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Cecília com a foto do filho, morto em 2003: campanha pela doação | Rodolfo Bührer/Gazeta do Povo
Cecília com a foto do filho, morto em 2003: campanha pela doação| Foto: Rodolfo Bührer/Gazeta do Povo

Encontro após a doação

Após a doação, é comum o receptor e a família do doador quererem se conhecer. Entretanto, a Central de Transplantes orienta ambos os lados para que o encontro só ocorra seis meses depois da doação. "Muitas vezes, quem perde o ente querido não quer falar naquilo. Pode ser muito dolorido. Por isso, mesmo não sendo proibido, não é recomendável que o encontro aconteça logo depois da doação", explica a chefe-técnica da Central de Trans plantes, Schirley Batista Nascimento. Schirley informa ainda que o encontro só acontece se as duas partes quiserem.

Foi o que ocorreu com Geane Ferreira da Silva. Em um encontro no Hospital do Trabalhador entre doadores e receptores há três semanas, ela conheceu César Augusto da Silva, 17 anos, que recebeu uma das córneas de sua filha, Jéssica, que morreu em 2007 aos 15 anos, em um acidente de trânsito. "Tinha uma expectativa muito grande em conhecer a pessoa que tem uma parte da minha filha. Isso me confortou muito", disse Geane, que entregou um DVD gravado com cenas da vida de Jéssica do nascimento até a morte.

Paulo César, que mora em Ubiratã, no Centro-Oeste do estado, antes do transplante enxergava apenas com um olho por conta de uma doença de nascença. "Fiz de tudo para conhecer a família da pessoa que fez com que eu enxergasse melhor", diz o estudante que viajou sozinho 523 quilômetros até Curitiba. (MXV e AP)

Há dois anos, a dona de casa Cecília Brito Teodoro, 53 anos, foi surpreendida durante uma cerimônia de casamento. Ao invés de jogar o buquê, como convém a tradição, a noiva preferiu dá-lo a Cecília de lembrança.

Diante do espanto dos convidados, já que nem os parentes mais próximos sabiam quem era a homenageada, a noiva se explicou. Disse que por conta da atitude da família daquela senhora, ela conseguia identificar o rosto de cada convidado na cerimônia, o que não era possível alguns anos antes. A moça foi uma das oito pessoas beneficiadas pela doação dos órgãos do caçula dos quatro filhos de Cecília. Desde 2003, ela enxerga com as córneas do rapaz.

O vigia Jackson Henrique Teodoro morreu dia 30 de setembro de 2003, vítima de um atropelamento em Colombo, região metropolitana de Curitiba. Ao ser constatada a morte cerebral, após dois dias de coma na UTI do Hospital Cajuru, a família optou pela doação. Por ser novo – tinha 22 anos –, praticamente todos os órgãos internos de Jackson puderam ser doados. Sete pessoas se beneficiaram da doação de nove órgãos. O rapaz, inclusive, foi o primeiro doador de pulmões no Paraná. "Ele dizia que se acontecesse algo era para doar tudo o que pudesse. E nós cumprimos o que ele queria", aponta Cecília.

Ter respeitado a opção do filho deixa Cecília aliviada. Mas saber que Jackson, que fazia trabalhos comunitários na igreja, segue ajudando outras pessoas conforta a perda de Cecília. "Antes eu chorava de tristeza, agora choro só de saudade. É muito bom saber que tem um pedacinho dele que faz outras pessoas viverem", afirma Cecília, que mantém contato com três dos receptores. "O rapaz que recebeu o fígado estava com os dias contados antes da doação. Agora está forte e sempre que vem a Curitiba fazer exames me visita. Pergunto se ele está se cuidando como se perguntasse ao meu filho", revela a mãe de Jackson.

O trabalho de Cecília em prol da doação de órgãos não parou com a morte do filho. A causa. Todos os anos ela é convidada pela Central de Transplantes a dar palestras em hospitais. A partir de seu relato pessoal, Cecília tenta convencer outras pessoas de que, antes de tudo, doar é um ato humano. "As pessoas têm que ter a consciência de que, mesmo na morte, ainda podem ajudar", enfatiza Cecília, que após a doação do filho também virou doadora. "Ele me deixou este exemplo."

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