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Área invadida por grupo do MST em Florestópolis  no início deste mês foi considerada improdutiva ainda em 2008 | Roberto Custodio/ Jornal de Londrina
Área invadida por grupo do MST em Florestópolis no início deste mês foi considerada improdutiva ainda em 2008| Foto: Roberto Custodio/ Jornal de Londrina

Análise

Relações "estremecidas" geram reação de movimentos

A proximidade da eleição presidencial representa um momento que o MST pode empregar para buscar mais visibilidade para suas bandeiras, segundo avaliação do sociólogo José Luiz Cerveira Filho, da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

O especialista avalia que houve uma política de agricultura familiar satisfatória no governo Lula e que, de certa forma, contribuiu para neutralizar as ações do movimento. No governo Dilma, contudo, houve retrocesso até no relacionamento junto aos interlocutores do MST, em função de um entrosamento maior com o agronegócio. "O movimento vem cobrar a fatura. Talvez agora queira ocupar o espaço que foi deixado no governo Lula, que tinha mais habilidade para lidar com movimentos sociais", analisa.

A socióloga Solange Fernandes, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), também argumenta que este é um ano de aquecimento para o MST e de retorno do assunto da reforma agrária à agenda de debates na sociedade. "As regiões que tiveram reforma agrária têm experiências exitosas de grupos que conseguiram avançar. É uma outra cultura, que, na verdade, o Brasil não tem assistido muito", pontua.

Famílias que invadiram área em Florestópolis vivem no improviso

Na semana passada, a maioria das famílias perten­­centes ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) que ocuparam a fazenda Porta do Céu, em Flo­­restópolis, ainda estava vivendo em situação de improviso. Crianças, jovens e adultos dividiam espaço entre colchões estendidos em um barracão.

Segundo um dos representantes do movimento, Juarez Mamédio, o grupo esperava o tempo chuvoso passar para cobrir as barracas armadas na propriedade. Mais 150 pessoas ainda eram aguardadas. As novas famílias, assim como as que já estavam no local, vêm de municípios da região Norte, como Londrina e Apucarana, mas também do interior paulista, como Assis. "Vamos nos organizar para plantar milho, hortaliças, mandioca, feijão e montar uma escola para as crianças", diz Mamédio.

A fazenda ocupada pelo MST em Florestópolis tem 1,6 mil hectares e pertence ao Grupo Atalla, que mantém usinas de açúcar e álcool no estado e em São Paulo. De acordo com o Incra, a área foi considerada improdutiva ainda em 2008. O laudo vem sendo contestado judicialmente por advogados do grupo. A empresa já tem histórico de terras improdutivas, segundo o Incra.

Minguadas desde o governo Lula, as ações do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) voltam a dar sinais de aquecimento justamente no ano em que ocorrerá a eleição presidencial. No Paraná, no último carnaval, mais de 500 famílias ocuparam uma fazenda pertencente ao Grupo Atalla, em Florestópolis, na região Norte do estado. Segundo o movimento, a ocupação é a primeira em terras paranaenses nos últimos três anos.

Veja como está a ocupação do MST

Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostram que o número de ocupações pelo Brasil envolvendo militantes do MST passou de 231, em 2003, para 105, em 2012, o equivalente a uma queda de 54% em dez anos. Os dados de 2013 ainda não foram divulgados, mas o movimento estima que tenham ocorrido 110 ações em todo o Brasil.

As ocupações do grupos dissidentes, por sua vez, triplicaram neste período. As iniciativas promovidas pelo MST Base – criado por José Rainha Júnior –, pelo Movimento da Luta pela Terra (MLT) e pelo Movimento Terra Trabalho e Liberdade (MTL) passaram de 7 em 2003, para 27 em 2012, conforme dados da CPT. As manifestações do MST entre os movimentos sociais também perderam espaço. De 863 atos, como bloqueios de rodovias, protestos, marchas e ocupações de canteiros de obras, só 35% foram protagonizados por fileiras do MST. Em 2003, elas representavam 58%.

Hoje, o MST calcula que te­­nha cerca de 90 mil famílias em 700 acampamentos distribuídos por 23 estados. Cerca de 60% estão em áreas do Nordeste brasileiro, sobretudo, Alagoas, Sergipe, Pernambuco e Bahia. No país todo, são 150 mil militantes. Aproximadamente 900 assentamentos abrigam ainda 350 mil famílias.

Membro da direção nacional do MST, José Ricardo da Silva diz que a estratégia sobre os rumos do movimento nas eleições de 2014 ainda não está definida, mas que a temporada que se aproxima – o "Abril Vermelho", poderá fortalecer a luta pela terra. "Vamos fazer alianças com movimentos como a Via Campesina e por bandeiras de redemocratização", afirma.

Silva analisa que o processo das ocupações do MST não parou, apesar dos números. Pa­­ra o dirigente, a Reforma Agrária é uma tarefa que cabe aos movimentos sociais, já que o governo federal tem se mostrado "incompetente" para alcançar esta meta. "Ainda existem centenas de milhares de famílias acampadas no Brasil esperando uma ação da presidência", argumenta ele. "O que nós temos clareza é que lutas, ocupações e mobilizações acontecerão queiramos nós ou não".

Na avaliação de Silva, a apro­­­­ximação do governo federal com grupos ruralistas e com o agronegócio são fatores que desequilibraram a consolidação da agricultura familiar. "O latifúndio é um mal e tudo o que ele produz em sua forma também", defende.

Desapropriação de terras cai no Brasil

O ritmo das desapropriações de terras consideradas improdutivas retrocedeu nos últimos anos, segundo registros do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). No governo Fernando Henrique Cardoso, foram 3.536 decretos, enquanto no governo Lula foram 1.987. O governo Dilma é o que contabiliza menos desapropriações desde 2011, só 186. A diferença supera os 90%.

No Paraná, a maioria dos decretos desapropriatórios ainda é da administração de FHC – 219 propriedades consideradas improdutivas. No governo Lula, foram 11, e no de Dilma, houve apenas uma desapropriação até o ano passado para a criação de assentamentos rurais.

Para o superintendente do Incra no Paraná, Nilton Bezerra Guedes, o fato das desapropriações terem regredido não significa que a reforma agrária ficou estagnada. Ele sustenta que houve redução no número de terras improdutivas no estado desde a década de 1990 – hoje 1% das propriedades rurais do Paraná estão nessa condição. "Os proprietários se organizaram para arrendar e não sonegar. Comprovam que produzem", diz. As vistorias do Incra ocorrem quando os imóveis ainda estão desocupados.

Guedes revela que, diante desse cenário, o governo federal tem investido na compra de terras produtivas para transformá-las em assentamentos rurais. Nos últimos três anos, diz ele, foram investidos em torno de R$ 24 milhões em terras para assentar quase mil famílias em Londrina, Querência do Norte, Cascavel, Jundiaí do Sul, Tibagi e Rio Branco do Ivaí. Essa prática, comenta o superintendente do Incra, tem contribuído para a queda no número de conflitos no campo: em 2001, 14 pessoas morreram em disputas agrárias; em 2013, foi registrado apenas um homicídio.

O superintendente calcula que ainda existam 4 mil famílias sem-terra acampadas em propriedades rurais no estado. Cerca de 50 áreas, o equivalente a 100 mil hectares, estão em processo de desapropriação.

Qual sua opinião sobre o plano do MST de intensificar as ações por causa da eleição presidencial? Deixe seu comentário abaixo e participe do debate.

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