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Karla e Theo: “Quando ele voltou à consciência, foi o melhor choro da minha vida” | Priscila Forone/Gazeta do Povo
Karla e Theo: “Quando ele voltou à consciência, foi o melhor choro da minha vida”| Foto: Priscila Forone/Gazeta do Povo

Alerta constante para arritmias

Segundo a Organização Mundial da Saúde, a maior causa de mortalidade no mundo são as doenças cardiovasculares. No Brasil, segundo a Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (Sobrac), todos os anos, 300 mil pessoas morrem vítimas de arritmias cardíacas graves e morte súbita. "Centenas de mutações genéticas podem causar alteração nos canais que geram arritmia. Nunca se sabe quando ela vai acontecer: pode ser com 90 anos ou com um ano de vida", diz Lânia Romanzin Xavier, eletrofisiologista pediátrica do Pequeno Príncipe.

Na infância, os dados são escassos, principalmente em relação ao primeiro ano de vida, mas, segundo Lânia, 10% das mortes pediátricas ocorrem devido a arritmias cardíacas. Uma possível prevenção é ficar atento a sinais como desmaios. "É o sintoma que nos avisa que pode ser arritmia grave", diz a médica. O segundo indicativo é o histórico familiar.

  • Veja como funciona o aparelho Cardiodesfibrilador

Na manhã de 25 de setembro, Karla Schulze Torres colocava o filho Theo, com 8 meses, no berço para uma soneca. Agitado, ele reclamava de forma diferente quando, de repente, pareceu morto no colo da mãe: os olhos e a boca abertos, sem respiração, sem pulso. O impulso fez Karla subir as escadas do prédio com Theo no colo, gritando com toda força. "Na minha cabeça, alguém ia salvar meu filho." Com a memória de que na cobertura morava uma médica, esmurrou e chutou a porta do apartamento, até que se abriu e começaram mais minutos de tensão. Duas médicas fizeram a reanimação de Theo, com respiração boca-a-boca e massagem cardíaca. Em cinco minutos, o bebê acordou, mas com batimentos insuficientes. Em 15 minutos, a consciência dele voltou. "Foi o melhor choro da minha vida", conta Karla.Segundo a Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (Sobrac), a chance de Theo sobreviver da morte súbita diminuía em 10% a cada minuto. "A reanimação foi perfeita e não deixou lesões cerebrais", explica Lânia Romanzin Xavier, eletrofisiologista pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe (HPP), onde Theo foi internado. Após uma série de exames cardiológicos inconclusivos, o bebê foi, por fim, diagnosticado com uma arritmia cardíaca grave. De origem genética, esse tipo de síndrome provoca episódios, frequentemente fatais, de fibrilação ventricular, uma espécie de parada cardíaca em que o coração atinge mais de 500 batimentos por minuto. Milhões de impulsos elétricos circulam pelo coração que não consegue se organizar para bater no ritmo, e não bombeia mais o sangue, ocasionando desmaio e, se não houver reanimação, é fatal em poucos minutos.

No dia 18 de outubro, após novo episódio de morte súbita abortada no HPP, Theo se submeteu a uma cirurgia, tornando-se a criança mais jovem do Brasil a portar marcapasso com desfibrilador, aparelho que lhe possibilitará vida normal, incluindo a prática de esportes. "Só não vai poder se piloto de avião", brinca Karla. "Funciona como uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) móvel dentro da criança com o melhor médico, a melhor equipe, o melhor desfibrilador", explica Lânia. Na ocorrência de um novo episódio de arritmia, Theo vai desmaiar, o aparelho vai acionar testes e, após oito segundos, descarregará um choque dentro do coração – um tempo curto para deixar qualquer sequela. As chances de reanimação com o aparelho passam de 99%.

Satisfeita com a cirurgia, Karla considera que agora é o momento de ficar tranquila. "Sempre dou uma espiada nele dormindo, mas não é mais com pavor de que ele possa ter uma parada cardíaca. Vai ser difícil quando ele tiver uma crise, mas vou ter que me controlar", comenta.

Técnica de implante foi desenvolvida no ParanáDesde 2003, o Centro de Eletrofisiologia Pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe (HPP), único do país, implanta aparelhos similares ao de Theo, em crianças de todo o país. Neste período, 32 procedimentos foram feitos e a técnica sofreu avanços. A equipe da ele­­­trofisiologista pediátrica Lânia Romanzin Xavier, que inclui os cardiologistas Leo­­­nardo Mulinari e Wanderley Sa­­­­­violo Ferreira, passou dois anos buscando um modo de melhorar a qualidade de vida e o resultado estético para os pacientes operados.

A técnica utilizada na cirurgia de Theo é inovadora: o desfibrilador fica posicionado do lado direito do tronco atrás das costelas, com uma sobra de fios que esticarão conforme o crescimento da criança. Nor­­­malmente, na infância o aparelho é posicionado no lado esquerdo da barriga, abaixo do coração. A técnica deixa o aparelho mais protegido de eventuais danos e resulta em menos de 0,5% de chance de fratura dos eletrodos, o que possibilita a liberação para a prática de esportes. "Ele vai brincar, vai correr, vai andar de bicicleta, skate e vai ter uma vida normal sem risco de romper os fios", diz Lânia. Em cerca de 15 anos, será necessária a troca do aparelho, da bateria e dos fios, que poderão então ser posicionados à maneira clássica, próximo ao coração.

Segundo o Ministério da Saúde (MS), foram realizadas, em 2009, 1.189 cirurgias de implante de desfibrilador no país, enquanto nos Estados Unidos são 20 mil implantes por ano. No Brasil, a cirurgia, que custa cerca de R$ 35 mil, está incluída na cobertura do Sistema Único de Saúde (SUS). Entre os adultos, a fila é extensa: para cada 64 pessoas que necessitam do implante, uma consegue ser submetida ao procedimento. Para crianças a espera pode ser menor.

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