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Caso de cão cobaia levado para casa faz universidade proibir uso

Era uma tarde de 1997 quando o então estudante Thales Tréz soube que o professor abriria o tórax de um cão saudável em uma aula de biologia na Universidade Federal de Santa Catarina. A notícia revoltou o aluno. "Cheguei um pouco antes da aula para conversar com o professor e colegas e dizer que aquilo não precisava acontecer. Só que cheguei e estava só o cachorro, ainda consciente, e ninguém por perto. Fiz o que muita gente faria. A ocasião faz o ladrão", conta ele, que levou o cachorro para casa e acabou denunciado à Polícia Federal.Motivo: roubo ao patrimônio. "Começamos a discutir como a universidade podia tratar um animal como um objeto", relata. "Não sabia que tinha que matar uma série de animais para aprender coisas básicas da biologia."

O episódio motivou discussões na universidade sobre os efeitos do uso de animais nas atividades de ensino, e meses depois a UFSC acabou retirando a queixa feita à PF. "Eles viram que era um tema pertinente, com fundamentação ética. A partir daquele ano, o departamento não usou mais cães e passou a ensinar com vídeos."

Além da mudança na forma de ensino, o resgate do "cão nº 51", como aquele vira-lata era identificado na instituição, foi o ponto de partida para que o aluno começasse a pesquisar o tema. Tréz, 35, hoje leciona na área de ciências biológicas e saúde da Universidade Federal de Alfenas (MG), e pesquisa o uso de métodos como manequins, softwares e vídeos no lugar dos animais. "Softwares, por exemplo, já foram tecnologias mais caras. Mas hoje há muitos tutoriais online e são programas bastante interativos."

Segundo ele, a discussão sobre o uso de métodos alternativos aos bichos avançou nos últimos dez anos, mas também há oposição. "Há muita resistência em fazer essa migração do animal para a tecnologia substitutiva", diz o professor. Ele diz que universidades de alguns países já aboliram o uso dos bichos, até mesmo em cursos como medicina. "A Inglaterra é o caso mais avançado. Desde 1986 eles formam médicos sem os animais", afirma Tréz, até hoje procurado por alunos com os mesmos dilemas que ele viveu há 16 anos.

E o que aconteceu com o cão resgatado? Tréz diz não saber se ele ainda está vivo, mas garante que teve uma boa vida. "O cachorro foi adotado por um casal de amigos, passou a se chamar Krieger e morou muitos anos na bela praia da Joaquina [Florianópolis]", conta o professor.

Universidades do país estão sendo alvo de blitze de ativistas, protestos de alunos e até mesmo ações na Justiça pelo fim do uso de animais em atividades acadêmicas. A ofensiva judicial tem base na Lei Arouca, que estabelece regras para o uso científico de animais, e na Lei de Crimes Ambientais, de 1998, que define como crime realizar "experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos".

Um dos casos mais recentes é o da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que entrou neste mês com recurso na Justiça para retomar a utilização de animais nas aulas de medicina.

A ação partiu do Instituto Abolicionista Animal. "Soubemos de casos de animais que recebiam anestesia superficial e acordavam no meio do procedimento", diz a advogada Danielle Tetü.

O pró-reitor de Pesquisa da UFSC Jamil Assreuy nega e diz que o curso de medicina só emprega ratos, e com anestesia, em alguns casos cães, por exemplo, não são usados há um ano e meio. "Recorremos porque a universidade quer ter o direito de decidir [se usa ou não]. Não significa que vamos usar." Para Assreuy, a suspensão do uso de animais em algumas áreas pode trazer "perda do ponto de vista didático". "Posso treinar sutura em pele de porco, galinha. Mas essas opções não fornecem, por exemplo, a pressão do tecido e o sangramento. É importante que o aluno tenha essa sensação antes de fazer esse procedimento."

Outra universidade que enfrenta ação na Justiça é a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que conseguiu em setembro retomar o uso de animais vivos em aulas, após primeira decisão favorável aos ativistas.

No recurso, a UFSM rebateu: "Se ordenhada uma vaca, estaria havendo descumprimento à ordem judicial?", escreveu a defesa.A juíza classificou o argumento como "irônico" e manteve a decisão, depois reformada por outro juiz, que deu parecer a favor da universidade. A ação ainda tramita.

Para a UFSM, a proibição do uso de animais "compromete o aprendizado" e traz "retrocesso" à pesquisa. "Mesmo com métodos alternativos, a implantação não é de um dia para o outro", diz João César Oliveira, da veterinária da UFSM. Ele nega maus-tratos aos animais e diz que todos os projetos passam por uma comissão de ética.

Autor da ação, o Movimento Gaúcho de Defesa Animal diz que já recorreu da última decisão. "A briga na Justiça está apenas começando", afirma a diretora do grupo, Maria Luiza Nunes.

Outros casos

Após enfrentar processo por maus-tratos e perder a ação no ano passado, a Universidade Estadual de Londrina afirma que pesquisas em odontologia antes feitas com beagles foram paralisadas ou "perdidas".

Em outros casos, hoje menos frequentes, alunos recorreram à Justiça para não participarem de aulas com animais, situações já registradas na UFRGS, em Porto Alegre, e UFRJ, no Rio.

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