Barato total
Questões de um repórter à moda antiga: bailarinas e sapato branco, não.
Ali, o repórter
Chaim usa sem pudores o linguajar do jornalismo dos anos 1960 e 1970. Um de seus tiques mais divertidos é finalizar uma frase com a máxima "moral da história". Quando na ativa, não se separava do gravador "nem para ir ao banheiro". Guarda todas as gravações que fez, o que torna seu acervo doméstico a meca do jornalismo policial paranaense. Garante que graças a ele muita gente sentou na banheira com água quente. "Eu aumentava o Ibope".
Noite ilustrada
Notívago militante, Ali Chaim é depositário das mais incríveis histórias da boemia curitibana. Uma de suas especialidades é narrar a "Revolta das Marafas". Paraguaias, uruguais e argentinas que trabalhavam na Boate Marrocos, em 1966, teriam feito uma marcha até o Palácio Iguaçu, pedindo a reabertura da casa fechada pelo governador Paulo Pimentel. "Foram umas 30. Diziam oi, oi. Todo mundo as conhecia no Palácio", debocha. Paulo não atendeu ao pedido.
Inspiração
Não irritem o Chaim perguntando se ele se inspirou no "Homem do Sapato Branco" Jacinto Figueira, ou em Gil Gomes, dois nomes do jornalismo policial de meados do século 20. Não quer ser comparado a ninguém que tenha feito agressão a presos. Antes de entrevistar detentos, conta, pedia que lhes trouxessem um copo de leite e pão. Dava-lhes um cigarro. Depois dizia, com psicologia própria: "Vamos ter um papo honesto?"
Mulheres
Ali repudiava termos como "amásia", "decaídas" ou "vadias", comuns na imprensa da década de 1960, quando começou. "Eu chamava mulher bandida de dona Maria. Ou de marafa ou de da noite", anarquiza. Não aceitava que fossem chamadas de "bailarinas". "Bailarina é no Teatro Guaíra, filha..."
Família
Ali Chaim é casado desde 1977 com a advogada Esmeralda sobrinha da atriz Lala Schneider. Tem três filhos. "Não deixei nenhum deles ser jornalista", confessa. É irmão do livreiro Aramis Chain e do vendedor de seguros Anuar. Os olhos verdes vêm da mãe, Olga, de origem austríaca.
Na década de 1970, centenas de curitibanos esticavam o pescoço quando passavam pelas imediações da Praça Tiradentes. Procuravam um Fusquinha um Fusquinha que levasse a bordo um "turco" de bigodes, nariz de boxeador, cigarro entrededos. Se o viam, corriam para alcançá-lo com a pressa dos que fogem da friagem. Não perdoavam: faziam críticas à polícia, diziam impropérios contra a prefeitura. Depois pediam um autógrafo para exibir em casa, como se tivessem encontrado um daqueles heróis dos quadrinhos que salvam cidades dos malfeitores. Seu nome Califa, o Califa 33.
VÍDEO: Ali Chaim, o Califa 33, relembra histórias da carreira
Ali Chaim, o Califa, não planejou ser personagem de um comic ou coisa que valha. Queria ser contador e administrar os negócios do pai, Hussein, negociante libanês que chegara ao Brasil nos anos 1930 e fizera fortuna ao comercializar grãos na antiga Avenida Capanema, "perto do Mercado Municipal". Mas algo estranho lhe acontecia.
A voz grossa e dramática fazia de Ali uma espécie de ator de circo mambembe perdido da trupe. Chamava atenção. Já menino era assim, com o agravante de que começara a fumar aos 10 anos, o que aumentava sua rouquidão à prova de Xarope Melagrião. Na escola, deram-lhe um apelido que dispensa legendas: "Besouro". Por sorte, o bullying lhe rendeu popularidade. Era o tal em colégios como o Iguaçu, Santa Maria e Rio Branco, nos quais estudou.
A reboque da fama veio a boemia, para desespero do pai Hussein, que reservava ao primogênito sovas matinais preventivas. "Eu nem sabia por que estava apanhando", conta Chaim, hoje com 74 anos e "quase" aposentado. De pouco adiantaram as lições da cinta. Ao ingressar no curso de Contabilidade da UFPR, era tão conhecido no basfond curitibano que o convidaram para assinar uma coluna no respeitável jornal Diário da Tarde. Habitué da boate La Vie en Rose e, claro, da mítica Marrocos, aceitou na hora atraído sobretudo pelos descontos nos aperitivos, que estendia a seu fiel escudeiro, o repórter Luzimar Dionísio, o Meio Quilo. "Me tratavam na palma da mão", diverte-se, ao lembrar os tempos da seção "Giro na Noite", iniciada no ano de 1963 e assinada com um pseudônimo que dispensava adivinhos: "Lawrence da Arábia".
O melhor ainda estava por vir. Em 1969, Ali/Lawrence é chamado para um "bico", não como perito contador, mas como contador de votos num pleito de ocasião. Altas horas, em meio ao tédio das cédulas, ouviu dois sujeitos se esgoelando na Praça João Cândido, no São Francisco. "Por sarro", como se dizia, catou o microfone de um repórter da PRB2 que estava no local e fez de conta que transmitia o arranca-rabo em tempo real. O som vazou. A audiência adorou o efeito radiofônico da voz do "Besouro".
"Na manhã seguinte eu tinha me tornado famoso", lembra o homem que saiu da brincadeira empregado como repórter policial. Disputado, passou pela PRB2, Rádio Colombo e pelos canais 12, 4 e 6, para citar alguns. Por outro acaso, certa feita o filmaram de costas, num flagrante serviço de açougueiro tabajara. Mas o público gostou do efeito, dando início à marca registrada de Chaim aparecer só de silhueta, o que destacava ainda mais sua dicção. Mudou até de codinome. O boêmio Lawrence da Arábia saiu de cena para dar lugar a Califa, um paladino que percorria de Fusca as delegacias e inferninhos da capital.
No tempo em que Ali/Califa debutou na imprensa, ser chamado de repórter policial não era propriamente um elogio. Os "carrapichos", apelido dado aos jornalistas de porta de cadeia, tinham espaço cativo nas rádios, jornais e tevês, tamanha a paixão pelo noticiário sangrento, tradição brasileira desde o final do século 19. Mas jamais seriam chamados para entrevistar um presidente da República. Faziam rondas em delegacias. Não raro assimilavam a linguagem e a mentalidade dos policiais. E dos marginais.
Foi nesse cenário que Chaim se firmou como um carrapicho de elite, estrela do Show da Notícia do Canal 4, para citar um. "Meu segredo estava na maneira como eu tratava os presos. Gostava de levar um lero com os malacos", conta. De fato. Califa se aproximava de bandidos de maneira inesperada "onde foi que você patinou, simpatia?"; "sua mãe sabe disso?"; "cadê a carteira de trabalho, filho?"; "precisava atirar?". Arrancava lágrimas dos detentos, reportando-as logo depois. De tão boas, essas tramas faziam bem ao ouvidos do escritor Dalton Trevisan, um dos muitos amigos intelectuais do irreverente Chaim, um sujeito pouco dado a concordâncias nominais, curtido na informalidade das mesas de bar.
A performance do jornalista junto à marginália chamou atenção do cineasta catarinense Yanko Del Pino, 52, que revirou arquivos do Museu da Imagem e do Som, o MIS, em busca do Ali perdido. O resultado da empreitada é o documentário Califa 33, por ora no circuito dos festivais. Impressiona no filme ouvir Chaim entrevistando um recém-baleado. Mostrando a tragicomédia das galinhas que bicaram cocaína jogada num terreiro para despistar a polícia. Ou indagando de uma menina de 5 anos quem permitiu que caísse nas garras de um abusador. "O Califa é do tempo que não tinha Ministério Público", diz Yanko, sobre o homem que, a seu modo, fazia as vezes da Justiça. Fazia.
Em algum dia dos anos 1980, Ali Chaim foi à delegacia que fica na Pracinha do Batel. Rotina. Mas ao botar os olhos numa cela, viu 20 adolescentes agarrados como vítimas de banzo. Não entendeu nada. Até lhe contarem que os piás estavam naquela posição para cheirar a cola que passada na roupa uns dos outros. Deduziu que o tempo do roubo nos quintais tinha ficado para trás. Com ele, ia-se a romântica figura do repórter a bordo de um carro, varando os orientes da madrugada. Pelas suas contas de contador, tinha gastado até ali 10 Fuscas e uma vida. Um bom saldo.
Vida e Cidadania | 4:40
A voz abafada, curtida pelo cigarro, dramática, e com sotaque curitibano no último grau, fez história no jornalismo policial da capital paranaense. Ali Chaim tinha um estilo ímpar: tratava o bandido como um amigo e assim arrancava dele declarações.
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