, o partido dos valores evangélicos.

“A pauta de costumes nunca foi a pauta central do partido. Existimos para defender o povo brasileiro, os trabalhadores e as trabalhadoras. Dentro da defesa dos trabalhadores, defendemos os direitos das mulheres, a igualdade, lutamos contra a violência. Mas nunca tivemos, programaticamente, a defesa do aborto dentro do PT, por exemplo. A questão racial é importante para nós, porque, entre os trabalhadores, são os negros que sofrem mais. E a questão homossexual é questão de respeito às pessoas. Nossas ações não são de incentivo, não há cotas, nossas ações são de respeito. Não admitimos que uma pessoa sofra violência ou preconceito por conta da orientação sexual. E isso os cristãos também têm que combater”, diz. “Os evangélicos criticam que há uma exacerbação deste lado, um incentivo. Nunca fizemos isso, apenas defendemos o direito das pessoas, a diversidade, isso é fundamental”, acrescenta.

Sobre o aborto, Gleisi insistiu que o tema não faz parte da pauta do PT. "Nunca tivemos programaticamente a defesa do aborto no PT. Não tem no nosso programa, não tem em decisão do nosso congresso partidário. Tem pessoas dentro do partido que defendem. Assim como tem outras que não defendem. Eu não defendo. Aborto é uma questão de saúde pública e tem que ser tratada nesse limite. O que quero dizer é que não há essa linha democrática. Isso não é fundante para nós, não é linha, mas respeitamos quem defende, como na sociedade brasileira".

Lembrando que o partido tem duas deputadas federais evangélicas (Benedita da Silva – RJ – e Rejane Dias – PI), Gleisi disse que o partido sempre trabalhou com núcleos temáticos e que sempre teve uma base evangélica forte.

“O que mudou é que uma parte dos evangélicos, que foi ficando cada vez maior à medida que ia se consolidando essa estratégia de fakenews e de confronto, se afastou por conta de um discurso mais à direita e da cooptação de lideranças evangélicas. Determinados pastores e bispos, que, na realidade, têm pretensão política, têm interesse financeiro, que começaram a fazer uma campanha de demonização do PT, principalmente na questão de valores, espalhando que o PT defende aborto, casamento gay. Espalharam aquelas fakenews de kit gay nas escolas, a ‘mamadeira de piroca’, e foram afastando o povo evangélico do PT”.

Segundo Gleisi, a orientação é para que se incentive os diretórios estaduais a atrair evangélicos, fazer debates temáticos e mostrar as semelhanças entre o programa do PT e o evangelho. “Afinal de contas, a base evangélica é, sobretudo, composta pelo povo mais pobre do Brasil, uma base social que sempre votou no PT e para quem o programa do PT sempre foi voltado. Nós temos muito mais a ver com o público evangélico do que a direita, em termos de programa”.

O movimento evangélico do PT não conta, no entanto, com aproximação com nenhuma das principais igrejas do país. A presidente do partido diz que a estratégia é voltada para “evangélicos progressistas” e para a base da população evangélica, mas deixou aberta a possibilidade de o partido voltar a se aproximar das grandes lideranças religiosas. “Podemos sim conversar com lideranças de igrejas, mas não com essas lideranças que fazem esse jogo de cooptação política, de misturar política e religião, pregar do púlpito, incentivar o preconceito. Muitos desses pastores, inclusive, já tiveram interlocução conosco, quando estávamos no governo. Mas começaram, no segundo governo da Dilma, a se distanciar muito e buscar uma nova narrativa política para justificar esse afastamento, com essa questão dos valores morais, para fazer política com a base da igreja. Então, começaram a lançar candidatos, começaram a se aproximar de outras correntes. Acho que viram, ali, uma oportunidade de crescer, explorando o preconceito”.

Gleisi vê muito mais semelhanças que diferenças entre a pauta evangélica e a do partido. “O evangelho é tratar os pobres, ter solidariedade, não ter preconceito. Cristo andava com as prostituas, com os pecadores. ‘Repartir o pão’ – os pobres em primeiro lugar. Se pegar o evangelho, qualquer um vê que é muito mais próximo com o programa do PT do que com o que a direita prega. Cristo nunca estimulou o preconceito ou a violência”, disse.

Movimento também no PCdoB

Antes mesmo da intensificação da procura do PT por interlocução com a população evangélica, outro partido de esquerda já havia iniciado a formação de núcleos visando tal público. A partir do Maranhão, único estado que governa, o PC do B vem trabalhando para destacar os evangélicos de seus quadros.

“É fato que o segmento evangélico amplo, principalmente o movimento ligado ao neopentecostalismo, está mais ligado ao governo Bolsonaro. Não estamos colocando esse fato em uma conta política. Não é uma estratégia política. É um processo de amadurecimento natural dos próprios evangélicos que estão nesses partidos de esquerda de terem sua identidade. De não serem taxados de bolsonaristas simplesmente por serem evangélicos. Não vejo como uma estratégia de ocupação de espaço, mas um movimento de quem já é progressista e está se sentindo incomodado com essa tentativa de se colocar um sinal de igualdade entre evangélicos e bolsonaristas”, comenta o deputado federal Márcio Jerry (PCdoB-MA) que vem liderando esse processo no partido. “Existem evangélicos de visão conservadora, mas existem evangélicos de visão progressista. Não é posição de ser evangélico que faz a pessoa partidária de uma ou outra doutrina econômica ou ideológica. Em vários municípios do Brasil há o Movimento Evangélico Progressista”, conta.

Jerry também afirma que não existe um quadro comparativo de posições antagônicas entre a condição de evangélico e a condição de progressista na política. “Não existe um evangélico esculpido de uma forma apenas. Existem vários perfis e a gente nota, claramente, posições diferentes, inclusive nas pautas de costumes. Não existe contradição em ser evangélico e ser do PCdoB. Mesmo porque a grande maioria dos itens dessa pauta de costumes, o partido deixa livre, porque respeita as posições individuais”, afirma.

Jerry critica o que chama de apropriação da fé pelo governo federal. “O governo e uma parte de porta-vozes que se autoproclamam evangélicos processam conceitos que nada tem a ver com o evangelho. Estão pautando conteúdos ideológicos e políticos, buscando se ancorar na fé, na bíblia, sem a menor relação com os preceitos cristãos. Uma manipulação muito forte desses autoproclamados evangélicos, que defendem uma agenda de barbáries, caindo em contradição com os fundamentos cristãos”, diz. “O maior ensinamento de Jesus Cristo é o de amar ao próximo como a si mesmo. Cristo sempre lutou pela igualdade, pela generosidade e pela fraternidade, uma pauta muito mais próxima da esquerda do que da direita. Comunismo é a doutrina econômica e filosófica baseada nos princípios do cristianismo primitivo: comunhão, comunidade, partilha e amor”, conclui.

O último Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é de 2010, e apontava que 22% da população brasileira se declarava evangélica. Pesquisa Datafolha divulgada no dia 13 de janeiro indica que esse percentual já estaria em 31%.

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