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Muro pichado na Rua Manoel Martins de Abreu demarca território na Vila das Torres. Depois de armistício de 2011, guerra do tráfico acua moradores mais uma vez | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
Muro pichado na Rua Manoel Martins de Abreu demarca território na Vila das Torres. Depois de armistício de 2011, guerra do tráfico acua moradores mais uma vez| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Razão prática

Especialistas levantam explicações para a persistência da criminalidade na Vila das Torres.

Pobreza histórica

"Para os traficantes, é mais fácil envolver uma comunidade humilde. Só sairão dali quando não tiverem mais lucro. Para acabar com isso, é preciso aumentar a presença do Estado. Não só em policiamento, mas também em projetos sociais e educativos. E mesmo assim, o resultado demorará muito tempo. A criminalidade já está presente. Convencer os traficantes a deixar a região, somente a longo prazo."

Lindomar Bonetti, sociólogo, PUCPR.

Eterna favela

"Trata-se de um lugar que começou como favela e se consolidou como favela. O poder público não conseguiu chegar até ali. Tem muita gente para um espaço muito pequeno, ambiente assim favorece a violência. É uma região integrada ao Centro, mas com uma renda de periferia. Em qualquer lugar do país, as áreas mais pobres são suscetíveis à ações de criminosos. É o que acontece na Vila das Torres. A segregação social se repete nesse local."

Gislene de Fátima Pereira, urbanista da UFPR

Acuada?

"A Vila das Torres não está acuada. Existem ali associações de moradores, grupos religiosos, indivíduos bastante ativos em procurar os canais de comunicação com o poder público e com a sociedade em geral. A questão são as barreiras burocráticas, políticas e sociais que os moradores encontram para suas demandas. É importante que a vida na Vila das Torres não seja resumida à violência e ao tráfico. Nem mesmo à pobreza, ou ao lugar onde o Rio Belém revela seu estado crítico."

Fábia Berlatto, socióloga.

Enquanto isso, num lugar não muito distante...

A estranha forma de convivência entre comunidade, policiais e traficantes não é uma exclusividade da Vila das Torres. É a cara do Brasil. "O perfil do território, das casas, das ruas, da quantidade e qualidade dos serviços públicos e equipamentos urbanos que existem ou não existem ali representa a distribuição de direitos, de poder, de oportunidades que ocorre no país", observa a socióloga Fábia Berlatto, pesquisadora do ramo.

Trata-se de um mundo intranquilo. Semana passada, por exemplo, foi necessária a intervenção militar na Vila Kennedy, no Rio de Janeiro, segunda Cohab erguida no Brasil, na década de 1960, fundada logo depois da violenta Cidade de Deus. A Kennedy vai receber uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) e se alista entre as vilas bucólicas que se tornaram violentas. Em paralelo ao novo estágio da Vila Kennedy, vem a notícia de que o Complexo do Alemão experimenta o eterno retorno. O Exército deve reocupar a área. A pacificação é um prato que se come frio.

Alemão, Vila Kennedy, Torres... Tudo leva a crer que o comércio de drogas é monopólio dos bairros pobres, o que não é verdade. "A questão é que nestes espaços ocorre a territorialização. Os traficantes controlam militarmente os seus territórios. Fora da favela, as estratégias e possibilidades de venda de drogas ilícitas permitem dispensar a violência", explica. Em tempo – na favela, sabe-se, a participação da polícia entra como um poderoso aliado do crime, o que torna tudo ainda pior do que já é.

  • Ponte improvisada sobre o Rio Belém: vila dividida em duas

Moradores com medo de sair de casa. Idas ao posto de saúde deixadas para depois. Tiros. Notícias sobre mortes "na rua de cima". "Não era para ser assim", lamentam os moradores da mais antiga comunidade pobre de Curitiba, a Vila das Torres, encravada entre os bairros Jardim Botânico, Prado Velho, Rebouças e Guabirotuba.

Não era mesmo. A "vila" fica a apenas três quilômetros do Centro, próxima das benesses urbanísticas de Curitiba. Ostenta vida comunitária forte – antídoto para a criminalidade. São cerca de 20 lideranças. É estimada por homens ilustres. Conta com creche, escola e tudo mais. Tem como vizinhas e parceiras a PUCPR, o Colégio Medianeira, a Federação das Indústrias do Paraná (Fiep).

Mesmo assim, contra as evidências, o mundo do crime se mostra implacável contra essa "Portelinha" simpática, a preferida de pesquisadores, estudantes, ONGs, religiosos, idealistas... De acordo com a Polícia Militar, de janeiro a meados de março foram oito assassinatos, algo como um homicídio por semana. Na última quarta-feira, um carteiro foi atingido por uma bala perdida e acabou hospitalizado. Os relatos de horror se multiplicam e beiram a ficção. As dúvidas também – quer-se saber por que a violência resiste mesmo quando se fez a coisa certa.

A origem

No Prado Velho dos anos 1950 – onde os elegantes apreciavam corridas de cavalos – formou-se a ocupação mais famosa de Curitiba, a favela do Capanema. Tinha 3 mil moradores, 700 famílias e metia pavor. O poder público "desfavelizou" a região em medos da década de 1970 – reurbanizando a área onde agora está o Jardim Botânico. Uma fileira de barracos, porém, se manteve em pé. Tinha nome – "Vila do Pinto", em alusão ao líder que controlava a venda de terrenos naquelas ribeiras.

Em 1996, os moradores promoveram um referendo popular e rebatizaram o reduto de 199 mil metros quadrados: "Vila das Torres". Tinha, afinal, se tornado uma comunidade, com 8,5 mil habitantes, um modelo positivo que fascina urbanistas dos quatro costados. Tempos depois, surgiria ali uma biblioteca com 6 mil livros, parte deles retirados do lixo; uma praça erguida pelos cidadãos; um museu comunitário; grupo de Agenda 21 e o mais importante Clube de Mães de toda a Região Metropolitana de Curitiba.

Medo de quê?

Em períodos de paz, teve cinema, restaurante para carrinheiros e seis times de futebol. As agremiações são um termômetro: quando a Torres vai mal, as equipes de pelada se dissolvem e deixam de ocupar o campinho, nos fundos da PUC. No momento, sem futebol.

Com a nova crise da Vila Torres, é como se uma borracha tivesse sido passada no movimento social. Um desmentido. "Sinto muito. Temos medo", dizem homens e mulheres que se apresentam como reféns e pedem para não dar entrevista. "Não posso ir nem na casa dos meus netos", afirma um. "Temos que dar uma volta enorme, passar por dentro da PUC e rezar para dar tudo certo na travessia", relata outro. "Acabou a liberdade", completa mais um anônimo.

"Ponha aí que a Vila Torres está dividida entre a Turma de Baixo [atrás da PUC] e a Turma de Cima [avizinhada da Avenida das Torres]". A pichação num muro confirma a grita geral.

A rua principal da comunidade – a Manoel Martins de Abreu – virou uma fronteira. Chamam-na de "Linha Vermelha". Leva do melhor ao pior dos mundos. Nela circulam os "soldadinhos", adolescentes, não raro armados, olheiros a serviço dos traficantes. Julgam ser heróis, mas são meros entregadores de crack e maconha. Mal sabem do referendo de 1985. Da praça. Da biblioteca. Se isso não é guerra, guerra o que é?

O bandido e o policial: "Quem é quem?"

A cada nova crise na Vila das Torres, ganha força a versão de que policiais e traficantes da região andam de braços dados. Formariam sociedade. Esse é o ponto. De vez em quando, os sócios se estranham, por causa da partilha do que cabe a cada um no comércio de drogas. Quem paga essa contabilidade mal feita é o seu João e a dona Maria. "Tem o dedo da polícia no meio", dizem esse e aquele, já apertando o passo ao ver a reportagem.

A frase funciona como segredo. Ou um pedido de socorro. "Todo mundo sabe que tem policial envolvido com o tráfico. Eles não têm interesse em acabar com isso porque enriquem aqui", protesta um morador. Impressionam os relatos de arbitrariedade dos fardados contra quem vive na região. A cúpula da PM diz desconhecer tais comportamentos. Esse é, com folga, o assunto mais delicado para todo e qualquer morador da vila. "Não temos confiança em chamar a polícia porque não sabemos se serão PMs honestos ou bandidos fardados que virão nos atender", resume um.

Em 2010, cinco policiais foram presos pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Paraná, durante uma operação de combate ao tráfico de drogas na Vila Torres. Entre eles, um investigador da Polícia Civil. O coordenador do Gaeco, Leonir Batisti, ressalta que não pode antecipar se há investigações sobre isso. "Mas é um assunto que surge com frequência", admite.

O capitão da PM Cleverson Biagini, responsável por coordenar a segurança da Vila Torres, afirma a versão clássica: a briga entre as facções criminosas é a causadora daviolência histórica na região. "Estamos intensificando a segurança na localidade, com aumento de patrulhamento e também organizando operações especiais."

Salienta que, sozinha, a PM é incapaz de diminuir a criminalidade. "É preciso ação de todo o poder público, com projetos sociais e educacionais". Afirma desconhecer que qualquer policial esteja envolvido com o tráfico de drogas na localidade.

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