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O que faz com que uma pessoa julgue determinado comportamento moralmente inaceitável enquanto outra considera tal atitude normal? Para especialistas em neurociência, o senso de certo e errado é norteado por funções fisiológicas, mas também modelado desde a infância a partir de exemplos e punições. Considerando esses fatores, os cientistas tentam entender como funciona o cérebro dos chamados sociopatas.Acredita-se que 4% da população mundial apresenta esse tipo de desvio de conduta, não sentindo culpa ou remorso por praticar atitudes ilícitas, mas pelo contrário, até sentindo-se gratificado por isso. É o caso do comportamento corrupto. Trapacear, roubar, subornar e tirar proveito de uma situação, mesmo que isso prejudique outras pessoas, são atitudes reprováveis pela maioria dos seres humanos. No entanto, há quem as considere perfeitamente aceitáveis. Para os neurocientistas, as diferenças entre os julgamentos morais podem ser consequência de alterações ou lesões cerebrais, mas na maioria das vezes são estabelecidas com base nas experiências vividas na primeira infância. Segundo o neurologista André Palmini, da faculdade de Medicina da Pontifícia Univer­­sidade Católica do Rio Grande do Sul, os comportamentos antissociais são resultado de três fatores: vulnerabilidade do cérebro, oportunidade e impunidade.

Ao nascer, um ser humano tem cerca de cem bilhões de neurônios. A todo instante, experiências e vivências contribuem para que esse número vá sendo multiplicado rapidamente. Nos primeiros anos de vida, a velocidade do surgimento de novas conexões chega a 5 mil células nervosas por segundo. Até os 6 anos, algumas partes específicas do cérebro relacionadas às emoções, aos sentimentos e ao controle dos impulsos vão sendo desenvolvidas. No entanto, a forma como essas novas conexões se estabelecem depende do ambiente em que a criança está inserida e dos estímulos que recebe. Com 1 ano e meio de vida, uma criança já possui sentimentos morais como empatia, igualdade e justiça. Até os 2 anos, 80% do cérebro já está formado. Os valores, ideias e sentimentos que se fixam na infância são os que ficarão para a vida toda.

Segundo o neurologista Jaderson Costa, coordenador do Instituto do Cérebro da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, as transgressões sem punição afetam o senso de justiça. Uma criança que se desenvolve em um ambiente contaminado por ações ilícitas e tenha comportamentos incorretos como exemplo, crescerá considerando tais atitudes normais. "Ela pode nascer com alguma propensão a comportamentos inadequados, mas o ambiente em que está inserida será fundamental para sua formação", afirma. Estudos sugerem que crianças que aos 3 anos não respondem a punições verbais aos 8 já apresentam comportamentos agressivos, e quando jovens têm mais risco de cometer crimes ou se envolver com atividades ilegais. Isso porque um cérebro que se desenvolve nessas condições tem maior propensão a gerar uma personalidade sociopata. A crença na impunidade é a grande impulsora do comportamento corrupto.

Para o neurologista, questões culturais também influenciam os julgamentos morais. Enquanto que para o brasileiro o chamado "jeitinho" pode ser usado para garantir algum benefício próprio, um austríaco, por exemplo, pode considerar inadmissível furar uma fila por conhecer alguém.

Corrupção tem cura

Tirando os casos em que a explicação para o comportamento desviante tenha causas genéticas ou seja decorrente de traumas cerebrais, o restante dos sociopatas pode sim voltar a ter comportamentos sociáveis. "É preciso mudar a percepção", afirma Costa.

Mais importante que tentar recuperar indivíduos com esses comportamentos, no entanto, é prevenir. A neurociência ainda não desenvolveu métodos eficientes para medir a vulnerabilidade do cérebro, mas já é possível observar alterações em exames de imagem. "Esperamos que com o aprofundamento desse conhecimento no futuro a gente consiga identificar de forma mais precisa esses sinais e quem sabe até desenvolver algum tipo de medicação", afirma Palmini.

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