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Se Congresso não votar a LDO até fim do ano, será primeira vez na história que norma que guia a definição do Orçamento do ano seguinte não será aprovada até dezembro.
Se Congresso não votar a LDO até fim do ano, será primeira vez na história que norma que guia a definição do Orçamento do ano seguinte não será aprovada até dezembro.| Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Em um ano bastante atípico devido à pandemia do coronavírus, a atividade parlamentar das duas casas legislativas caminhou a passos lentos. Com diversos projetos de lei parados aguardando entrada em plenário e comissões estacionadas desde março, a pauta conservadora também foi bastante impactada e, de acordo com parlamentares da Câmara dos Deputados e do Senado consultados pela reportagem, ficou praticamente imóvel.

“Para o ano que vem temos um grande desafio. Espero que as atividades sejam retomadas e que os parlamentares possam voltar às atividades normais das comissões e do plenário. Sem a participação no dia a dia - acompanhando o andamentos dos projetos de lei, apresentando requerimentos e se mobilizando -, fica muito complicado”, afirma o deputado federal Diego Garcia (Pode-PR), presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família. O parlamentar declarou que considera 2020 um “ano perdido” para a pautas conservadora na Câmara dos Deputados.

Para a deputada Bia Kicis (PSL-DF), que é primeira vice-líder da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e integra diversas frentes parlamentares, como a de Segurança Pública, da Reforma Administrativa e da Defesa da Prisão em Segunda Instância, 2020 foi um ano sem avanços nem retrocessos. “A grande maioria dos projetos de lei depende de debate nas comissões, audiências. Ficou tudo parado por não estarmos nos reunindo nas comissões”, observa.

No Senado, o cenário não muda. A senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) diz que não ouve avanços em relação à pauta conservadora porque o foco, neste ano, foi em minimizar as consequências da pandemia. “Nos parlamentos mundo afora não foi diferente. Tivemos que nos adaptar para votar e dar andamento a projetos que exigiam maior urgência”, declara.

Parlamentares apontam “ação defensiva” no Congresso

Se o ano não houve avanços na aprovação de projetos de lei, os congressistas consultados pela reportagem destacaram o efeito defensivo dos parlamentares conservadores durante o ano.

A deputada Bia Kicis afirma que os deputados se mobilizaram para barrar projetos que vão na contramão do cuidado que buscam para a população, as famílias e os jovens. Como exemplo, cita a mobilização para impedir o avanço do Projeto de Lei (PL) 399/15, que prevê a liberação do plantio de maconha para fins medicinais.

“O PL inicialmente propunha a liberação de medicamento à base de canabidiol para crianças que têm convulsões e não conseguem resolver com medicações comuns. Mas, depois, ele foi alterado e passou a prever a liberação do plantio de maconha. O que querem é a liberação da maconha e de outras drogas”, declara.

“Para a questão medicinal, já estamos resolvendo isso com a liberação, por parte do SUS, de medicamentos à base de canabidiol. Não precisa de PL, é uma ação do Ministério de Saúde junto à Anvisa. E os deputados conservadores estão dando apoio, reunindo-se com os secretários do Ministério da Saúde, com o ministro e com o presidente da Anvisa”.

O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) também destaca a mobilização contra pautas consideradas danosas. Como exemplo, ele também cita o PL 399/2015. “Conseguimos agregar movimentos, entidades, organizações da sociedade e parlamentares para evitar a aprovação desse projeto em meio à pandemia".

"Do mesmo modo estamos trabalhando para evitar a aprovação do PL 4495, que visa legalizar a jogatina e cassinos no Brasil", salienta Girão.

O parlamentar comemora a retirada de pauta da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5668, que deliberava sobre a ideologia de gênero nas escolas e iria a julgamento no STF em novembro. “Conseguimos que um grupo de parlamentares fosse até o STF para convencer o ministro Fux a não pautar essa deliberação, que já foi rechaçada pelo Congresso Nacional em 2014, no Plano Nacional de Educação”.

Homeschooling é um dos poucos motivos a serem comemorados

Como um dos raros motivos para se comemorar apontado por congressistas conservadores neste ano está o aumento da popularidade da educação domiciliar (Homeschooling), que deixa uma eventual aprovação mais próxima de acontecer em 2021. A modalidade, que conta com diferentes proposições tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado, ganhou a atenção de parlamentares durante a pandemia, pelas grandes dificuldades que numerosos famílias passaram relacionadas à educação de seus filhos em decorrência do fechamento das escolas.

“Os pais, diante das dificuldades que tiveram, seja em escolas públicas ou privadas, encontraram refúgio na educação domiciliar e nos conteúdos e materiais disponibilizados por associações de Homeschooling. Tivemos aprovações de lei em alguns municípios e no Distrito Federal. Isso mostra que várias barreiras e mitos caíram por terra”, avalia o deputado Diego Garcia.

Atualmente existem sete projetos de lei na Câmara dos Deputados e dois no Senado que tratam da regulamentação da educação domiciliar. De acordo com os parlamentares ouvidos pela reportagem, a proposição com mais chances de aprovação é PL 2.401/19, de autoria do Poder Executivo. “Este é um projeto em que a discussão está bem avançada e achamos que está maduro para ser pautado e votado. Esperamos que, em breve, consigamos avançar muito nesse projeto”, avalia Bia Kicis.

Projetos conservadores prioritárias em 2021

Entre os diversos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que encontram eco em grande parte dos eleitores conservadores, há alguns que os parlamentares enxergam como prioritários. A aprovação dessas proposições - que envolvem temas como defesa da vida e da família, medidas anticorrupção, combate à ideologia de gênero, redução de privilégios, controle fiscal, liberdades individuais e fortalecimento da segurança pública - é vista como fundamental para os próximos dois anos.

Aborto e ideologia de gênero

Dentro do combate à ideologia de gênero, em novembro, o deputado federal Cabo Junio Amaral (PSL-MG) apresentou o PL 5198/20, que impede o uso de linguagem neutra em escolas, universidades e concursos públicos.

Há também o PL 3492/19, de autorias dos deputados Carla Zambelli (PSL-SP), Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e Bia Kicis, que agrava pena para homicídio com imposição de ideologia de gênero. A intenção dos parlamentares é que a proposta – que aguarda entrada na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) – seja chamada “Lei Rhuan Maycon”, em referência ao menino assassinado pela mãe e sua companheira no Distrito Federal.

Quanto a medidas mais restritivas para aborto, a deputada Chris Tonietto – presidente da Frente Parlamentar Mista contra o Aborto e em Defesa da Vida  – afirma que não houve qualquer avanço nesse tema, a não ser alguns poucos despachos para direcionamento às comissões temáticas competentes (em sua maioria não instaladas) e/ou ao plenário. “Projetos de lei relacionados à defesa da vida e da família, contra o assassinato intrauterino e contra a ideologia de gênero, principalmente, são os que enfrentam maior resistência dentro da casa”, avalia.

Um dos principais projetos de lei que trata da defesa da vida embrionária – o PL 478/2007, que institui o Estatuto do Nascituro – ficou estacionado em 2020. A proposta, que explicita e garante direitos para os embriões, já passou por duas comissões de mérito e, desde 2017, aguarda análise por parte da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher. “Esse é um projeto que já teve uma discussão ampla, vem sendo debatido desde 2007 pelo Congresso. Quando a Comissão da Mulher foi criada, houve um requerimento para que também fosse analisado nessa comissão. Isso não tem lógica porque já havia passado por duas comissões de mérito. É uma estratégia para retardar o andamento da matéria e não permitir seu avanço”, afirma Diego Garcia, que foi relator do PL até 2018.

Na Câmara, alguns dos projetos relacionados à defesa da vida que estão em tramitação, mas não deram passos significativos em 2020, ou que foram propostos neste ano e estão em estágio “embrionário” são o PL 2893/19, que revoga o art. 128 Código Penal (que prevê sobre as causas em que o aborto, embora continue sendo crime, não é punido); o PL 4150/19, que confere nova redação ao artigo 2º do Código Civil, esclarece que a personalidade civil do nascituro começa desde sua concepção e ratifica a incondicional defesa da vida decorrente do comando constitucional; o PL 581/20, que busca tornar imprescritíveis os crimes dolosos contra a vida; e o PL 1979/20 que propõe incluir o nascituro no âmbito da proteção integral de que trata o Estatuto da Criança e do Adolescente.

No Senado Federal, o PL 556/19 que eleva a pena do crime de aborto provocado por terceiro, com o consentimento da gestante, e o PL 848/19, que torna obrigatória a divulgação de informações educativas e preventivas para reduzir a incidência de gravidez na adolescência, são vistos como prioridades na temática da defesa da vida. Em dezembro, o senador Eduardo Girão também apresentou o PL 5435/20, que institui o Estatuto da Gestante e da Criança por Nascer. O projeto define proteção integral à gestante, além de punir penalmente o pai da criança, caso atente contra a integridade e à saúde da mulher.

Medidas anticorrupção e segurança pública

Quanto às medidas anticorrupção, não houve praticamente nenhum avanço nas duas casas legislativa. De acordo com a senadora Soraya Thronicke, essas pautas estão perdendo forças e sendo deixadas de lado no Congresso Nacional. “Infelizmente, a própria população, que foi às ruas lutar contra a corrupção lá em 2013, parece que esqueceu os motivos que levaram milhares de pessoas a se revoltar com a política nacional. Se não nos lembrarmos do que nos trouxe até aqui, nada terá valido a pena”, declara.

Quanto à prisão em segunda instância (tema bastante caro aos conservadores), o PLS 166/18, que altera o Código de Processo Penal para disciplinar a prisão após a condenação em segunda instância, está pronto para ir a plenário no Senado, e depende apenas do presidente da casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), colocá-lo em pauta.

Já na Câmara dos Deputados, as esperanças dos parlamentares conservadores para o avanço da prisão em segunda instância estão depositadas na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 199/19, que altera os arts. 102 e 105 da Constituição Federal. Da mesma forma, a proposta aguarda ida a plenário. “A população brasileira cobra muito essa PEC. Sabemos que temos grande apoio tanto popular quanto dentro do parlamento, mas isso não avança por vontade política da direção da casa. Agora isso vai depender do novo presidente da Câmara”, declara Bia Kicis.

A respeito da diminuição de privilégios, a PEC 333/17, de autoria do senador Álvaro Dias (Pode-PR), que trata do fim do Foro Privilegiado, foi aprovada pelo Senado em 2017 e ainda aguarda votação na Câmara dos Deputados. “A PEC passou pela CCJ por unanimidade. Aprovamos em dezembro de 2018 na comissão especial da Câmara. Agora estamos indo para dois anos com essa PEC parada. Não tem desculpa. Não temos sequer sessões da Câmara durante a pandemia para discutir as pautas”, aponta Garcia.

A flexibilização do porte de armas, tema defendido por numerosos parlamentares durante a campanha eleitoral de 2018, também não caminhou neste ano. Na Câmara, o PL 6438/19, que trata da posse e do porte de armas para profissionais de segurança pública, aguarda entrada em plenário. A matéria é resultado de uma divisão dos termos relacionados à flexibilização da posse e do porte de armas e faz parte de um acordo entre os congressistas que permitiu a votação do PL 3723/19 – proposição que regulamenta o porte de armas para caçadores, atiradores e colecionadores. Apesar de haver um compromisso por parte do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, em pautar essa proposição com urgência, o PL ficou estacionado durante todo o ano.

No Senado, embora tenha havido avanços em 2019 (como a aprovação do PL 3715/19,  que autoriza a posse de armas em toda a extensão das propriedades rurais), em 2020 o tema ficou parado na casa. “Sobre a flexibilização do porte e da posse de armas para o resto da população, realmente estamos em dívida. Após a revogação do decreto de armas, a bancada do PSL no Senado à época apresentou o PL 3713/19, que também flexibiliza a posse e porte de armas no país inteiro. Eu espero que em 2021 possamos dar a resposta que a população de bem espera e merece a respeito do direito de ter armas para se proteger”, diz Soraya Thronicke.

Reformas

As reformas estruturais, cujo andamento no Congresso Nacional é visto com muitos bons olhos por eleitores conservadores, também não tiveram avanços em 2020 e são tratados como prioridade para deputados conservadores em 2021. Para o deputado federal Luiz Phillipe de Orleans Bragança (PSL-SP), que é presidente da Frente Parlamentar Mista pela Reforma Política, o que vai pautar a entrada do próximo ano serão as reformas administrativa, tributária e política. “É bom que a gente tenha uma consciência aguçada sobre o que seria a posição conservadora sobre essas reformas”, afirma o deputado.

Na reforma tributária, o parlamentar explica que deve haver um sistema tributário mais amigo da livre iniciativa e dos consumidores, e não do Estado. “Ela precisa melhorar para o consumidor, o pai de família que está tirando da sua poupança, do futuro do seu filho para pagar alguma burocracia anônima esperando que isso vá melhorar sua qualidade de vida”, declara.

Na avaliação de Orleans Bragança sobre a reforma administrativa, a posição conservadora caminha no sentido de reduzir a máquina administrativa, não travar despesas permanentes e permitir que ela se ajuste aos novos tempos. Já quanto à reforma política, ele defende a importância de mudanças avaliando que o sistema eleitoral não garante representatividade e o sistema de votos não oferece transparência.

Garcia também destaca a desburocratização como um tema de interesse dos conservadores que deve vir com força em 2021, já que a pauta está associada ao emprego e ao desenvolvimento do país em um período de fragilidade econômica graças aos impactos da pandemia do coronavírus.

Desorganização interna e desentendimentos prejudicaram pauta conservadora, avaliam parlamentares

Congressistas ouvidos pela reportagem afirmam que desorganização entre os próprios parlamentares conservadores e desentendimentos por parte do eleitorado prejudicaram o andamento das pautas importantes.

Garcia aponta que, apesar de muitos serem eleitos por bandeiras conservadoras, no dia a dia esses parlamentares não têm atuação e preferem evitar quando há discussões mais “acaloradas” sobre pautas caras ao conservadorismo.

“Falta comprometimento e busca por mais conhecimento por parte dos parlamentares para atuarem fortemente em defesa dessas agendas e não aguardar as pautas irem ao plenário para então se posicionar. Parlamentares da esquerda são extremamente organizados. Não tem uma comissão em que não estejam presentes. Na lista de oradores do plenário da Câmara, logo que abre a sessão rapidamente tem vários parlamentares do PT, PCdoB, PSOL inscritos pra falar”, observa.

“Isso acontece porque esses partidos são muito mais organizados, estratégicos, conhecem o regimento da casa e sabem jogar o jogo conforme as regras. Infelizmente, do lado conservador não temos esse mesmo empenho”, desabafa o deputado.

Orleans Bragança destaca que congressistas conservadores carecem de direção e organização. Para ele, neste ano houve numerosos casos de parlamentares de direita que votaram de forma favorável ao “centrão” e à esquerda. “É um caso de doutrina. Enquanto a esquerda tem uma doutrina enraizada há cem anos não nacionalmente, mas com experiências do mundo inteiro defendendo a mesma coisa, a direita está engatinhando em termos de organização e agenda política”, ressalta.

Já a senadora Soraya Thronicke menciona que as divisões dentro do próprio eleitorado também contribuem para enfraquecer a pauta conservadora no congresso. “Enquanto parte do eleitorado conservador, que tanto lutou para eleger deputados e senadores alinhados às suas convicções, briga entre si, os opositores nem precisam se esforçar para ganhar força”, declara.

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