Transformar a marca da violência em uma mensagem de empoderamento e superação – essa é a ideia por trás do projeto “A pele da flor”, iniciativa da curitibana Flavia Carvalho, que decidiu doar um pouquinho do seu tempo e talento para ajudar mulheres vítimas de violência. Pelas mãos de Flavia, a pele permanentemente marcada por episódios de abuso ganha outros contornos e cores com tatuagens.
A inspiração para criar o projeto foi uma adolescente que procurou Flavia para cobrir as marcas de uma agressão física. “Quando ela viu a tatuagem pronta, ficou muito emocionada, agradeceu, abraçou. Essa reação me comoveu. Acompanhar a transformação da relação que ela tinha com o próprio corpo depois de ter coberto a cicatriz foi impactante”, relembra. A tatuadora percebeu que poderia ajudar mais mulheres.
Empatia
A vontade de desenvolver um projeto social para ajudar mulheres vítimas de violência também tem a ver com a experiência pessoal de Flavia. Ela conta que viveu relacionamentos abusivos e foi também vítima de agressões físicas e violência psicológica. “Não fiquei com marcas, mas tive essa vivência do abuso, das ameaças, do tapa na cara. Sou empática às mulheres que sofreram violência e quero ajuda-las a superar”, explicou.
Desde que foi lançado, com o apoio da Secretaria Municipal da Mulher de Curitiba, “A pele da flor” alcançou projeção nacional e a tatuadora tem sido procurada por mulheres de vários estados. Até agora, cinco já saíram do estúdio com cicatrizes cobertas por orquídeas azuis aquareladas ou borboletas multicoloridas, e outras sete têm horários agendados – uma delas vem de Manaus para tatuar com Flavia.
A pele da flor
O projeto de Flavia acolhe dois tipos de mulheres: aquelas que sofreram violência doméstica ou urbana e aquelas que passaram por mastectomia (remoção total ou parcial da mama geralmente em decorrência do câncer). A tatuagem é gratuita – a mulher só precisa escolher qual desenho quer gravar na pele. Para cobrir as cicatrizes vale tudo: tatuagem colorida ou somente em preto. A cicatrização, garante a tatuadora, não exige nenhum cuidado especial. Contato: https://www.facebook.com/fla.tattoo
“Cobrir a cicatriz não faz desaparecer a lembrança da violência, mas melhora muito a relação que a mulher tem com o próprio corpo. Elas têm vergonha das marcas, querem esconder, não querem contar como ficaram com aquelas cicatrizes. A tatuagem faz isso, além de esconder a marca, melhora a autoestima, empodera, transforma”, explica.
Aprendizado e redenção em forma de arte
Leia a matéria completaEmpoderamento
É assim, poderosa, que Aline Garcia, 30 anos, se sente ao olhar para o desenho em aquarela gravado na perna: no lugar das marcas do abuso, o rosto de uma mulher acompanhada de um lobo – símbolos de força e superação.
Um ano atrás, ela chegava ao trabalho quando o ex-parceiro a interpelou. O relacionamento havia acabado dias antes e o homem não aceitava o rompimento. Aline disse que não queria conversar e pediu que ele não a procurasse mais. O homem com quem havia compartilhado o último ano e meio a esfaqueou oito vezes – nas mãos, nos braços, nas pernas e no peito. Depois disso, fugiu e se suicidou.
O socorro veio rápido e Aline sobreviveu à cirurgia no coração. Depois disso, viveu um dia após o outro. Em alguns momentos, recorda, quis desistir. Hoje, fortalecida, ainda aprende a lidar com cicatrizes emocionais profundas e com as marcas no corpo – e para a superação dessas últimas, a ajuda de Flavia foi essencial.
“A tatuagem encerrou um ciclo do qual eu saí vitoriosa. Um ciclo de violência e de superação. A gente não esquece o que aconteceu, a dor que sentiu e até o preconceito que sofreu, mesmo sendo vítima; mas queria dizer para todas as mulheres que sofreram algum abuso que a gente pode seguir em frente.”
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