Com o aumento do número de mortes por microcefalia, o tema do aborto voltou à tona. Especialistas consideram que o Judiciário poderá ser provocado em breve com pedidos de autorização para interrupção de gravidez.
A antropóloga Debora Diniz, professora da Faculdade de Direito na Universidade de Brasília, estuda se cabe acionar a Justiça para assegurar o direito ao aborto nesses casos. Ela foi a mentora e articuladora da ação que levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a permitir o procedimento se diagnosticada a anencefalia.
“Estou preparada para novamente desafiar os tribunais brasileiros, se for o caso”, disse Debora. Segundo a antropóloga, o tema do aborto no caso de microcéfalos é pauta recorrente em outros países, com a “perspectiva de um pânico globalizado” que se instalou em relação ao vírus zika. Militante em defesa do direito da mulher de interromper a gravidez, Debora afirma que tem se deparado com reações de surpresa ao falar com entrevistadores estrangeiros sobre a legislação brasileira, que não pune o aborto em caso de estupro e risco de morte da mãe, além da anencefalia, autorizada por decisão do Supremo. “Há um espanto civilizatório sobre a gente, seguido da pergunta: ‘mas não pode ter aborto no Brasil nesses casos?’”, conta Debora.
O juiz Jesseir Coelho de Alcântara, de Goiânia, que já autorizou o aborto em casos não previstos expressamente na lei brasileira, diz ter convicção de que a Justiça será acionada “a qualquer momento”. Ele defende que, ficando provado que a criança não terá chances de sobreviver depois do parto, a mulher deve ter o direito a abortar. “Tem de ser algo muito criterioso, para não banalizar o aborto. Mas, se o feto não puder sobreviver, é possível aplicar a mesma lógica que o Supremo considerou para os anencéfalos”, diz.
Alcântara usou, por analogia, o entendimento do Supremo para autorizar o aborto em dois casos da Síndrome de Edwards e um da doença de Body-Stalk. Em ambos, tentou se cercar de cuidados, pedindo três exames e um parecer do Ministério Público.
Eugenia
Integrante do movimento Brasil sem Aborto, Paulo Leão, que é procurador do estado do Rio de Janeiro, considera equivocada qualquer pretensão de aborto relacionada à microcefalia, mesmo se a malformação for apontada como incompatível com a vida fora do útero, como ocorre com a anencefalia. Ele classifica o ato como “eugenia”: “Essa questão de sobrevivência após o parto é relativa. A mera suposição não autoriza uma antecipação da morte. Defendo medidas preventivas, mas, no caso de uma infeliz ocorrência, que essa vida seja acolhida. Eliminar essa vida é uma forma de eugenia”, afirma o juiz.
Na opinião de Leão, preservar a vida dos “mais fracos, dos que são considerados um peso para a sociedade, dos diferentes” é um dos maiores avanços da democracia atual, que poderá ser ameaçada caso o aborto seja permitido em casos de malformações graves. De 22 de outubro a 23 de janeiro, foram registradas 68 mortes suspeitas de microcefalia. Em cinco casos, exames identificaram zika.
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