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Zezé Motta levou a imagem da mulher negra ao cinema | Divulgação
Zezé Motta levou a imagem da mulher negra ao cinema| Foto: Divulgação

Especialistas revelam que há racismo

A baixa participação de mulheres negras* no cinema nacional é consequência de um elemento estrutural na sociedade: o racismo, conforme avaliação é do cineasta Joel Zito Araújo. Para a diretora da Escola de Cinema Darcy Ribeiro, Irene Ferraz, a escolaridade e o acesso a recursos para a produção audiovisual poderiam reverter esse quadro. Segundo Araújo, aliado ao racismo, que invisibiliza produtores negros no cenário nacional, o padrão estético das produções atuais ainda está calçado em ideias do período colonial, provocando distorções em todas as artes, inclusive no cinema.

"A supremacia branca, o reforço da representação dos brancos como uma ‘natural’ representação do humano é chave para tudo isso. O negro representa o outro, o feio, o pobre, o excluído, a minoria não desejada", analisa. Por isso, segundo ele, não está nas telas.

A opinião do cineasta é compartilhada por Verônica Tofte, do Iesp. Ela lembra que o Estatuto da Igualdade Racial tratou de prever a igualdade de oportunidades em produções audiovisuais, mas as leis são vagas e insuficientes para mudar a cara do cinema. "O Brasil tem uma legislação para tratar dessa situação, de conferir oportunidades iguais, no entanto, ela é burlada, sem fiscalização." Verônica defende a distribuição de recursos do audiovisual para realizadores negros.

A diretora da Escola de Cinema Darcy Ribeiro, Irene Ferraz, reconhece que é baixa a presença de pessoas pretas e pardas em posições de mais visibilidade e prestígio no cinema, como o elenco, a direção e a produção de roteiros. Para ela, o problema começa na formação. "O cinema é uma arte muito complexa, envolve uma indústria, precisa de editais, recursos, se você tem uma escolaridade, chegará lá. Ocorre que, na nossa sociedade, o negro está excluído em várias áreas", avaliou, em relação à subrepresentação. "O cinema reflete o que é a sociedade."

R$ 2,8 milhões em editais de produção audiovisual foram destinados a jovens realizadores negros neste ano, cuja contratação foi feita em 2012, segundo o Ministério da Cultura. Ao todo, a Pasta investiu R$ 5,1 milhões.

As mulheres negras* não estão nas telas de cinema, nem atrás das câmeras. Pesquisa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) mostra que pretas e pardas não figuraram nos filmes nacionais de maior bilheteria. Apesar de ser a maior parte da população feminina do país (51,7%), as negras apareceram em menos de dois em cada dez longas-metragens entre os anos de 2002 e 2012. Além disso, atrizes pretas e pardas representaram só 4,4% do elenco principal de filmes nacionais. Nesse período, nenhum dos mais de 218 filmes nacionais de maior bilheteria teve uma mulher negra na direção ou como roteirista. As informações são da Agência Brasil.

Coordenada pelo Ins­­tituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Uerj, a pesquisa A Cara do Cinema Nacional sugere que as produções para as telonas não refletem a realidade do país, uma vez que 53% dos brasileiros se autodeclaram pretos ou pardos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O prejuízo, na avaliação das autoras do estudo, é a influência de determinados valores sobre a audiência.

"Pelos dados, a população brasileira é diversa, mas essa diversidade não se transpõe para ambientes de poder e com maior visibilidade", disse uma das autoras, a mestranda Marcia Rangel Candido. Ela acrescenta que, além da "total exclusão" nos cargos técnicos, a representação no elenco está limitada a estereótipos associadas à pobreza e à criminalidade. "As mulheres brancas exercem vários tipo de emprego, são de várias classes sociais, a diversidade é maior."

A doutoranda Verônica Tofte, coautora da pesquisa, diz que a baixa representatividade de mulheres em postos mais altos do cinema – elas ocupam 14% dos cargos de direção e 26% dos postos de roteiristas entre os filmes mais vistos –, além da invisibilidade das negras no elenco, são distorções da sociedade. "A ausência de mulheres, principalmente as negras, nesses papéis gera baixa representação e reproduz uma visão irreal do Brasil." De acordo com a pesquisa, nenhuma das diretoras ou das roteiristas entre os filmes pesquisados era negra.

Para chegar ao perfil racial, a pesquisa comparou imagens de 939 atores, 412 roteiristas e 226 diretores de filmes, excluindo documentários e filmes infantis. "Usamos um modelo de identificação em que o pesquisador é que define o grupo racial ao qual pertence o sujeito", esclareceu Marcia. Na classificação, para a comparação, foi utilizada uma escala de fotos de oito indivíduos, do mais branco para o mais preto, estabelecida em trabalhos científicos anteriores.

A lista dos filmes mais vistos no período é da Agência Nacional do Cinema (Ancine). Apesar de ter a função de fomentar e regular o setor, procurada, a Ancine informou que "não opina sobre conteúdo dos filmes, elenco ou qualquer coisa do tipo".

* Convencionou-se chamar negros a soma de grupos populacionais preto e pardo, seguindo classificação do IBGE.

Zezé

Contrariando a regra, a cantora e atriz Zezé Motta levou a imagem da mulher negra às telas do cinema. Em 1973 ela estreou no filme Vai Trabalhar Vagabundo; em 1974 fez A Rainha Diaba e, em 1976, protagonizou Xica da Silva, ícone do cinema nacional. Zezé também é militante pela ampliação do espaço dos negros na comunicação e fundadora do Centro Brasileiro de Informações e Documentação do Artista Negro.

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