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Representantes de povos indígenas e quilombolas temem que a mudança na legislação torne mais difícil e demorada a delimitação de terras | Antônio Cruz/Agencia Brasil
Representantes de povos indígenas e quilombolas temem que a mudança na legislação torne mais difícil e demorada a delimitação de terras| Foto: Antônio Cruz/Agencia Brasil

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Ex-deputado diz que projeto torna decisão mais democrática

Autor da PEC 215 e atual presidente da Federação da Agricultura e Agropecuária de Roraima (FAE-RR), Almir Sá diz que o debate sobre a delimitação de reservas indígenas e quilombolas precisa passar pelo Legislativo porque "o Congresso Nacional é a casa do povo". Ele acredita que, desta forma, o processo seria mais democrático e não unilateral, como é hoje.

Sobre a queda de braço entre ruralistas e ambientalistas em Brasília, o presidente da FAE-RR defende os produtores rurais. "O interesse do produtor não é destruir as reservas, pois é o ambiente em que ele planta", diz Sá, que também é produtor rural. O ex-deputado federal garante que, em caso de aprovação da PEC, não haverá morosidade nos processos de demarcação, como temem entidades indígenas e quilombolas, porque "a sociedade faria pressão sobre o Legislativo".

O deputado federal Osmar Serraglio (PMDB-PR), um dos principais defensores da PEC 215 na Câmara, argumenta que desde a Constituição de 1988 ficou claro que a disputa por terras se tornou um litígio permanente. "Ficou previsto um prazo de cinco anos para definir a demarcação de terras. Esse tempo passou e nada foi decidido." O parlamentar diz que o Congresso precisa ser ouvido sobre as demarcações . Sobre a desconfiança dos indígenas e quilombolas, Serraglio afirma que "isso é não confiar na própria representação popular do legislativo". (RB)

Amazônia

Tribo brasileira é a mais ameaçada do mundo

A organização Survival International alertou ontem que os awás, da Amazônia, é a tribo indígena "mais ameaçada" do planeta. Em comunicado, a entidade adverte sobre o perigo que correm os índios, depois que as autoridades brasileiras admitiram que o número de "invasores" dentro de uma das reservas dos awás é dez vezes maior que o dos próprios indígenas.

A organização teve acesso a um estudo do governo brasileiro que estima haver até 4,5 mil "invasores" – entre madeireiros, criadores de gado e colonos – em um dos quatro territórios habitados pelos awás, cuja população total não supera 450 pessoas. A ONG lembra que a presidente da Funai, Marta Azevedo, confirmou que a situação dos awás é "desesperadora".

"O Brasil é um dos países mais importantes do mundo, com uma das economias mais dinâmicas e, claro, tem recursos para proteger a terra dos awás. Se não fizer nada e os awás desaparecerem, significará que este ‘milagre econômico’ serve só para os ricos?", indagou o diretor da ONG, Stephen Corry. (EFE)

Raposa Serra do Sol

Após ser adiado por seis vezes, o julgamento dos três acusados pelo assassinato do líder indígena Aldo da Silva Mota começou ontem, em Boa Vista (Roraima). Índio da etnia Macuxi, Mota foi assassinado em janeiro de 2003, aos 52 anos. O crime se tornou símbolo da luta indígena pela demarcação da reserva Raposa Serra do Sol. Segundo levantamento do Conselho Indígena de Roraima, 21 índios foram assassinados durante os 30 anos de disputa pela terra. Demarcada em 1998 pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e homologada em 2005 por Lula, a reserva foi alvo de uma briga judicial com o governo de Roraima. Em 2009, o Supremo Tribunal Federal confirmou a demarcação da área.

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A decisão sobre a demarcação de terras indígenas e quilombolas deve continuar com o Poder Executivo? Por quê?

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Um projeto tão explosivo quanto o Código Florestal – cuja aprovação ou veto está na mesa da presidente Dilma Rousseff – promete causar novo embate com a bancada ruralista. A Câmara dos Deputados analisa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 215/00, que pretende transferir para o Poder Legislativo o poder de decisão sobre a demarcação de reservas indígenas e terras de quilombolas.

O Brasil não tem lei específica sobre o tema. Em 1996, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, por meio do Decreto n.° 1.775, determinou que as terras indígenas seriam "administrativamente demarcadas por iniciativa e sob a orientação do órgão federal de assistência ao índio" – no caso, a Fundação Nacional do Índio (Funai). Em 2003, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou outro decreto, o de n.º 4.887, estabelecendo que cabe unicamente ao Poder Executivo a delimitação de áreas quilombolas. Esse decreto é atualmente alvo de contestação no Supremo Tribunal Federal (STF).

A PEC 215 foi apresentada em 2000 pelo então deputado federal Almir Sá (PPB-RR) e passou 12 anos engavetada até que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovasse o texto, em março deste ano. Agora, aguarda que o presidente da casa, o deputado Marco Maia (PT-RS), forme uma comissão especial para discutir o mérito da proposta. Índigenas e defensores dos quilombolas alegam que a aprovação da PEC vai dificultar ainda mais a demarcação de terras.

Críticas

Para Cretã Kaingang, coor­­­denador político da Ar­­­­ticulação dos Povos In­­dígenas do Sul do Brasil, a mudança vai deixar os povos indígenas e quilombolas nas mãos da bancada ruralista, que hoje é muito forte no Congresso. Kaingang diz que a PEC é inconstitucional e antidemocrática. "A Constituição nos garante o direito à terra e precisa ser respeitada. Nós [os indígenas] não temos nenhum representante no Congresso e isso tornaria mais difícil a demarcação."

O presidente da União de Negros pela Igualdade (Une­­gro), Edson França, afirma que a PEC vai dar mais poder a um setor muito conservador e fortemente organizado. Como exemplo, ele menciona o Estatuto da Igualdade Racial (que trata do direito dos quilombolas sobre as terras em que vivem), que enfrentou forte resistência na bancada ruralista até ser aprovado. "Há um conflito surdo, mas presente, na disputa de terras", diz.

Já a advogada Vanessa Lois, especializada na área ambiental, não acredita que passar a decisão sobre as demarcações para o Legislativo beneficiará os ruralistas. "Existe um risco de que a batalha seja tensa, mas teremos uma disputa entre forças políticas. Da mesma forma que existe a bancada ruralista, os ambientalistas também têm força", analisa.

Ela também pondera que, independentemente de a decisão estar com o Executivo ou o Legislativo, não há como prever se a demora na definição das demarcações será maior ou não.

Constituição não diz quem deve demarcar

Mesmo com o temor das sociedades indígenas e quilombolas de que a PEC 215 possa ferir seus direitos, o projeto não pode ser considerado inconstitucional, segundo a advogada Vanessa Tavares Lois, especializada em Direito Ambiental. Ela argumenta que a Constituição não especifica qual dos poderes da federação deve fazer a demarcação das terras. "A Constituição coloca apenas que a competência é da União", explica.

O professor de Direito Constitucional do Centro Universitário de Curitiba (Unicuritiba), Dalton Borba, concorda que o projeto não fere a carta magna. Ele explica que a PEC é uma norma superior aos decretos já aprovados. "Esses temas são de interesse nacional e precisam passar pelo Congresso para serem regulamentados por lei", opina.

Já o professor de Di­­rei­­to Constitucional da Uni­­versidade Federal do Paraná Egon Bockmann diz que a inconstitucionalidade depende do conteúdo da PEC. Na Carta de 1988 está previsto, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), no artigo 68, que, no caso dos quilombolas, é "reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos". "Se a PEC porventura implicar na procrastinação ou ferir esse direito, ela é inconstitucional".

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