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“É óbvio que um país com desigualdades ainda depende muito do Estado. Mas este Estado grande que temos muitas vezes quer tutelar o cidadão de maneira talvez indevida.” | Fellipe Sampaio/ Divulgação STF
“É óbvio que um país com desigualdades ainda depende muito do Estado. Mas este Estado grande que temos muitas vezes quer tutelar o cidadão de maneira talvez indevida.”| Foto: Fellipe Sampaio/ Divulgação STF

Pouco mais de dois anos após a posse no Supremo Tribunal Federal, o ministro José Antonio Dias Toffoli, que era advogado-geral da União, diz que se tornou um liberal e que o Estado deveria interferir menos na vida das pessoas. Para ele, a Justiça Eleitoral não deveria publicar na internet processos aos quais os candidatos respondem, pois o cidadão brasileiro é politizado o suficiente e não precisa de tutela. Toffoli pediu vista da ação sobre a Lei da Ficha Limpa e levará o caso ao plenário neste ano. Está decidindo se participará do julgamento do mensalão, também previsto para 2012. Pode se declarar impedido, pois, na época do escândalo, era subordinado ao então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, réu no processo. Confira a entrevista:

Dependendo da decisão do STF, a Lei da Ficha Limpa pode ser aplicada nas eleições de 2010. Quando o tribunal vai julgar a ação?

Estou com a vista do processo e devo levar (ao plenário) neste ano. Já desenvolvi bastante do voto, mas sempre tem alguma coisa para refletir. A questão do trânsito em julgado ou não é algo a ser muito refletido. Até que ponto afronta ou não a presunção de inocência? Os argumentos tanto contra quanto a favor são bastante respeitáveis.

E o artigo que torna inelegível quem renunciou a mandato antes da lei? Ainda é ponto polêmico entre ministros?

Sobre esse ponto específico, quando votei no ano passado, entendi que era constitucional. Depois teve o voto do ministro (Cezar) Peluso, do ministro Gil­­mar (Mendes), no sentido de que só as renúncias ocorridas após a eficácia da lei é que poderiam ser (consideradas para a inelegibilidade). Estou refletindo sobre esses argumentos.

A Ficha Limpa mudou a forma de votar?

Sempre repercute, chama a atenção. Era o que tinha que ser feito: ter o eleitor bem informado para decidir. O brasileiro é mais politizado do que a gente imagina. Às vezes, as pessoas acham que o cidadão tem de ser tutelado. Nesse aspecto, sou um liberal. Independentemente de classe econômica e nível educacional, o cidadão brasileiro é muito cônscio de seus direitos.

O senhor acha que, independentemente da Lei da Ficha Limpa, o TSE deveria publicar na internet a vida pregressa dos candidatos?

Acho isso preocupante, porque não cabe ao Estado interferir ativamente nesse processo. O Estado é gerido por pessoas que também fazem política. Aos adversários é que incumbe ir atrás disso.

O senhor esperou pela posse da ministra Rosa Weber para retomar o julgamento?

Acho melhor [ela participar do julgamento]. Não pedi vista por isso, mas acho melhor. Porque o tribunal, completo, julgaria isso de uma maneira definitiva.

O STF deve julgar o processo do mensalão em 2012. O senhor vai votar?

Não sei ainda, não decidi sobre isso.

Pode se declarar impedido?

Ainda não sei. É como o caso do [ex-ativista] Cesare Battisti, só decidi na hora.

Já está estudando o caso?

Ainda não. Tem tanto caso aqui, meu Deus do céu. Aqui, cada dia sua agonia, como dizia Luiz Eduardo Magalhães.

O senhor preside uma comissão no Senado para reformar a lei eleitoral. O que a comissão vai propor?

Com certeza, vai mudar o sistema de processos eleitorais. Hoje, o mesmo fato pode gerar até quatro ações que podem levar à perda do mandato: ação de investigação judicial eleitoral, representação, recurso contra expedição de diploma e ação de impugnação de mandato eletivo. Não tem sentido. Tem que ser um processo só.

E o financiamento?

Entendo que o financiamento privado é possível, desde que seja feito por pessoa física. As pessoas jurídicas não seriam legítimos partícipes da democracia. Quem participa da democracia é o cidadão, pelo voto. A democracia deve ser financiada por quem faz a democracia. Quem elege é o povo.

Nas eleições passadas, era possível doar pela internet no Brasil, mas a quantia arrecadada foi ínfima. Por que a modalidade não pegou por aqui?

Envolver o cidadão no financiamento da campanha politiza, porque ele vai cobrar mais. No Brasil, é cômodo para uma candidatura pegar 3 mil empresas e passar o chapéu. Arrecada-se num universo de pouquíssimas pessoas jurídicas. As campanhas vão atrás das grandes empresas, que, geralmente, dão o mesmo valor para A, B, C ou D. O compromisso não é político, ideológico. Elas pensam: "Não sei quem vai ganhar, não quero ninguém com raiva de mim. Meu concorrente doou, vou doar". Se não tiver financiamento por pessoas jurídicas, o partido vai ter que ir atrás do povo não só para pedir voto, mas também recursos. Vai envolver mais o cidadão. Se começar a ter maior participação popular no financiamento, vai ter cobrança maior. O cidadão vai falar: "Além de ter votado nesse candidato, dei R$ 500 para ele. Olha aí, ele está indo mal, vou reclamar".

Sem financiamento das empresas, diminui o caixa dois?

O ilícito sempre pode ocorrer, com financiamento público ou privado. Como se combate isso? Os partidos têm que se fiscalizar, como já ocorre. O TSE foi aperfeiçoando a estrutura para acompanhar gastos. Isso fez diminuir o caixa dois. Dificilmente você acha um doador que quer "doar por fora". As empresas que doaram para campanhas presidenciais querem zelar pelo seu nome, não querem confusão. Avançou-se muito. Hoje, o caixa dois talvez exista em prefeituras, onde órgãos de fiscalização são menos fortes.

Nesses dois anos de STF, o que mudou na sua visão?

O que mais mudou para mim, e talvez isso surpreenda, é que cada dia que passo aqui penso que o Estado tem que interferir menos na vida do cidadão. O Estado no Brasil é muito grande e pesado. E olha que fui advogado do Estado. É óbvio que um país com desigualdades ainda depende muito do Estado. Mas este Estado grande que temos muitas vezes quer tutelar o cidadão de maneira talvez indevida. Com o tempo, cada vez me convenço mais disso e vou me tornando um liberal. O Estado tinha que educar mais do que tutelar.

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