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Livros protegidos pela clausura dos monges começam a se tornar mais acessíveis ao público em geral | Alf Ribeiro/Folhaparess
Livros protegidos pela clausura dos monges começam a se tornar mais acessíveis ao público em geral| Foto: Alf Ribeiro/Folhaparess

Sem pressa

Cerca de 20 mil títulos foram cadastrados no novo sistema

A coleção beneditina começou de modo muito precário na São Paulo do fim do século 16. "Deviam ser poucos os livros", diz o monge-bibliotecário João Baptista. Os primeiros registros da biblioteca são de 1750, quando aquisições começam a aparecer em atas dos capítulos – nome dado às reuniões internas dos monges. Ao longo dos anos, a catalogação dos livros do Mosteiro de São Bento seguiu sendo feita à mão. O que faz com que a pesquisa seja mais lenta, fichinha por fichinha. Dificulta até mesmo saber a quantidade exata de obras do acervo. "Este número é uma estimativa, muito próxima da realidade", diz o bibliotecário Marcelo Delvalle, sobre os 105 mil volumes.

Em 2002, esse processo começou a ser modernizado. Aos poucos, funcionários e religiosos passaram a catalogar eletronicamente os livros. Em média, cadastram 2 mil títulos por ano. "Não é nosso trabalho exclusivo, por isso, o ritmo é esse", diz o bibliotecário. Mais de 20 mil livros já estão catalogados no software. Nessa velocidade, o trabalho não será concluído em menos de quatro décadas.

Tempo não é problema para a organização, que existe há 1.500 anos – e há mais de 400 em São Paulo. Enquanto isso, o monge tem outras preocupações, como a falta de espaço. A parte mais antiga da biblioteca, com belas estantes de madeira, nos anos 1960 ganhou o anexo de uma ala antes usada como dormitório do Colégio de São Bento. Aos poucos, o espaço também está ficando pequeno. "Já estamos prevendo a construção de um mezanino na ala nova", adianta o religioso.

Para o papa ler

Quando esteve na cidade, em 2007, o papa Bento 16 hospedou-se no Mosteiro de São Bento e teve à disposição, em seu quarto, 30 títulos selecionados da biblioteca. O acervo foi pensado como uma miscelânea de obras religiosas, culturais, artísticas, literárias e históricas. A maioria procurava mostrar ao líder católico um pouco do panorama brasileiro. Bento 16 teve a oportunidade, por exemplo, de se divertir com a prosa de Machado de Assis, com Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas. Mas ele não chegou a entrar na biblioteca.

Obras raras

Os 581 títulos publicados entre os séculos 15 e 18 são tratados com carinho especial. Ficam acondicionados em sala fechada, climatizada, e o manuseio só é feito com luvas. Para não serem danificadas, essas obras nem recebem etiquetas de catalogação – as informações são colocadas em tirinhas de papel, dispostas entre a capa e a primeira página. Um desses livros é a edição de 1676 da Steganographia, do monge Johannis Trithemius, que aparecia no índex de leituras proibidas pela Igreja. O mais antigo do acervo, um incunábulo de 1496 traz o Novo Testamento.

  • A partir do ano que vem, qualquer um poderá saber quais títulos constam no acervo

Nos 416 anos de história, são poucos os que tiveram o privilégio de circular entre os livros da biblioteca do Mosteiro de São Bento, a mais antiga em funcionamento da cidade de São Paulo. Menos ainda são os que manusearam os livros mais raros do acervo de 105 mil obras: 581 títulos publicados entre os séculos 15 e 18. Entre eles estão seis incunábulos, livros rudimentares dos primórdios da imprensa, que mesclam o manuscrito com os tipos móveis.

Este tesouro encravado no coração da cidade, protegido pela clausura dos monges beneditinos, começa a se tornar mais acessível ao público em geral. Há três meses, o software usado na indexação desses livros foi substituído por um mais moderno. Assim, a partir do primeiro semestre do ano que vem qualquer um poderá saber, entre mais de 20 mil livros já catalogados no software, quais constam na base.

"Isso vai simplificar nosso processo, já que aquele que precisar consultar um livro de nosso acervo já entrará em contato conosco sabendo que ele existe aqui", explica o bibliotecário Marcelo Delvalle, que trabalha ali há dois anos. Qualquer pesquisa na biblioteca é autorizada apenas mediante agendamento prévio. Atualmente, a própria equipe é responsável por checar se a obra desejada existe ou não no acervo. O pesquisador não tem acesso ao interior da biblioteca; recebe e consulta o livro em uma sala anexa. Hoje, trabalham ali cinco pessoas: Delvalle, um auxiliar e um monitor, além de dois religiosos.

Obrigação

"Não existe mosteiro beneditino sem biblioteca", diz o monge-bibliotecário João Baptista. Isso porque a leitura, mais do que uma paixão, é obrigação e oração para os religiosos da Ordem de São Bento, medieval organização fundada pelo santo católico que viveu entre os anos 480 e 550. As normas da vida monástica foram sistematizadas em um livro de 73 capítulos, conhecido como Regra de São Bento, cuja autoria é atribuída ao santo.

Tal regimento é observado por cada um dos 37 monges que vivem no claustro do Largo de São Bento. O que significa que, desde que os primeiros beneditinos chegaram a São Paulo, em 1598, o silêncio da madrugada da abadia é rompido pontualmente às 5h05, quando um deles badala o sino que desperta os companheiros. Vinte e cinco minutos depois, todos ficam a postos no altar da Basílica de Nossa Senhora da Assunção, a igreja contígua ao mosteiro. Ali, entoam o Ofício Divino, primeira das cinco orações do gênero celebradas diariamente.

Mas a chave da biblioteca está no capítulo 48 da Regra. Ele recomenda que os monges se entreguem diariamente ao trabalho e livros. Isso fez com que, historicamente, todo mosteiro nascesse com uma coleção de obras. "Não é exagero dizer que nós, monges, somos responsáveis por preservar boa parte da cultura ocidental durante a Idade Média", diz Baptista.

Entre os beneditinos, o hábito de ler é cultivado até durante as refeições: enquanto os outros, em silêncio absoluto, comem, um monge recita textos sagrados e trechos de livros de Filosofia, História, Sociologia.

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