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Supremo Tribunal Federal
STF já concedeu liminares favoráveis aos estados do Maranhão e de Alagoas com pausa nas parcelas devidas à União.| Foto: Nelson Jr./SCO/STF

A possibilidade de acesso de policiais a dados contidos na memória de aparelhos celulares de criminosos, sem ordem judicial, volta a ser discutida em julgamento no dia 18 de agosto, no Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte reconheceu a repercussão geral do caso.

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O recurso concreto em análise é o de um homem processado por roubar de forma violenta a bolsa de uma mulher, após ela sair de um banco no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro. Na fuga do local do crime, o celular do assaltante caiu e foi recolhido por policiais, que acessaram os dados do equipamento, como fotos, o endereço do domicílio e últimas ligações feitas. Dessa forma, houve a possibilidade da identificação e prisão do homem na manhã do dia seguinte que aconteceu o roubo.

O ladrão foi condenado em primeira instância, decisão depois revertida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). Para os desembargadores, as provas obtidas pelos policiais seriam ilícitas por terem violado a proteção dos dados e comunicações telefônicas, previsto no inciso XII ao artigo 5º da Constituição. O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) recorreu da decisão, afirmando que o acesso aos dados não fere a Constituição, pois esta não protegeria bens relacionados a fatos criminosos. Além disso, de acordo com o MP, a prática estaria dentro do previsto no artigo 6º do Código de Processo Penal, sobre os deveres das autoridades policiais ao tomar conhecimento de prática de infração penal.

O julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo n° 1042075 começou no Supremo, virtualmente, em outubro de 2020. O relator do caso, ministro Dias Toffoli deu provimento ao pedido do MP. Para ele, seria “lícita a prova obtida pela autoridade policial, sem autorização judicial, mediante acesso a registro telefônico ou agenda de contatos de celular apreendido ato contínuo no local do crime atribuído ao acusado, não configurando esse acesso ofensa ao sigilo das comunicações, à intimidade ou à privacidade do indivíduo (CF, art. 5º, incisos X e XII)”.

Entretanto, os ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin negaram o provimento do recurso. Mendes afirmou que a evolução da tecnologia, fazendo dos celulares um local de registro amplo de informações pessoais, muda a interpretação feita até agora dos incisos X e XII ao artigo 5º da Constituição. Utilizar como prova os dados que agora estão disponíveis nesses aparelhos, sem autorização judicial, fere os direitos fundamentais “à intimidade, à privacidade e ao sigilo das comunicações e dados dos indivíduos”. Mendes disse que era preciso ter cautela para “não transformar o Estado policial em um Estado espião e onipresente”.

Depois dos três votos, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista para analisar melhor o processo, em novembro de 2020. Agora, liberou o processo para julgamento.

Previsto na Lei

O artigo 5° da Constituição Federal de 1988 prevê que todos são iguais, garantindo o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. O inciso XII garante que é “inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

O Marco Civil da Internet, Lei n° 12.965, visa proteger e estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres do uso da internet no Brasil. Na Seção II, Art.10, assegura que o “conteúdo das comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial”. Além disso, a Lei n° 9.296 também preserva que a comunicação telefônica para prova em investigação criminal depende de ordem do juiz para ser utilizada.

Já em 2018, outra norma criada para proteger os dados pessoas é a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). O artigo 23 da norma estabelece que o tratamento de dados pessoais por pessoas jurídicas de direito público deverá ser realizado com finalidade pública e visando as atribuições legais do serviço público. A LGPD também prevê que sejam informadas o uso do tratamento de dados pessoais e as práticas utilizadas.

Além disso, após o início do julgamento, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional nº 115/2022, que inseriu o inciso LXXIX no artigo 5º da Constituição. Sendo assim, é “assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais”.

Proteção de dados pessoais

O advogado e especialista em Direito Digital, Frank Ned, afirmou que, atualmente, os dados pessoais representam uma extensão do indivíduo. Por conta disso, proteger informações pessoais também é resguardar o indivíduo. “Estamos falando de algo que tem relação com a dignidade humana. Hoje, um smartphone tem uma diversidade de dados pessoais. Não são somente dados de comunicação, mas links, áudios, padrões de compra e acesso bancário. E mesmo que essa pessoa esteja em conflito com a lei, ela tem os direitos fundamentais preservados. É mais prudente que somente com autorização judicial tenha acesso aos dados”, explicou.

De acordo com o advogado e especialista em Direito Virtual, Jonatas Lucena, devido à previsão da lei, somente com autorização do juiz que a autoridade policial deve ter acesso aos dados pessoais. “A vida ficou muito digital. Mas toda e qualquer quebra de sigilo digital deve ser por meio de ordem judicial. Se o STF autorizasse seria de forma equivocada e, a meu ver, fere os direitos fundamentais”, opinou.

Casos semelhantes

O Código de Processo Penal registra que a apreensão do aparelho celular pela polícia, em decorrência da prisão em flagrante é lícita (art. 6º, III, e art. 240, § 1º). Sobre o acesso a outros dados do aparelho, havia até agora o entendimento que o acesso a registros telefônicos do celular poderia ser feito, sem prévia de autorização judicial.

Em 2012, no julgamento de um habeas corpus (91.867), o STF entendeu que a autoridade policial poderia verificar as chamadas efetuadas e recebidas no celular do suspeito, sem ordem judicial. À época, foi destacado a diferença entre comunicação telefônica e registro telefônico. “Não se confundem comunicação telefônica e registros telefônicos, que recebem, inclusive, proteção jurídica distinta. Não se pode interpretar a cláusula do artigo 5º, XII, da CF, no sentido de proteção aos dados enquanto registro, depósito registral. A proteção constitucional é da comunicação de dados e não dos dados”.

Entretanto, em um caso mais recente, de 2020 (habeas corpus 168.052/SP), a 2ª Turma do STF reviu a decisão de 2012 e constatou ser fundamental a autorização judicial para o acesso ao aparelho celular, pelos avanços tecnológicos e o teor dos dados hoje acessíveis nos aparelhos. “Destaque-se que a permissão de acesso direto a aparelhos telefônicos, por autoridades policiais, pode servir de estímulo para que pressões indevidas sejam exercidas sobre os acusados para o fornecimento de senhas de acesso e informações confidenciais”.

Apesar dessa nova jurisprudência, para a advogada constitucionalista e mestre em Direito Público, Vera Chemim, não há problema a autoridade policial ter acesso ao registro de dados de celulares de criminosos sem autorização judicial. Para ela, o ato seria inconstitucional apenas se atingisse a comunicação telefônica. Porém, segundo a advogada, depende de circunstâncias fáticas, ou seja, dos fatos em torno de cada caso para autorizar a admissão do registro. “Mas como regra geral, se não tiver nenhum problema que coloque em dúvida a conduta dos investigadores, não tem problema eles terem acesso ao registro de dados”, opinou.

Outros recursos analisados pelo STF

No mesmo dia do julgamento desse recurso, outros processos envolvendo o direito à proteção de dados pessoas também devem ser analisados. Um deles é a ADI 6649, sobre a criação do Cadastro Base do Cidadão e o Comitê Central de Governança de Dados. Já a ADPF 695 questiona o compartilhamento de dados pessoais nos registros de carteiras de habilitação Serviço Federal de processamento de Dados (Serpro) à Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

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