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As fotos das vítimas se espalham na web, em um movimento conhecido como “viralização” | JU/jm/fp/pp/JUSSI NUKARI
As fotos das vítimas se espalham na web, em um movimento conhecido como “viralização”| Foto: JU/jm/fp/pp/JUSSI NUKARI

Imagens de nudez de garotas e mulheres têm aparecido sem que elas saibam em sites amadores de pornografia brasileiros. Fotos e vídeos chamados de “nudes”, feitos por amigos ou ex-namorados, divulgados sem consentimento, resultam em lucro na internet. São jovens com idade entre 14 e 25 anos, de todas as classes sociais, com sua intimidade exposta. No Brasil, entre os 30 maiores sites identificados que não checam a procedência do conteúdo publicado, a audiência mensal chega a até 3,5 milhões de visualizações e pode render R$ 95 mil por ano para cada administrador.

As fotos das vítimas se espalham na web, em um movimento conhecido como “viralização”, e as levam ao constrangimento e à humilhação, disseram as mulheres à reportagem. Uma universitária do interior de São Paulo, de 19 anos, foi vítima de um rapaz que conheceu pelas redes sociais quando tinha 15. “A gente começou a conversar e ele sempre dava em cima de mim, mas nunca dei trela. Só que uma vez terminei com meu namorado e acabei cedendo ao pedido dele para aparecer na webcam. Pedi para não gravar, mas ele gravou”, disse.

Três anos depois, ela soube por um amigo que o vídeo estava em sites de pornografia. “Na hora, gelei. Peguei todas as provas de que era ele quem tinha divulgado e minha mãe levou para a Polícia Federal. Não sei o que aconteceu, porque não quis mais saber do assunto.”

Sem produzir conteúdo próprio, os sites divulgam fotos e vídeos como os da jovem paulista. Além de replicar imagens já divulgadas, põem à disposição de qualquer internauta formulários nos quais podem ser enviadas fotos. O usuário deve informar o nome da vítima e enviar ao menos um nude.

Os proprietários reconhecem não fazer nenhum filtro das imagens. “Em muitos casos, em 90%, é impossível identificar se realmente as fotos ou os vídeos são de quem envia”, disse, por e-mail, o site Brasil Tudo Liberado, um dos maiores e mais conhecidos, com 2,3 milhões de acessos ao mês.

Legalidade

O dono do site Junior Paganinix, que divulga na página inicial fotos de nudez de uma adolescente, reconheceu o risco de cometer crimes “sem saber”. “Todo o conteúdo que publicamos passa por uma análise prévia. Entretanto, é extremamente difícil julgar a idade de uma garota pela sua aparência física.”

O dono do Cantinho dos Nudes, além de oferecer banner por R$ 130, explicou à reportagem como produzir um site (o que custaria cerca de R$ 150). Duas ferramentas são usadas para ganhar dinheiro: os sites Ero Advertising e HilltopAds, que pagam em euro e dólar por clique recebido nas páginas, sem interferir no conteúdo.

O proprietário da publicação afirmou que recebeu R$ 1,6 mil no mês passado. “Eles pagam uma quantia por visualizações nos banners deles (que saltam assim que o site é acessado) e uma quantia por cliques recebidos neles”, explicou. Donos de três sites pornográficos ainda informaram nome, CPF e conta corrente para depósito do valor caso houvesse interesse em anunciar. O Estado levou as informações ao MPF.

A divulgação de imagens eróticas de crianças e adolescentes é considerada crime pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A pena é de até seis anos de prisão. A publicação não consentida de fotos e vídeos de adultos também pode ser enquadrada como difamação.

Para a professora da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) Monica Guise Rosina, há crime na divulgação das imagens. “Não importa se é autor da foto ou não. O fato de o site estar facilitando, receptando e divulgando, constitui, sim, um crime.”

O advogado especialista em crimes digitais Luís Fernando Prado Chaves ressaltou que a divulgação de imagens de nudez de adolescentes infringe a lei. “Eles estão tornando disponíveis imagens de pornografia infantil e têm controle prévio disso. Talvez possam alegar que desconheciam que a menina da foto é adolescente, mas o crime aconteceu.”

Em caso de adultos, há a possibilidade de penalizar os autores das publicações por crime de difamação. “A indenização para a vítima pode ser sem limites. O juiz, em caso concreto, é quem vai decidir.”

Vítimas

Uma universitária hoje com 19 anos, do interior paulista, era menor de idade quando foi vítima de um vazamento. Pelo menos cinco fotos e um vídeo, feitos quando tinha 14 anos, foram compartilhados no Brasil por dois sites. Ela defende que as mulheres não se calem. “Mas devemos ter ciência de que, se mandarmos fotos ou vídeos íntimos, estamos sujeitas a sofrer esse tipo de violência”, afirma.

Ao saber que havia sido vítima do compartilhamento de fotos íntimas aos 14 anos, Giovanna Gagliardi conta que sentiu “desespero total e desamparo”. Hoje com 19, cursando Administração, lamenta não ter tido o apoio dos pais na época. Ela fez fotos íntimas com uma amiga e as duas salvaram nos seus pendrives. Semanas depois, as imagens estavam espalhadas nas paredes da escola onde estudava a amiga, até mesmo no banheiro masculino. Um amigo íntimo da garota teria roubado as imagens do aparelho e compartilhado com os colegas.

“Ficamos com medo que as fotos pudessem parar nesses sites, que vendessem a nossa imagem. Ia ser ainda mais constrangedor. Já superei e não sofro mais com isso. Mas, se chegasse a me deparar com essa foto em algum site, ia voltar a sentir tudo o que senti naquela época. Não gostaria de jeito nenhum de ter de ver essa foto em algum lugar um dia.”

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