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Arnoldo Monteiro Bach e o espaço que chama mais a atenção dos visitantes: do penico às Pílulas  de Vida do Dr. Ross, bodega tinha de tudo | Fotos: Marcelo Elias/Gazeta do Povo
Arnoldo Monteiro Bach e o espaço que chama mais a atenção dos visitantes: do penico às Pílulas de Vida do Dr. Ross, bodega tinha de tudo| Foto: Fotos: Marcelo Elias/Gazeta do Povo

Quem eram os alemães de Volga?

Cerca de 30 mil alemães se mudaram para a Rússia em 1763, atraídos pela promessa de receber terras da imperatriz Catarina II, a Grande. Eles se instalaram na região de Saratov, nas margens do Rio Volga e por isso passaram a ser conhecidos como os alemães de Volga. Mesmo vivendo na Rússia, este povo se isolou dos costumes do país e manteve as características alemãs.

No final do século 19, eles começaram a perder alguns privilégios, como a isenção da cobrança de impostos. Alguns deles decidiram se mudar para o Sul do Brasil, entre outros países, por causa do clima parecido com o que eles estavam acostumados.

Já a Colônia de Pugas recebeu esta denominação em decorrência de um rio de mesmo nome que existe na região.

  • Casa de uma família do Volga pode ser única no país: original e bem conservada

Um cemitério é tudo o que resta da Colônia de Pugas (assim, sem o L mesmo), formada pelos alemães do Volga, que viveram a 70 quilômetros do município de Palmeira, nos Campos Gerais, na década de 30. Na verdade é o que oficialmente sobrou, porque um sítio, chamado Minguinho, virou réplica do que era a antiga colônia.

O proprietário, Arnoldo Monteiro Bach, um dos descendentes dos Volga, não queria ver sumirem no tempo as lembranças da comunidade. Ele arregaçou as mangas e, em 15 anos, juntou tantos objetos relacionados aos alemães que perdeu a conta. Fez casas de madeira que representam o antigo comércio da colônia e ainda desmontou uma casa típica dos Volga para ser reerguida no sítio. Organizou tudo para reconstruir a vida que existia na vila e o resultado é um espaço com sensação de volta ao passado.

Quem visita o sítio entra neste túnel do tempo logo na chegada. A música alemã e o cortejo de um Volga aos visitantes é o prenúncio de que, dali em diante, tudo o que será visto provavelmente não existe mais ou luta para sobreviver. A residência de uma família Volga é a primeira parada. Ela pode ser a única do Brasil que ainda está em pé e bem conservada: as janelas e portas são lembranças vivas de como era a decoração usada pelas alemãs. Estas mulheres não abriam mão de colocar cortinas floridas ou de renda nas janelas e nas portas, sempre presas com fitas de ambos os lados. A sala de jantar é a peça mais importante da casa, com uma grande mesa de madeira e cadeiras de palha bem conservadas. A residência tem dois andares: no segundo ficam os quartos e a sala íntima da família. No primeiro a sala de jantar, o único banheiro e a cozinha. Uma radiola, algo como um armário com rádio e vitrola embutidos, é a responsável por manter a música ambiente. Os armários são de madeira maciça e as louças, pintadas à mão. Até a máquina de costura Gritzner virou peça de decoração. A cozinha tem fogão a lenha, compotas no armário e alguns objetos curiosos, como uma batedeira manual e um descascador de figo. "O objetivo é valorizar a vida humilde desta sociedade e os trabalhos que eram destaque na época, mas que não existem mais", explica Arnoldo.

No dia em que a reportagem esteve no sítio, que fica em Palmeira, cerca de 50 adolescentes da Escola Técnica Dama, de Canoinhas, Santa Catarina, visitavam o museu. Eles são alunos do primeiro ano do ensino médio e estavam no local para aprender sobre empreendedorismo: saber como era a vida antes para compreender o porquê de ela ser assim hoje.

Na réplica da Escola Pública de Pugas, que tinha como professora a senhora Constança de Freitas, os jovens souberam pelas palavras de Arnoldo como era a vida dos antigos estudantes alemães. "Professora Constança era brava e não pensava duas vezes antes de pegar a longa régua de madeira para bater nos menos comportados", diz. A escola era multiseriada, ou seja, alunos de diferentes séries ficavam no mesmo ambiente e tinham uma única professora. Constança só falava português e os alunos, todos filhos de alemães, tinham dificuldade para se acostumar com a nova língua. A réplica da escola têm as carteiras originais da época, quando os alunos tinham de se sentar em grupos de três – um ao lado do outro –, porque as carteiras eram maiores.

Uma das atrações mais apreciadas durante as visitas é a bodega, que pertencia a Bárbara e José Cardoso Monteiro, ambos alemães de Pugas. Aliás, todos os ambientes comerciais trazem o nome dos seus antigos proprietários – apenas o dono da selaria está vivo. A bodega chama a atenção pela variedade de produtos que comercializava. Na Colônia de Pugas, era na bodega que as pessoas encontravam remédios, por exemplo – numa inversão da atualidade, em que os alimentos é que foram parar na farmácia. Está com o intestino preguiçoso? A bodega tinha a solução: Pílulas de Vida do Dr. Ross. Tinha, aliás, remédio para amarelão, penico, vassoura, trança de alho e até palha de aço embalado em caixinhas. "Você lembra disso?", questiona Arnoldo a um dos visitantes. Detalhe: é a partir dos produtos que fizeram parte da infância das pessoas que ele descobre a idade delas. Por causa do pouco espaço, bacias, vassouras e tamancos vendidos na bodega iam para o teto.

Na réplica da selaria de Hugo Krambeck – que, aos 85 anos, se emocionou ao vê-la – aprende-se que o cabrito era uma peça onde o seleiro prendia o couro e depois costurava. Na sapataria, várias fôrmas de sapato decoram o armário e os visitantes ficam encantados com as fôrmas infantis. Na ferraria, mais uma raridade em exposição: um carroção, emplacado em 1932, que servia para transportar erva-mate, produto da economia dos alemães.

As mulheres da vila cortavam o cabelo e os homens aparavam a barba no Salão de Barbeiro de Paulo Bach, que trabalhou em Pugas de 1948 até 29 de julho de 2000, um dia antes de sua morte. O salão é uma das réplicas mais fidedignas do comércio que existia na colônia. Arnoldo era primo de Paulo e, por isso, conseguiu resgatar todas as peças, inclusive as duas poltronas do salão – o peso delas não deixa mentir, o pé é mesmo feito de ferro.

O sítio tem sete casas de madeira que viraram réplicas do comércio e das residências de Pugas. Mas a volta ao passado também não deixa de mostrar como as famílias desta região viviam fora desses espaços: no Minguinho foram montados os ambientes do trabalho rural, como o monjolo para moer milho, a tafona (fábrica de farinha de mandioca) e o barbaquá (onde era preparada a erva-mate).

Ao todo, a visita ao sítio dura quatro horas – tempo suficiente para o reconhecimento de uma vida que ficou para trás. De quebra, os mais religiosos podem passar no oratório de Nossa Senhora da Conceição – a padroeira de Pugas. Os mais antigos garantem, a santa nunca deixou de atender aos pedidos.

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Serviço

O Sítio Minguinho é aberto para o público, preferencialmente para grupos com mais de 10 pessoas. Ele fica no município de Palmeira, Rua Jesuíno Marcondes, número 1549. Para ter acesso ao local, que fica em uma área rural, é preciso agendar as visitas no telefone (42) 3252–3362 ou (42) 9121-1311. A entrada custa R$ 10 por pessoa.

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