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Miguel Riella: "Na primeira edição, minha participação pessoal era mais de 50% da obra. Hoje fica em 25%" | Valterci Santos / Gazeta do Povo
Miguel Riella: "Na primeira edição, minha participação pessoal era mais de 50% da obra. Hoje fica em 25%"| Foto: Valterci Santos / Gazeta do Povo

Pesquisas

"As pessoas não têm noção de como cuidar dos rins"

Pesquisa da Fundação Pró-Renal em 2009 mostrou que 7 em cada 10 pessoas acreditam tomar alguma atitude para preservar a saúde renal. Entre os cuidados, 30% citam tomar água como uma medida de prevenção, o que não é exatamente verdade. Como o senhor avalia esses dados?

A concepção das pessoas de como elas devem cuidar melhor dos rins, pelas pesquisas que fizemos, mostram que as noções são errôneas. Elas acham, em primeiro lugar, que beber muita água protege os rins. Não existe nenhuma evidência científica de que beber mais água evite lesões. Nós humanos temos o centro da sede, que regula de uma maneira muito precisa a quantidade de líquido no organismo. Se não há sede, não há necessidade de se beber mais líquido. Existem duas situações clínicas em que beber mais líquido ajuda: quem tem pedras nos rins (os cálculos renais) e rins policísticos; ajuda a não formar cristais e inibe um hormônio que faz aumentar o volume de cistos nos rins, no caso da doença. No entanto, de uma maneira geral, não existe evidência de que beber mais líquido ajuda os rins. A gente orienta que as pessoas precisam estar bem hidratadas, mas o centro da sede é bastante sensível e diz se você tem de beber ou não. As pessoas desconhecem que as duas principais doenças que lesam os rins são a diabete e a pressão alta. Não sabem que a obesidade é um fator importante e que à medida que envelhecemos, a partir dos 35 anos, perdemos 1% da função do rim por ano. Realmente, as pessoas não têm noção de como cuidar dos rins.

E quais são os cuidados essenciais?

Primeiro é necessário saber se a pessoa se enquadra em algum fator de risco (pressão alta, diabete, obesidade, história familiar de doenças de rins e idosos). Caso contrário, a chance de ter alguma doença renal diminui significativamente. Porém, por mais que não sinta nada, é importante verificar a creatinina por meio de exame de sangue e realizar exame de urina. Os filtros dos rins são estruturas bastante delicadas e os problemas como pressão alta e diabete se transferem também para esses locais. Na diabete, o açúcar se deposita nas paredes dos vasos, que por serem estreitos, sofrem muito. Além dos exames, alimentação saudável com muitas frutas, verduras, peixes e carboidratos integrais e exercícios físicos ajudam na prevenção das doenças que colocam a pessoa em algum grupo de risco. Essas medidas evitam as cinco patologias que afetam os rins.

Catarinense de Blumenau, radicado em Curitiba desde 1963, quando ingressou no curso de Medicina da Universidade Federal do Paraná, o médico nefrologista e presidente da Fundação Pró-Renal, Miguel Riella, acaba de lançar a 5.ª edição do livro Princípios da Nefrologia e Distúrbios Hidroelo­trolíticos. Referência nas escolas de Medicina brasileiras por 30 anos e lançado pela primeira vez em 1980, a nova atualização traz imagens coloridas, relaciona sites de internet e aborda temas como doença renal crônica em idosos, câncer e doença de rim, doenças genéticas, entre outros assuntos, com a participação de cerca de cem especialistas brasileiros e estrangeiros. Riella conta que as atualizações do livro foram feitas sacrificando fins de semana, feriados e convívio com a família, mas que a tecnologia ajudou muito na nova edição. "Antes de existir computador, fazer um capítulo demorava dois meses, mesmo trabalhando quase que diariamente." O médico, que ingressou na universidade aos 17 anos, por incentivo da mãe, criou a Fundação Pró-Renal em 1984, foi pioneiro na introdução da diálise peritoneal domiciliar no país e é presidente da Fundação Mundial do Rim.

Como o livro tornou-se referência nas faculdades de Medicina?

Desde 1980 não existe outro livro. Não existia nada em português sobre o tema, somente em inglês, o que dificultava o ensino nas escolas de Medicina. Desde o início me preocupei com a participação de nefrologistas do Brasil, e isso foi mantido ao longo dos anos. Na primeira edição, minha participação pessoal era mais de 50% da obra. Hoje fica em 25%, porque fui convidando nefrologistas de diversas universidades brasileiras.

E o processo de atualização constante?

Foi penoso, consome tempo. Os nefrologistas se sentem honrados pelo convite, mas para sentar com uma folha em branco e escrever do zero, leva tempo. A atividade do médico é parcial acadêmica, o resto é na clínica privada para ele ganhar a vida, então fica difícil. Como o livro foi sucessivamente atualizado e aprimorado, não havia necessidade de se criar outro para competir. Essa foi talvez uma das razões da perpetuação nesses 30 anos. Existem outros pequenos livros de nefrologia que abordam temas específicos, mas este é o único abrangente.

Como veio a ideia na época?

Me formei na UFPR, fiz pós-graduação e residência nos Estados Unidos durante cinco anos. Voltei para dar aula na UFPR em 1976, depois na Evangélica e na PUC, e tive essa percepção de que não havia nada sobre o assunto no Brasil. Por outro lado, nos Estados Unidos existiam vários livros de nefrologia. Voltei com a determinação de escrever para preencher essa lacuna. Ele levou quatro anos para ser escrito. Naquela época, não existia computador. Eu datilografava o texto, relia, corrigia, dava para a secretária redatilografar e lia de novo. Escrever um capítulo levava aproximadamente, trabalhando quase que diariamente, uns dois meses. Era um esforço muito grande, foi extremamente difícil. Com o advento da computação, tudo ficou mais simples e facilitou o trabalho. É uma vitória da medicina paranaense conseguir se manter como o livro adotado na maior parte das escolas médicas por 30 anos.

Como funcionou essa logística durante os períodos de aprimoramento da obra?

Exigiu sacrifícios, principalmente da ordem familiar, já que a produtividade maior foi sempre aos sábados, domingos e feriados prolongados. A minha esposa (Marila), que sempre agradeci, levava meus dois filhos, então meninos, para o clube e voltava de noite para que eu ficasse livre para escrever. Foi uma colaboradora, ela entendeu a importância e me poupava, embora seja lamentável não passar mais tempo com os filhos, ainda mais quando pequenos. Mas foi uma escolha. É muito gostoso ver o livro pronto, uma satisfação.

O senhor criou a Fundação Pró- Renal em 1984, que assiste hoje cerca de 3 mil pacientes com o problema. Qual foi a motivação para fundá-la?

A criação da Fundação Pró-Renal foi oriunda da experiência prévia nos Estados Unidos. Lá existe muita contribuição da comunidade, principalmente dos mais abastados, para pesquisas e hospitais. No começo ela era direcionada para a pesquisa, mas logo percebi que as necessidades dos portadores da doença eram grandes e desenvolvemos o braço da assistência, com mais de 20 consultórios e equipe multidisciplinar. Todo o programa de orientação e cuidado ao paciente é um serviço que faz uma economia tremenda para o gestor de saúde, pois você evita hospitalização, antibiótico, cirurgias e ainda melhora a qualidade de vida. O segundo braço é a parte educacional, com campanhas na comunidade explicando que a doença crônica dos rins é silenciosa, e que você não deve esperar por sintomas. Quando aparecem, você já perdeu cerca de 70% das funções dos rins. Popularizamos principalmente no estado do Paraná o exame de creatinina, uma dosagem de sangue que mede a função dos rins, eficaz e barata. O terceiro braço é o apoio à pesquisa, que tornou a Fundação referência no Brasil e na América do Sul.

De onde vem o principal apoio financeiro para a Fundação? Hoje, é satisfatório?

É um desafio para qualquer instituição angariar recursos. Mesmo porque sempre fui da opinião de que o governo tem suas prioridades. As fundações se tornaram mais populares na década de 1980, pois grupos como o nosso perceberam que o governo não pode tudo e a comunidade tem de se organizar e contribuir para preencher algumas lacunas. Como não recebemos nenhuma subvenção pública, nos voltamos para a comunidade e a sensibilização para o nosso trabalho. Para isso, a questão mais crucial é a credibilidade. Sabemos que existem muitas entidades "pilantrópicas" que burlam a confiança da comunidade e prejudicam o trabalho das organizações sérias. Outra coisa que sabemos ocorre no mundo todo, mas sobretudo no Brasil, é que as pessoas que mais colaboram são das classes C e D. São pessoas que doam R$ 5 por mês durante um ano pela conta de telefone ou de luz. Isso permite que a fundação tenha noção de quanto vai angariar. Atualmente, 90% dos recursos vêm da comunidade.

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