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Mineração em terras indígenas: proposta defendida por Bolsonaro resolve escassez de fertilizantes?
Governo de Jair Bolsonaro tenta acelerar tramitação do PL 191/2020. Na Câmara, líder do governo começou a colher assinaturas para aprovar requerimento de urgência| Foto: Isac Nobrega/PR

Um dos principais impactos econômicos para o Brasil decorrentes dos conflitos na Ucrânia está relacionado à falta de insumos agrícolas, uma vez que a Rússia é o principal fornecedor desse tipo de matéria-prima para o Brasil. Nesta quarta-feira (2), o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o Brasil corre o risco da falta de potássio – mineral presente em fertilizantes utilizados na produção agrícola – ou do aumento do preço desse insumo. Para ele, a aprovação do Projeto de Lei 191/2020 - apresentado pelo governo federal para autorizar a exploração de recursos em terras indígenas - resolveria parte do problema.

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O projeto de lei ao qual Bolsonaro se referiu permite a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em terras indígenas desde que haja consentimento das comunidades indígenas afetadas. Na prática, atividades como a mineração e o garimpo passam a ser permitidas em áreas indígenas mediante autorização prévia do Congresso Federal e indenização a ser paga às comunidades.

Apesar da sinalização positiva de apoiadores do governo no Congresso e da Fundação Nacional do Índio (Funai), entidades ambientalistas e parlamentares de oposição são contrários ao projeto. Eles alegam que haverá mais impactos ambientais nas áreas preservadas e que não houve participação das comunidades indígenas na construção da proposta. Com isso, após dois anos de sua apresentação, até o momento o projeto não teve nenhum progresso.

Para que a medida possa avançar na Câmara dos Deputados, o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), deu início ao recolhimento de assinaturas de parlamentares na tentativa de aprovar um requerimento de urgência e com isso fazer com que o projeto vá direto para o plenário. Caso o requerimento seja aprovado, a proposta pode ir à votação a qualquer momento, sem a necessidade de passar pelas comissões.

Essencial para diversos tipos de cultivo, o potássio é um dos minérios mais importantes para a indústria de fertilizantes e, junto com o nitrogênio e o fósforo, forma a tríade dos macronutrientes de maior relevância para o aumento da produtividade no campo. Além da Rússia, a Bielorrússia (ou Belarus) também exporta boa parte desse mineral para o Brasil - o equivalente a 6,1% do total, frente a 20% da Rússia -, mas o país também é alvo de sanções econômicas por ser o principal aliado russo.

“Nossa segurança alimentar e agronegócio (Economia) exigem de nós, Executivo e Legislativo, medidas que nos permitam a não dependência externa de algo que temos em abundância”, declarou Bolsonaro nas redes sociais. Junto com a publicação, o presidente compartilhou um vídeo de um discurso seu ainda como deputado federal, de 2016, quando abordava a dependência brasileira do potássio importado do leste europeu. “Nós não podemos explorar o nosso próprio potássio”, criticou ele no vídeo.

Exploração econômica de terras indígenas

O aproveitamento econômico de territórios indígenas é uma bandeira de Bolsonaro desde que chegou à presidência da República. “Em Roraima tem R$ 3 trilhões embaixo da terra, e o índio tem o direito de explorar isso de forma racional, obviamente. O índio não pode continuar sendo pobre em cima de terra rica”, disse o presidente em abril de 2019, em um encontro com representantes das etnias parecis, macuxi, xucuru e yanomamis, que reivindicam o direito de explorar as reservas tradicionais.

Bolsonaro tem o apoio do atual presidente da Funai, Marcelo Xavier. Em debate sobre o tema realizado na Câmara dos Deputados no ano passado, Xavier defendeu a aprovação do PL 191/2020 e relacionou as ações da atual gestão sobre a exploração de recursos nesses locais como uma estratégia de autonomia e protagonismo indígena.

Na ocasião, o gestor citou a necessidade de gerar desenvolvimento para as comunidades e apresentou um vídeo no qual Edson Bakairi, da Cooperativa dos Agricultores e Produtores Indígenas do Brasil (Coopaibra), apoia a exploração econômica desses locais. “Hoje nós, indígenas Bakairi, estamos integrados em uma sociedade onde a tecnologia e a globalização já chegaram e precisamos gerar renda para as nossas comunidades. Não é mais como era no passado", disse o líder indígena.

A exploração de recursos nas terras indígenas também foi abordada nesta segunda-feira (28) pela ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina. Segundo ela, há entraves relacionados ao licenciamento ambiental para a mineração de insumos importantes para a atividade agrícola, mas o Brasil deve avançar na produção interna para garantir a segurança alimentar e a segurança da produção nacional.

“A agricultura brasileira é muito dependente do uso de fertilizantes, então, nós precisamos ter cada vez mais produção própria”, disse ela, citando o Plano Nacional de Fertilizantes – medida que deve ser lançada ainda em março pelo governo federal para reduzir a dependência do Brasil da importação de fertilizantes.

 <em>Aplicação de fertilizante em Chapadão do céu/GO. Quase todo o potássio brasileiro (96,5%) destinado à adubação do solo é importado (Foto: Wenderson Araujo/CNA)</em>
Aplicação de fertilizante em Chapadão do céu/GO. Quase todo o potássio brasileiro (96,5%) destinado à adubação do solo é importado (Foto: Wenderson Araujo/CNA) | Wenderson Araujo

De acordo com a ministra, somente na região de Autazes, no Amazonas, há uma mina com potencial de exploração que supriria 25% do que o país importa de potássio. Em relação à legislação ambiental, a ministra cita que é preciso fazer avanços, “não precarizando, mas tendo uma agilidade maior, fazendo as compensações necessárias e vendo a importância que é para o país ter todo esse potencial que pode ser utilizado para a produção de alimentos”, afirmou a ministra a jornalistas.

Ainda segundo ela, o potássio é o maior gargalo do país ao se tratar de insumos agrícolas. A ministra pontuou ainda que o Brasil tem fertilizantes suficientes para o plantio até outubro e que o governo trabalha com alternativas para garantir o suprimento para o setor no caso de escassez provocada pelo conflito entre Rússia e Ucrânia. Também há negociações, segundo ela, com o Canadá, o maior produtor mundial do minério.

Entenda a proposta

O Brasil importa, atualmente, 96,5% do cloreto de potássio que utiliza para fertilização do solo, o que torna o país o maior importador mundial do mineral, com 10,45 milhões de toneladas adquiridas em 2019, de acordo com dados do Ministério da Economia.

Em janeiro do ano passado, o Ministério de Minas e Energia anunciou a descoberta de novas jazidas de potássio na Bacia do Amazonas, “ampliando em 70% a potencialidade sobre depósitos de sais de potássio, ou silvinita, como é denominado o mineral cloreto de potássio, do qual se extrai o potássio”, informou o órgão. Segundo a pasta, é possível afirmar a existência de ao menos 3,2 bilhões de toneladas do minério.

De olho nesses números, Bolsonaro tenta aproveitar o atual momento para conseguir avançar com o projeto de lei que visa a autossuficiência brasileira na produção do minério.

Em termos gerais, a proposta regulamenta a mineração, a geração de energia elétrica e a exploração e produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos em terras indígenas. O texto também estipula indenizações às comunidades indígenas nas quais houver empreendimentos e prevê que a exploração de recursos só poderá ocorrer mediante autorização prévia do Congresso Nacional e consulta às comunidades afetadas.

Críticas ao projeto de lei do governo federal

De acordo com Decio Yokota, coordenador de gestão da informação do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé), o projeto de lei em questão é inconstitucional, uma vez que ao abordar as atividades de mineração e o aproveitamento de potenciais energéticos, a Constituição Federal criou restrições quanto a essas práticas em terras indígenas e por isso elas colidem com o texto do projeto de lei em questão. Por isso, segundo ele, caso a proposta seja aprovada, deverá ser questionada no Supremo Tribunal Federal (STF).

“Essa tentativa não vem de hoje; diferentes governos já tentaram implementá-la. Mas, basicamente, estamos falando sobre dois artigos da Constituição. O artigo 49 coloca que é competência do Congresso Nacional autorizar a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e pesquisa e lavras de riquezas minerais em terras indígenas”, diz Yokota. “Esse projeto de lei cita que existem casos em que há a competência do Congresso, mas em outros há outro procedimento, portanto é inconstitucional”.

Ele argumenta também que apesar de haver exceções para a mineração em terras indígenas, o artigo 231 da Constituição veda as atividades de garimpo nesses locais. “Esse projeto de lei fala não só da regulamentação da mineração, mas também autoriza o garimpo, o que claramente é contra a constituição e com certeza vai parar no STF”, afirma.

Algumas das principais entidades que representam essas comunidades, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), também se posicionaram contra a mineração em terras indígenas.

Em junho do ano passado, a Câmara de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6ªCCR/MPF) publicou uma nota técnica alegando que o projeto de lei é inconstitucional. “Esta 6ª Câmara de Coordenação e Revisão se manifesta pela inconstitucionalidade e inconvencionalidade do PL nº 191/2020, ao tempo em que espera que o Poder Executivo, por meio da Funai, do Ibama, da Polícia Federal e do Ministério da Defesa, adote todas as providências necessárias para coibir a mineração e o garimpo ilegal em terras indígenas, inclusive para a retirada de garimpeiros invasores dessas terras”, cita a nota.

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