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Chegada do 3.º Grande Prêmio Prosdócimo, em 11 de abril de 1954, na Praça Rui Barbosa. Total de 47 ciclistas | Acervo Pessoal / Adyr de  Lima
Chegada do 3.º Grande Prêmio Prosdócimo, em 11 de abril de 1954, na Praça Rui Barbosa. Total de 47 ciclistas| Foto: Acervo Pessoal / Adyr de Lima

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Na década de 50, havia uma bicicleta para cada 43 curitibanos

Em 1949 Curitiba tinha 4,2 mil bikes e 3 mil automóveis particulares, segundo a pesquisa do mestrando em Gestão Urbana pela PUCPR, Rafael Milani, 33 anos. "Era uma bicicleta para cada 43 curitibanos. Não tinha crediário. Essa proporção dá ideia do status que o veículo de duas rodas teve na cidade." Mesmo com uma imagem tão positiva – havia abastecimento, quantidade para troca e heróis velocistas como Garibaldo Muoia, Alfredo Carlos Langner e os irmãos Carlos e Antonio Eppinger – a capital não se tornou uma terra de ciclistas, mas de motoristas.

Para Milani, a explicação é simples. Em qualquer lugar do mundo bicicleta só se torna modalidade de transporte com políticas pesadas de incentivo ao uso. Caso contrário, prefere-se, aqui e em Amsterdã, o carro. "Os curitibanos que tinham uma bicicleta importada da Alemanha ou da Suécia eram também os que podiam ter um automóvel. E o colocavam na rua no dia a dia", reforça.

No final dos anos 1960, quando os grandes prêmios passaram a rarear, coincide que o breve uso da bike para trabalhar ou para fazer entregas também esmorece. As ruas não eram projetadas para elas. Aumenta o investimento em transporte público e nos carros de firma. "As bicicletas passam cada vez mais a serem vistas como um brinquedo de verão e de Natal", resume o comerciante Alexandre Hain.

Coleção

Na década de 1960, os prêmios foram rareando e a moçada do ciclismo viu chegar a idade do juízo. Alguns compensaram a perda se tornando colecionadores. "Tenho 13 bicicletas, incluindo uma Peugeot 1950", fala Adyr, seguido por Emiliano David, dono de uma Hermes 1952. Eles ainda pedalam, domingo de manhã, na BR -277.

  • Da esquerda para a direita, sentados: Carlos Grochovski, Emiliano David, Hélio Ladewig, André Silveira, Adolfo Bartz, Adyr de Lima. Da esquerda para a direita, em pé: Nilceu Moro, José Kalkbrenner, Manoel de Oliveira
  • José Kalbrenner Filho e Adyr de Lima, na Rua Carlos de Carvalho, em abril de 1953. Prova de velocidade, do II Grande Prêmio Prosdócimo
  • Adyr de Lima, na Rua Cruz Machado [Praça Santos Dumont], em novembro de 1952. Foto para publicidade da loja Hermes Macedo, a pedido publicitário José Leal do Amaral, presidente do Hermacia Esporte Clube
  • Adyr de Lima comemora o segundo lugar na prova de velocidade do II Grande Prêmio Prosdócimo, em abril de 1953. Tinha 21 anos
  • Equipe da Portuguesa de Desportos, de São Paulo, em 11 de abril de 1954, para o III Grande Prêmio Prosdócimo. Destaque, primeiro à esquerda, Antônio Dias dos Santos, bicampeão da Volta de Portugal. Na sequência, Antônio Alba, Léo Bérgamo e Alberto Perestrello
  • Adyr de Lima na chegada da centésima volta em torno da Praça Rui Barbosa, em 11de abril de 1954, vencendo o III Grande Prêmio Prosdócimo. No detalhe, torcida nas janelas do Colégio Bom Jesus. Foto tirada em frente à Santa Casa de Misericórdia. Foi a primeira vez em que se correu na Praça Rui Barbosa
  • Partida do III Grande Prêmio Prosdócimo, em 11 de abril de 1954, na Praça Rui Barbosa. Total de 47 competidores
  • III Grande Prêmio Prosdócimo, momentos antes da partida, em 11 de abril de 1954. Da direita para a esquerda: Adyr de Lima [2.º] e Cláudio Rosa [camisa do Palmeiras, então o favorito da prova]. Com a camisa do Vasco da Gama, Pedro Carlos Gonçalves
  • I Grande Prêmi Prosdócimo, em 5 de abril de 1952. Detalhe para o Fusca da Rádio Marumbi, do qual Ubiratan Lustosa irradiava a corrida
  • Na Praça Santos Dumont, em novembro de 1952, atletas de ciclismo do Hermacia Esporte Clube. Da esquerda para a direita, Lúcio Barbosa Filho, Adyr de Lima e José Lanzoni
  • 1.º Encontro de Ciclismo no Paraná, no Restaurante Cascatinha, em 21 de maio de 1999. Da esquerda para a direita: Adyr de Lima, Paulo Bartz, Garibaldo Muoio, Elon Garcia, Gilberto Pires e Aníbal Carneiro

O professor aposentado do Colégio Estadual do Paraná, Adyr de Lima, 79 anos, é homem de memória prodigiosa. A sua volta, qualquer um se sente acometido de amnésia severa. Ele não lembra apenas de datas com dia, mês e ano, mas também de cenas e pessoas – habilidade, quem sabe, desenvolvida pelos rigores de seu ramo de atividade: o Desenho Geométrico. Não à toa, tornou-se historiador extraoficial de seu grupo de amigos, formado por nada menos do que alguns dos melhores ciclistas do Paraná em todos os tempos, a exemplo do fotógrafo José Kalkbrenner, 80 anos, que despontou para o esporte nos fins da década de 1940.

"Adyr, em que ano mesmo fui campeão?", é a pergunta que mais se ouve nas reuniões vespertinas de quarta-feira, iniciadas há três anos por iniciativa do empresário e ciclista veterano André Nunes da Silveira, 76. O petit comité de pouco mais de uma dezena de convivas se encontra sempre às 15 horas, na Panificadora Tutti, do Juvevê. Assunto, claro, o passado. Há quem venha trazendo debaixo do braço grossos álbuns de retratos ou heroicos recortes de jornal, salvos dos fundos dos baús. Em tempo, muitos dos presentes foram foto dos cadernos de esportes nas décadas de 1950 e 1960. E não poucos, foto de primeira página dos principais periódicos do estado.

VÍDEO: Velha guarda do ciclismo

"Vinha gente de todo o Brasil para o Grande Prêmio Prosdócimo – com 100 voltas e mais de 60 competidores", ilustra André, que chegou a competir nas 200 milhas no Uruguai. Havia provas a granel, promovidas por empresas do quilate do Café Alvorada. Tornaram-se célebres as com largada e chegada no Cine Avenida da Rua XV, e as que se estendiam até São Mateus do Sul, a 150 km da capital.

Na turma da padaria, há quem fale daqueles tempos como se ainda ouvisse as provas pela Rádio Marumbi, na voz de Ubiratan Lustosa, e as visse sendo retratadas por ninguém menos do que Domingos Foggiatto. "Era uma febre na cidade", diz Emiliano David, 74 anos. Os argumentos são incontestáveis. Basta olhar para as fotos do acervo de Herbert Becker, 83 anos – atleta famoso também por ter apenas um dedo na mão direita, o polegar. Ele exibe uma imagem em que entre 15-20 mil pessoas se aglomeram na Praça Rui Barbosa para assistir a uma das corridas promovidas por lojas como o Prosdócimo e Hermes Macedo, no auge dos anos dourados. "As competições eram depois da missa. Os fieis saíam da Paróquia Bom Jesus e ficavam para torcer", lembra o ciclista.

Nem sempre, diga-se, o ciclismo esportivo era uma atividade abençoada pelos sinos da igreja. Embora pouco se fale, uma mancada cometida por um árbitro de um Grande Prêmio Brasil quase pôs o Centro da cidade abaixo, em 1948, bem antes da célebre Guerra do Pente levar o Exército à Praça Tiradentes, no ano de 1959. Um paulista empurrou um curitibano. Como não houve penalidade, a turba se encarregou de fazê-la, fechando ruas, impedindo a passagem dos atletas. A velha-guarda não esquece o dia em que os ciclistas ficaram entregues ao asfalto e à fúria dos populares. Poucas bicicletas resistiram ao quebra-quebra.

De resto, garantem, a rotina dos competidores tinha a elegância e o encanto da Curitiba antiga. Se não havia algum grande prêmio, aqui, em Joinville ou até nos países platinos, os adeptos tinham encontro marcado na Praça Osório, sábado à noite, ponto oficial de treino de Langners e Bartz, e dos irmãos Guilherme e Oswaldo Matter, para citar alguns nomes que viraram sinônimo de emoção sobre duas rodas. "Dávamos até 30 voltas na Osório. Depois íamos tomar um leite na panificadora", diverte-se Adyr, 18 vezes campeão.

Paraná foi do ciclismo ao cicloativismo

Em duas sessões de entrevista com os veteranos do ciclismo esportivo no Paraná, a Gazeta do Povo perguntou se os tempos áureos teriam influenciado o gosto dos curitibanos por bicicletas e o próprio cicloativismo. A questão renderia um simpósio internacional. Parte da turma das antigas responde "sim", sem trocar de marcha. "As pessoas nos paravam na Boca Maldita para pedir autógrafo. Havia uma paixão. O ciclismo contaminava as ruas, despertando a vontade nos jovens de pedalar", defende o ex-atleta Emiliano David.

Tudo indica que o comércio respondeu a tantos apelos. Falar de bicicletas em tempos idos é citar as lojas que abasteciam essa cultura. Mesmo sem perceber, ao darem seus testemunhos, os velhos ciclistas montam um mapa da cidade pontuado pela Casa Édison, na Rua Cruz Machado, ou pela importadora Hain & Podja, fundada em 1944, ainda em atividade com o nome Agência Bicicleta. "A casa Nickel era sinônimo das marcas Wanderer e o Prosdócimo das Dürkopp...", exemplifica o historiador, colecionador e restaurador Marcelo Afornali, 41.

Difícil imaginar que essas redes de lojas se limitavam a atender a tropa de elite que corria nos grandes prêmios. A Hain & Podja, por exemplo, nasceu para abastecer o operariado que já tinha ganhos o suficiente para trabalhar de bicicleta. E havia o gosto juvenil pelas bikes, alimentados nos clubes étnicos, nos quais as duas rodas ganhavam a força de um distintivo.

Sonhava-se com a primeira "importada", fosse uma Bianchi ou uma Hermes, tanto quanto com a primeira namorada, sugere Adyr de Lima. "Quem não podia ter uma, pedia emprestado aos amigos. Minha primeira volta foi na bicicleta do Raul Blasi, em 1947, na Praça Rui Barbosa. Só pude comprar a minha em 1952", lembra. A propósito – era uma Ralley, custou 1.450 cruzeiros, adquirida na Loja Prosdócimo.

Como eram caras, as bicicletas de passeio muitas vezes tinham o guidão torcido para baixo, o que as adaptavam para o esporte. Usá-las teria se tornado inclusive um ritual diferente para cada classe social. "Desmontávamos nossas bicicletas e íamos para Joinville, onde desfiles na rua reuniam até 20 mil ciclistas, animados por banda de música", contam os esportistas. Em concordância, dizem que não se lembram de ninguém ir para a escola de bicicleta. "Eram muito caras para ficar expostas."

Heróis de bike

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Vida e Cidadania | 5:25

Confira encontro com atletas que fizeram história do ciclismo na Curitiba dos anos 1940 e 1950.

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