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Julgamento da ADI 5.911 ficou para 2022
Julgamento da ADI 5.911 ficou para 2022| Foto: Unsplash

Já com André Mendonça entre os ministros que compõem a Corte, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar em 2022 a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que trata da esterilização voluntária para pessoas com menos de 25 de anos. Inicialmente, a análise da ADI 5.911 havia sido marcada para dezembro de 2021, mas o julgamento foi retirado da pauta e uma nova data ainda não foi marcada. O relator dessa ADI é o ministro Kassio Nunes Marques.

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A ação foi movida pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) contra a União. O partido pede que seja declarada a inconstitucionalidade do inciso I e do parágrafo 5º do art. 10, da Lei 9.263, denominada Lei de Planejamento Familiar. Os trechos questionados pela legenda estabelecem como critério para a realização de procedimento de esterilização voluntária a idade mínima de 25 anos ou já ter dois filhos vivos e, no caso de pessoas casadas, a apresentação de autorização do cônjuge.

Para o PSB, essas regras “afrontam direitos fundamentais, contrariam tratados internacionais firmados pelo Brasil, além de divergir dos principais ordenamentos jurídicos estrangeiros”.

De acordo com o partido, ao estabelecer idade mínima de 25 anos ou a existência prévia de dois filhos, a lei estaria caracterizando uma interferência indevida do ente estatal no planejamento familiar. “Ao Poder Público não cabe imiscuir-se em decisões individuais sobre fertilidade e reprodução, sendo essa interferência marca típica de regimes antidemocráticos, que deve ser rechaçada pela Suprema Corte”, argumenta a legenda.

A ação ainda ressalta que a maioridade civil no Brasil é adquirida aos 18 anos, momento em que decisões definitivas, tais como a adoção, podem ser tomadas. Assim, segundo o PSB, não haveria “justificativa plausível que ampare a obrigatoriedade de 25 anos como idade mínima”. Já a exigência de dois filhos vivos é vista pelo partido como uma forma de “criar um ‘dever de procriação’ para as jovens e estabelecer um ‘número ideal’ de filhos, o que não se coaduna com o direito à autonomia privada”.

O PSB também apresentou argumentos contra a necessidade de anuência do cônjuge, no caso de homens ou mulheres casados. Para o partido, a autonomia da vontade individual, reflexo direto da dignidade da pessoa humana, pressupõe que decisões personalíssimas, tais quais as que envolvem direitos reprodutivos, “não podem sujeitar-se à anuência de terceiros, nem mesmo de um cônjuge”.

A petição cita ainda a Lei Maria da Penha, que estabelece que impedir uma mulher de ter acesso e utilizar método contraceptivo é uma forma de violência doméstica.

Consequências de uma possível mudança

Na avaliação da presidente da Comissão Nacional de Bioética e Biodireito da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), Ana Cláudia Brandão, a discussão principal da ADI 5.911 diz respeito aos limites da intervenção do Estado no exercício de direitos personalíssimos.

Ana Cláudia, que é pós-doutora em Bioética e juíza do Tribunal de Justiça de Pernambuco, explica que a Constituição prevê que o planejamento familiar é livre decisão do casal e, portanto, deve ser tomada em consenso, com o estabelecimento de um acordo entre os cônjuges, sob pena de desvirtuar os deveres das relações conjugais e a boa-fé entre marido e mulher.

Ela alerta ainda que uma possível alteração das regras previstas pela Lei 9.263 pode fazer com que homens ou mulheres casadas deixem de comunicar seus cônjuges sobre a esterilização, o que pode abrir caminho para separações, divórcios e até mesmo ação de reparação de danos morais pela ausência de comunicação em prejuízo do planejamento familiar.

Já em relação à idade mínima para realização do procedimento, a especialista alerta que a opção pela esterilização voluntária é um ato que exige maturidade, por seu caráter definitivo. “Há o risco de ocorrência de esterilizações sem o devido amadurecimento por pessoas que sequer formaram suas famílias e podem ser induzidas diante da facilidade do acesso ao procedimento”, explica a juíza.

Casamento como comunhão

Em resposta aos argumentos apresentados pelo PSB, a Advocacia-Geral da União (AGU), em manifestação na ação, ressaltou que o partido deixou de incluir na petição inicial “cópias da lei ou do ato normativo impugnado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação”. Essa irregularidade por si só, de acordo com a jurisprudência do próprio STF, já deveria impor o indeferimento da petição inicial, cita a Advocacia-Geral da União. Ainda assim, a AGU se manifestou sobre o mérito da ação e ressaltou que a decisão ter ou não filhos integra a autonomia privada, mas o direito ao planejamento familiar é do casal.

A manifestação ressalta que o artigo 1.511 do Código Civil prevê que “o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”. Isso significa que os cônjuges, na constância da sociedade conjugal, devem tomar decisões conjuntas que se refletem, inegavelmente, em sua esfera individual.

A própria Constituição Federal, lembra a AGU, define no artigo 226 que o planejamento familiar é uma “livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito”.

Assim, a AGU salienta que a escolha entre ter ou não filhos é uma das decisões mais importantes para o próprio estabelecimento da sociedade conjugal, bem como para sua continuidade, e por isso deve ser alvo de deliberação conjunta. O documento ressalta que o acordo mútuo dos cônjuges já é exigido em relação a diversos outros atos de relevância estritamente patrimonial, como a alienação de bens imóveis, a prestação de fiança e a doação de bens comuns.

“Se o casamento estabelece plena comunhão de vida, com esteio na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, a decisão concernente à realização do procedimento de esterilização, que repercutirá, sem dúvida alguma, no direito à paternidade ou à maternidade do outro cônjuge, deve ser tomada por consentimento conjunto”, ressalta a AGU.

Decisão exige maturidade

Já em relação ao argumento de que as regras de idade mínima de 25 anos ou a existência de pelo menos dois filhos seriam uma restrição indevida, a AGU afirma que, mesmo que o Código Civil estabeleça que a maioridade começa aos 18 anos, não há impedimento para que se fixem idades superiores a essa para o exercido de determinados direitos, desde que haja justificativa para tal.

A AGU destacou que mesmo a Constituição estipula idade superior a de 18 anos para o desempenho de certos cargos públicos eletivos. Também há determinação de idade mínima para aquisição e posse de armas (25 anos) e exercício de funções como a de conselheiro tutelar (21 anos).

“De modo semelhante, a permissão para a esterilização voluntária merece tratamento jurídico diferenciado. A submissão a tal procedimento constitui escolha irreversível e de grande relevância para a vida particular e social de cada pessoa, de modo que se revela adequado exigir certo grau de maturidade para seu exercício válido”, argumenta a AGU.

De acordo com a AGU, ao contrário do que argumenta o PSB, a redação da Lei 9.263, ao invés de estabelecer uma restrição indevida à liberdade e à autonomia privada, possibilita que as pessoas desenvolvam seu planejamento familiar de maneira informada, livre e amadurecida, com o apoio do Estado e com as cautelas que a decisão sobre ter filhos ou não demanda. Assim, o pedido de inconstitucionalidade seria improcedente, na avaliação da AGU.

O Congresso também se manifestou sobre a ADI 5.911, atendendo à solicitação feita pelo STF. A Câmara dos Deputados informou que a Lei  9.263/96 “foi processada nesta Casa dentro dos estritos trâmites constitucionais e regimentais inerentes à espécie”. Já o Senado defendeu a constitucionalidade das normas questionadas pelo PSB. Para o Senado, o tema foi alvo de amplo debate parlamentar que contou com a participação ampla e irrestrita da sociedade.

O órgão ainda ressaltou que o Poder Legislativo é o ambiente propício e constitucionalmente adequado para deliberar sobre a matéria, de modo que a pretensão do requerente consistiria em “alterar a decisão prevalecente no Congresso Nacional, transformando o Supremo Tribunal Federal em instância revisora do político, no caso, das regras para a esterilização voluntária”.

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