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Moro quer regulamentar a publicidade infantil
Criança assista à televisão: internet é novo desafio para regular a publicidade infantil.| Foto: Vidmir Raic/Pixabay

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, abriu uma consulta pública para receber sugestões para uma proposta de regulamentação da publicidade voltada para crianças e adolescentes. A consulta ficará aberta até o dia 27 de fevereiro, no site do ministério.

O anteprojeto do governo, entre outros pontos, prevê regras como a proibição do merchandising na publicidade infantil e do "apelo imperativo para o consumo" (situação em que a criança seja levada a sentir, por meio do uso de uma "autoridade" ou pessoa de que ela admira, que necessita daquele produto ou serviço).

O texto do governo também veda práticas tais como provocar discriminação, colocar crianças em situações incompatíveis com sua condição de “hipervulnerabilidade”, empregar crianças como modelos para vocalizar sugestão de consumo, utilizar formato jornalístico, afirmar características específicas encontradas em todos os produtos e exibir situações geradoras de pressão ou medo.

Veja algumas das principais regras previstas no anteprojeto de Moro para a regulação da publicidade infantil:

Os princípios gerais do anteprojeto da publicidade infantil

O anteprojeto do governo prevê que o “anúncio publicitário deverá preservar o direito ao desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social da criança, em condições de liberdade e de dignidade”. Ela também lista uma série de proibições e princípios, tais como:

  • Provocar deliberadamente qualquer tipo de discriminação, em particular daqueles que, por qualquer motivo, não sejam consumidores do produto.
  • Associar crianças e adolescentes a situações incompatíveis com sua condição de hipervulneráveis.
  • Impor a noção de que o consumo do produto proporcione superioridade ou, na sua falta, a inferioridade.
  • Provocar situações de constrangimento aos pais ou responsáveis, ou molestar terceiros, com o propósito de impingir o consumo.
  • Empregar crianças e adolescentes como modelos para vocalizar apelo direto, recomendação ou sugestão de uso ou consumo, admitida, entretanto, a participação deles nas demonstrações pertinentes de serviço ou produto.
  • Utilizar formato jornalístico, a fim de evitar que anúncio seja confundido com notícia.
  • Apregoar que produto destinado ao consumo por crianças e adolescentes contenha características peculiares que, em verdade, são encontradas em todos os similares.
  • Utilizar situações de pressão psicológica ou violência que sejam capazes de infundir medo.

O texto do governo prevê que os anúncios deverão “procurar contribuir para o desenvolvimento positivo das relações entre pais e filhos, alunos e professores, e demais relacionamentos que voltados ao pleno desenvolvimento da sua personalidade”. Outro princípio previsto no texto é o respeito à “dignidade, ingenuidade, credulidade, inexperiência e o sentimento de lealdade do público-alvo”.

O projeto também pretende “dar atenção especial às características psicológicas do público-alvo, sendo presumida sua menor capacidade de discernimento”. Também obriga o anunciante a “obedecer a cuidados tais que evitem eventuais distorções psicológicas nos modelos publicitários e no público-alvo”.

Apelo imperativo de consumo

A proposta em discussão estabelece que o anúncio publicitário não poderá direcionar à criança um "imperativo de consumo (...), especialmente se apresentado por autoridade familiar, escolar, médica, esportiva, cultural ou pública, bem como por personagens que os interpretem, salvo em campanhas educativas, de cunho institucional, que promovam hábitos alimentares saudáveis”.

Proibição de merchandising

O anteprojeto também proíbe a ação de merchandising ou publicidade indireta para crianças. Os merchandisings são anúncios pagos inseridos no meio da programação, fora do intervalo comercial.

Conteúdos de publicidade voltados para crianças só poderão ser exibidos em intervalos e espaços comerciais, segundo o anteprojeto de lei.

Uso de crianças e adolescentes em peças publicitárias

O anteprojeto estabelece que crianças e adolescentes não poderão figurar como modelos publicitários em anúncio que promova o consumo de quaisquer bens e serviços incompatíveis com sua condição. A regra vale para produtos como armas de fogo, bebidas alcoólicas, cigarros, fogos de artifício e loterias, e todos os demais produtos e serviços que tenham restrição legal.

No caso de bebidas alcoólicas, os comerciais só poderão contar com personagens maiores de 25 anos de idade e que tenham aparência compatível com essa idade. O anúncio de bebidas alcoólicas somente poderá ser inserido em programação, publicação ou website dirigidos predominantemente a maiores de 18 anos.

A proposta também determina que o anúncio de produtos cuja venda seja proibida a crianças e adolescentes deverá mencionar expressamente essa circunstância.

Além disso, a proposta proíbe a utilização de crianças muito acima ou muito abaixo do peso normal em anúncios de refrigerantes.

Produtos farmacêuticos

O anteprojeto do ministro Sergio Moro determina que anúncios de produtos farmacêuticos isentos de prescrição só poderá ser dirigido aos pais e responsáveis, e não deverá ser feito de modo a induzir ao uso de produtos por crianças sem supervisão.

Especialistas analisam a regulamentação da publicidade infantil

Para a advogada Renata Farah, integrante do Comitê Estadual do Paraná no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a discussão sobre regulamentação da publicidade infantil é pertinente e necessária, considerando os desafios do ambiente digital. “A palavra chave é adequação e estabelecimento de limites. É uma preocupação necessária”, afirma ela.

Já a advogada Lívia Cattaruzzi, do programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, diz que faltou diálogo com a sociedade civil na elaboração do anteprojeto. “A gente entende que faltou uma discussão ampla, transparente com a sociedade civil para ela participar da elaboração desta portaria. Tem vários estudos no Brasil que embasam esse tema, pesquisas, que acabaram sendo desconsiderados”, afirma a advogada. “A legislação já proíbe sim a publicidade infantil. A gente já parte do pressuposto de que essa publicidade é proibida e a Senacom [Secretaria Nacional do Consumir, vinculada ao Ministério da Justiça] está falando de uma regulação, ignorando essa legislação que já existe.”

Tanto Renata Farah quanto Lívia Cattaruzzi ressaltam que a publicidade infantil já está contemplada na legislação, através da Constituição, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Código de Defesa do Consumidor.

“A gente entende que a discussão sobre o ambiente digital e a proteção da criança no ambiente digital é super necessária porque é um ambiente muito complexo, muito desafiador. Mas a gente entende que a publicidade infantil hoje já tem regras que são suficientes para proteger a criança; o que falta é fiscalização”, diz Lívia Cattaruzzi.

Renata Farah destaca ainda que o texto apresentado para a consulta pública é “muito rebuscado”. “As ponderações ali são pertinentes, mas podia ser feito de forma mais sucinta e mais objetiva, mais clara. Estamos atingindo um público de várias classes sociais. O consumidor tem que saber até onde ele está sendo explorado ou se está dentro da regra do jogo”, diz a advogada. “Quando [o texto] é muito rebuscado você dá margem a diversas interpretações.”

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