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Nota do Conselho Regional de Psicologia do Paraná
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O Conselho Regional de Psicologia do Paraná, autarquia federal, com funções de orientar, fiscalizar e disciplinar o exercício profissional do Psicólogo e zelar pela fiel observância dos princípios da ética e disciplina da classe conforme Lei 5766/1971, vem trazer informações sobre conteúdo de reportagens realizadas pela Gazeta do Povo intituladas "Justiça suspende cassação de registro de psicóloga que se manifestou contra ideologia de gênero" e "Conselho cassa registro de psicóloga que se manifestou contra ideologia de gênero", ambas publicadas no dia 10 de dezembro de 2019.

As publicações trazem informações acerca de punição em processo disciplinar ético conduzido pelo Conselho Regional de Psicologia de Santa Catarina – 12ª Região e pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP). No conteúdo dos textos, no entanto, defende-se que existiria uma “ideologia de gênero” e são apresentadas ilações quanto às ligações entre o posicionamento político de um dos então membros do CFP e a decisão por punir a Psicóloga.

Diante disto, é necessário primeiro evidenciar que “Ideologia de Gênero” é um neologismo, uma categoria da linguagem construída para desmerecer o reconhecimento dado pela ciência de que o gênero não é mera expressão fisiológica, biológica ou genética. Como bem aponta a psicóloga Vanessa Jorge Leite, mestre e doutora em Saúde Coletiva e pós-doutora em Medicina Social, em artigo para a Revista Latinoamericana Sexualidade, Saúde e Sociedade (2019) a expressão “ideologia de gênero” corresponde a uma distorção de estudos sobre a sexualidade humana, utilizado comumente para “defender a manutenção de uma ordem hierárquica e desigual entre as pessoas em nome da defesa das crianças e dos jovens” (p. 130).

As mais avançadas conclusões científicas - ao contrário do que tentam afirmar as matérias ao citar uma pesquisa elaborada com financiamento de instituições religiosas – demonstram que o gênero é uma construção complexa, que envolve diversos fatores e que sua expressão provém da subjetividade humana. Ou seja, não é o corpo que determina o gênero e sim a forma como o ser sente, se relaciona e se expressa na sociedade que possibilita a identificação com o gênero. Da mesma forma, a mera diferença entre o gênero com o qual a pessoa se expressa e seu corpo não pode ser considerada doença ou transtorno mental. A Organização Mundial de Saúde (OMS) atualizou seu Código Internacional de Doenças (CID) para responder ao reconhecimento pela ciência dessa realidade, retirando o “transtorno de identidade de gênero” do campo das patologias. Portanto, não se pode curar o que não é doença.

Ao se fazer referências pejorativas ou preconceituosas a uma pessoa ou um grupo de pessoas em função da sua identidade, expressão de gênero ou de sua sexualidade, ou ainda induzindo a população a compreensões não validadas cientificamente sobre o tema, profissionais de Psicologia ferem o Código de Ética em vários princípios e artigos, especialmente nas premissas que orientam o trabalho psicológico para a o respeito à integridade do ser humano, a promoção de saúde e a eliminação da discriminação.

É preciso considerar ainda que o preconceito e a discriminação são fatores de adoecimento, sobretudo quando atingem populações vulneráveis socialmente, como é o caso das pessoas transexuais. É importante ressaltar que essa população sofre intensa dor psicológica e emocional, não em decorrência de seu gênero e suas expressões, mas sobretudo pelo preconceito e violência dos quais é vítima. Desta forma, profissionais de Psicologia devem atender essas pessoas respeitando o conhecimento científico; o Código de Ética e as Resoluções regulamentadoras da profissão, em especial as Resoluções CFP n° 001/2019 que “Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual” e CFP n° 001/2018 que “Estabelece normas de atuação para as psicólogas e os psicólogos em relação às pessoas transexuais e travestis”.

Vale ressaltar que Conselhos Profissionais são autarquias às quais foi delegado legalmente o dever de resguardar eticamente os preceitos da profissão. Desta forma, estão obrigadas a investigar e processar atuação que esteja em desacordo com o Código de Ética Profissional e com as Resoluções que orientam a profissão, buscando garantir a qualidade dos serviços prestados para a população. A legitimidade dessa atuação, além de garantida pela legislação federal, já foi reconhecida em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em relação aos processos éticos nos Conselhos de Psicologia, são procedimentos normatizados e orientados pelo Código de Processamento Disciplinar. As decisões são colegiadas e tomadas por profissionais eleitos diretamente pela categoria profissional. Durante todo o processo está resguardado o direito à ampla defesa. Portanto, ao se desacreditar a atuação dos Conselhos profissionais, permite-se se reforce o preconceito e a violência a que populações vulneráveis estão sujeitas. Ressaltamos que a Psicologia brasileira é regida por uma ética promotora dos Direitos Humanos e reafirmamos o compromisso da profissão com a promoção do bem comum e com as tecnologias críticas de atenção ao sofrimento humano. Psicólogas e psicólogos devem superar a aplicação e difusão de visões e práticas discriminatórias e excludentes, agindo no sentido da consolidação de direitos e de uma possibilidade de existência mais digna e humana.

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