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Doze dos presos na operação chegaram na sede da PF em Curitiba ontem à noite | Brunno Covello/ Gazeta do Povo
Doze dos presos na operação chegaram na sede da PF em Curitiba ontem à noite| Foto: Brunno Covello/ Gazeta do Povo

Transações

Para PF, caso mostra que há falhas na fiscalização financeira

Para o delegado que comanda a investigação, Márcio Anselmo, a operação "Lava-Jato" mostra falhas graves de fiscalização no sistema financeiro brasileiro. Segundo ele, o caso é emblemático. Mesmo depois do fim das contas CC-5 (usadas até 2005 para envio de dólares para o exterior), há ainda movimentações vultosas sem fiscalização rigorosa do sistema financeiro.

"Dez anos depois do caso Banestado, Farol da Colina, temos mais de uma centena de empresas de fachada e casos de movimentações vultosas. As próprias instituições financeiras não têm declarado movimentações atípicas para o Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras]", afirmou o delegado.

Delação premiada

Todas as ações penais envolvendo o doleiro Alberto Youssef deverão ser desarquivadas e revisadas pela Justiça Federal, segundo informou o delegado federal Igor Romário de Paula. De acordo com ele, Youssef gozava do benefício da delação premiada. No contrato da delação, uma das cláusulas era a de não cometer mais crimes. O contrato, segundo a PF, tinha validade de 10 anos. Ele foi condenado pela Justiça Federal em 2004 por crimes contra o sistema financeiro nacional. A pena foi de sete anos de regime semiaberto com pagamento de multa equivalente a 9.568 salários mínimos.

Ilicitude

Origem do dinheiro remete ao tráfico de drogas e outros crimes

Todo dinheiro remetido pelos doleiros para o exterior, segundo a Polícia Federal, era de origem ilícita. Até agora, foram identificadas quatro quadrilhas que trabalhavam com desvio de recursos públicos em grandes obras, tráfico de drogas e extração e tráfico de diamantes. Esses criminosos buscavam, de acordo com a polícia, contratar os doleiros para lavar o dinheiro ilegal e "esquentá-lo", transformando o recurso em investimentos supostamente lícitos.

Arte e carro

Um quadro de Di Cavalcanti e um da pintora Djanira foram apreendidos em Londrina durante a operação da PF, segundo o delegado Anselmo. A polícia ainda explicou que vai fazer um levantamento para saber o valor de todas as joias apreendidas. Foram ainda 25 carros apreendidos em toda ação. Esses veículos chegarão nesta terça-feira em Curitiba em um caminhão cegonha. Além disso, outros dois hotéis foram alvos de sequestro judicial. Ainda ontem, durante o cumprimento de mandados de busca e apreensão e de prisões, foram coletados R$ 5 milhões com os envolvidos.

Glossário

Conheça algumas das tipologias do crime lavagem de dinheiro que aparecem neste caso:

Empresa de fachada

É legalmente constituída e funciona de verdade, mas é utilizada para acobertar a inclusão de recursos vindos de atividades ilícitas. Na prática, a empresa mescla recursos ilícitos com os provenientes de sua própria atividade.

Mescla

Recursos ilícitos são misturados com recursos de origem legítima de uma empresa. O volume total é apresentado como resultado do faturamento operacional.

Exportação fictícia

Nessa tipologia, uma exportação de um bem ou serviço é registrada sem que realmente aconteça (o bem ou o serviço nunca chega a seu destino) ou ainda é superfaturada (o bem vale menos que o declarado ou a quantidade exportada é menor que a declarada).

Dólar a cabo

É uma transferência de recursos "do" e "para" o exterior, por empresas e/ou pessoas não autorizadas pelo Banco Central a realizar operações de câmbio e/ou fora dos mecanismos oficiais de registro e controle.

Fonte: Ministério Público Federal e Banco do Brasil.

  • Márcio Anselmo, delegado federal que coordena a operação

Uma rede de lavagem de dinheiro que movimentou de forma supostamente ilegal R$ 10 bilhões foi desmantelada, ontem, pela Polícia Federal (PF), na operação "Lava Jato". Foram presas 24 pessoas, entre elas o doleiro de Londrina Alberto Youssef e um condenado pela ação penal 470, a do "mensalão", Enivaldo Quadrado, detido em Assis, São Paulo. Além de Youssef, preso em viagem ao Maranhão, foram detidos mais três doleiros, que também figuravam entre os principais atores do mercado paralelo de compra e venda de dólares no país. A ação da polícia ocorreu em cinco estados (Paraná, São Paulo, Distrito Federal, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Mato Grosso).

INFOGRÁFICO: Entenda como funcionava o esquema

De acordo com o delegado federal que coordena a investigação, Márcio Anselmo, a apuração focou, até agora, na transferência ilegal de dinheiro para o exterior. Em nove meses de trabalho, a PF descobriu centenas de contas bancárias que remetiam milhões de dólares para a China e Hong Kong (saiba mais no gráfico). Essas contas eram de mais de cem empresas de fachada, que, por incontáveis vezes, segundo a polícia, simularam importações e exportações para o exterior com o objetivo apenas de receber e enviar dinheiro, sem que fosse concretizado o comércio com entrega ou recebimento de produtos.

Operações legais

Segundo Anselmo, os investigadores ficaram surpresos ao encontrar remessas feitas por várias contas de empresas de fachadas controladas por um doleiro entre 2009 e 2013 em um total de US$ 250 milhões no "câmbio oficial", que envolve operações realizadas corretamente, com registro no Banco Central. O delegado regional da unidade de combate ao crime organizado da PF no Paraná, Igor Romário de Paula, frisa que a origem do dinheiro é que era ilegal.

Muito dos recursos "lavados" eram mesclados com dinheiro lícito em fluxos de caixa das empresas usadas pelas quadrilhas, lavanderias e posto de gasolina. Em Londrina, o edifício arrendado por um grupo de hotéis, sequestrado pela Justiça, foi um dos reinvestimentos realizados com dinheiro supostamente "lavado".

"O principal objetivo da investigação foi cortar o fluxo financeiro dos doleiros", comentou o delegado Anselmo, durante entrevista coletiva na sede da PF, no bairro Santa Cândida, na região Norte de Curitiba.

O grupo também usava o método de "dólar a cabo" para transferir o dinheiro, além de transportar dinheiro fisicamente prendendo cédulas no corpo. Um dos doleiros, uma mulher, foi detida na sexta-feira passada no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, ao ser flagrada com US$ 200 mil presos ao corpo.

A Gazeta do Povo tentou encontrar os advogados de defesa de Youssef e também de Enivaldo Quadrado, sem sucesso.

A caixa-preta chamada Alberto Youssef

Considerado por anos como um dos maiores doleiros do país, o morador de Londrina Alberto Youssef, 46 anos, é uma caixa-preta ambulante. "Se resolver falar tudo que sabe, limpa-se o estado. É o cara que poderia derrubar estruturas políticas e administrativas", conta um servidor público que já investigou Youssef por anos.

A reportagem da Gazeta do Povo conversou com duas pessoas que passaram parte da carreira investigando as ações do doleiro, que ficou conhecido na época da CPI do Banestado no começo dos anos 2000.

Tranquilo, confiante, chega a ser arrogante, conta um deles. Youssef foi interrogado inúmeras vezes, preso outras tantas, condenado, mas volta e meia seu nome vem novamente à tona por alguma suspeita. Sempre envolvendo lavagem de dinheiro e remessas ilegais para o exterior.

Era dono da empresa Youssef Câmbio e Turismo, quando foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF). Ele já delatou, segundo reportagens da época, o ex-secretário da Fazenda de Maringá, Luiz Antônio Paolicchi, em 2000. Paolicchi, já falecido, foi condenado pela Justiça Federal dois anos depois.

Na época, ele afirmou que teria emprestado ao ex-secretário dinheiro para que fosse usado na campanha eleitoral de 1998. Os empréstimos teriam sido pagos com recursos desviados do município. "As conexões dele sempre extrapolaram o estado", afirmou um dos entrevistados. Por isso, comentam, que era muito difícil investigá-lo. "Havia muita proteção", declara outro.

As conexões aumentavam em razão da confiança adquirida por seus clientes. "É considerado de confiança por quem usa o serviço dele. Ele já foi preso várias vezes. Não entrega ninguém [apesar de ter revelado a história de Paolicchi]. Qualquer um que precise de alguém para regularizar dinheiro procurava por ele. Parece que nada mudou", afirma um dos servidores.

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