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Alguns moradores da Cidade de Deus ainda enxergam os policiais como inimigos: conquistar a comunidade requer paciência e diplomacia | Severino Silva/Ag. O Dia
Alguns moradores da Cidade de Deus ainda enxergam os policiais como inimigos: conquistar a comunidade requer paciência e diplomacia| Foto: Severino Silva/Ag. O Dia

Comunidade

Vida na favela mudou para melhor

Mesmo com a resistência da comunidade, está claro que a presença da polícia mudou as vidas para melhor na Cidade de Deus. Funcionários públicos prestando serviços hoje podem entrar mais livremente. A frequência nas escolas aumentou, com um ensino médio apresentando um crescimento de 90% nos índices de presença desde a chegada da polícia à comunidade. Caminhões de terra fazem a dragagem do rio sujo e estreito, e caminhões de lixo fazem a coleta três vezes por semana.

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Leonardo Bento, 22 anos, ansiava por vingança depois que um policial matou seu irmão, cinco anos atrás. Assim, quando ouviu que a nova "polícia da paz" na favela Cidade de Deus estava oferecendo aulas gratuitas de caratê, Bento se matriculou, esperando ao menos conseguir espancar o instrutor de luta. Mas o inesperado aconteceu. Eduardo da Silva, o instrutor da polícia, o recebeu com bom humor e um aperto de mão. "Comecei a perceber que o policial na minha frente era apenas um ser humano, e não o monstro que eu pintava em minha cabeça", disse Bento. Anos de ódio e desconfiança estão sendo apagados em algumas das favelas mais violentas do Rio. Obrigadas a reduzir as preocupações com a segurança antes de dois eventos internacionais na cidade – a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 –, as autoridades do Rio embarcaram num ambicioso plano para retirar o controle das favelas dos implacáveis grupos de traficantes, que há anos as comandam com armas poderosas e um terror abjeto.

Os policiais pacificadores são essenciais para esse esforço. Eles entram em ação depois que a Polícia Militar limpa as ruas em batalhas armadas que chegam a durar semanas. Seu trabalho se divide em policiamento tradicional e trabalho social. Eles se dedicam a conquistar moradores acostumados a décadas de violência – inclusive pelas mãos da polícia. E as dicas dadas por aqueles que apoiam seus esforços, segundo as autoridades, ajudam-nos a manter uma relativa paz.

Durante décadas, a Cidade de Deus – cujo passado brutal foi imortalizado no filme do cineasta Fernando Meirelles, em 2002 – foi uma das regiões mais temidas da cidade, tão perigosa que até mesmo a polícia raramente se atrevia a entrar. Aqueles dias parecem nunca ter existido. O tráfico de drogas permanece, e em pelo menos uma área, pessoas de fora podem entrar somente com a permissão de jovens locais que patrulham as ruas.

Mesmo assim, esses homens com armas assustadoras foram embora, ou ao menos empurrados para esconderijos. E a vida está retornando às ruas. Hoje as crianças brincam ao ar livre sem medo de balas perdidas. Elas pulam corda e jogam tênis de mesa com raquetes feitas de tacos de piso. Partidas de futebol, antigamente violentas, se tornaram mais civilizadas, com policiais ocasionalmente participando dos jogos.

Mas quase dois anos após a chegada das novas unidades policiais (a UPP foi implantada em fevereiro de 2009), muitos moradores desta comunidade de 120 mil pessoas ainda lutam para aceitar que os 315 policiais trabalhando em turnos de 12 horas não representam mais o inimigo. Outros dão as boas-vindas com hesitação, temendo que a força policial – chamada de Unidade de Polícia Pacificadora – deixe o local assim que as olimpíadas terminarem. "Ninguém gosta de nós por aqui", afirmou o oficial Luis Pizarro, durante uma patrulha noturna. "Isso algumas vezes pode ser frustrante".

Pizarro e dois colegas patrulhavam ao longo de um estreito riacho repleto de lixo exalando um forte cheiro de dejetos humanos e animais. Famílias se reuniam ao redor de fogueiras improvisadas. Mulheres sambavam enquanto os homens bebiam cachaça. Quase ninguém acenava ou cumprimentava os policiais, que caminhavam por uma viela coberta pelo papel colorido usado para empacotar crack e cocaína. "Lá vai o esquadrão de elite", disse um homem numa soleira, rindo enquanto os três passavam.

A hostilidade não é difícil de entender. Durante décadas, autoridades do governo se recusaram a assumir responsabilidade pelas favelas, e à medida que os traficantes acumulavam estoques de armamentos, a polícia via mais dificuldades em entrar sem tiroteios. Os moradores se ressentiam da polícia por abandoná-los, e a odiavam pela brutalidade que marcava suas sangrentas incursões.

Sem uma presença policial diária, os serviços sociais sofriam, e médicos e outros profissionais começaram a evitar as favelas por razões de segurança. Os líderes do tráfico se tornaram juiz e júri. "Os moradores não tinham a coragem para retomar as favelas", segundo Jose Mariano Beltrame, que assumiu como secretário de segurança pública do Rio em 2007. "As pessoas preferiam varrer o pó para debaixo do tapete e evitavam enfrentar o problema".

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