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Irati – Nada de grandes indústrias e guerra de marcas de cerveja em campanhas publicitárias milionárias. Em Irati, na região dos Campos Gerais, a fórmula caseira é que faz sucesso entre os moradores. A tradição, cultivada por descendentes de poloneses, alemães e ucranianos, já faz parte da cultura da cidade e cerca de 25 famílias mantêm o costume de fabricar a bebida adocicada e de baixo teor alcoólico no quintal de casa. Há até quem tenha incorporado o hábito tradicional à era do capitalismo, fundando uma minicervejaria para produzir a bebida numa escala um pouco maior.

A receita caseira e de fácil preparo caiu no gosto da população da cidade. Para muitos, os ingredientes naturais e o sabor mais adocicado são os principais atrativos da bebida, engarrafada em embalagens pet de dois litros. "Ela não tem conservantes e além disso é diurética e faz bem para a saúde", diz a dona de casa Glaci Ivaszki, que fabrica a cerveja em casa há 20 anos, desde que aprendeu com a sogra, descendente de poloneses. A bebida não pode faltar em festas, como o Natal e ano- novo, além do almoço e jantar da família.

A cerveja, que era vendida em mercados, bares e nos comércios na beira de estrada, está proibida de ser comercializada desde junho do ano passado. Agora, apenas quem tem o registro no Ministério da Agricultura pode vender. No entanto, por determinação do ministério, o nome "cerveja caseira" está proibido. A denominação agora é "fermentado de açúcar com lúpulo", o que causou estranheza entre os consumidores. Pelas normas brasileiras, a cerveja tem de possuir 7% de mosto de malte em sua composição, o que não acontece com a bebida feita em Irati, que não possui o ingrediente na sua receita. "Na Bélgica, bebidas sem malte são classificadas como cerveja", compara José Luís Pabis, dono da única fábrica do fermentado na região.

Para aumentar as vendas, Pabis teve que usar uma estratégia de marketing. "As pessoas estranhavam o nome e acabavam não comprando", lembra. Para isso, ele chegou a imprimir alguns cartazes para colocar nas gôndolas dos mercados com a denominação correta e em destaque a frase "popular cerveja caseira".

José Luís fundou a cervejaria Krulowa, que em polonês significa "rainha", em 1997. Ele aproveitou o sucesso que a receita da sua mãe, Bronislava Pabis, de 75 anos, fazia na cidade e começou a produzir a bebida em larga escala. "O sabor continua caseiro, mas a bebida é produzida industrialmente", afirma. O engenheiro agrônomo investiu cerca de R$ 150 mil em maquinário e chegou a ter 11 funcionários. Hoje, apenas ele e sua mãe fabricam o fermentado. "Para se fazer cerveja, é preciso ter amor. Falta pessoal qualificado para isso", lamenta.

A fama da bebida caseira feita em Irati chegou até o exterior. A pedido de uma importadora de lúpulo – planta aromática e que dá o aroma e paladar à cerveja – um levantamento na Alemanha verificou que o município tem o maior consumo não-industrial produto no Brasil. O desempenho é confirmado em um dos locais que vende o lúpulo na cidade, onde cerca de 10 quilos da planta são comercializados por semana no verão. "Tem vezes que até falta o produto", diz a proprietária da loja de produtos naturais, Soeli Iarema.

Testes químicos realizados por técnicos do Ministério da Agricultura revelaram que a cerveja produzida artesanalmente em Irati pode chegar a 0,7% de teor alcoólico em volume. Para ser considerada sem álcool, a bebida deve ter menos de 0,5%. E no Brasil, a Liber (Ambev) é a única cerveja que possui 0% de teor alcoólico. Normalmente as cervejas comerciais têm entre 4,5% e 5,5% de álcool.

Mesmo assim, é tradição na cidade os pais adotarem a cerveja caseira para toda a família. A escrevente Marli Gonçalves chegou a trocar o refrigerante pela bebida artesanal. "É natural, não tem conservantes e faz bem para a saúde", afirma. A bebida caseira também trouxe uma economia de 50% em relação aos gastos com refrigerante. A garrafa de 2 litros da cerveja é vendida na cidade por preços que variam entre R$ 2 e R$ 2,80.

Genoveva Zavilinski, que apresenta um programa de rádio sobre a cultura polonesa há 20 anos e foi uma das fundadoras do Centro de Tradições Polonesas de Irati, relembra com saudade da época em que a cerveja feita em casa era a única alternativa para algumas famílias brindarem nas celebrações, como casamentos e aniversários. "Antes, apenas as famílias mais abastadas compravam cerveja e refrigerante industrializados. As festas dos mais humildes eram regadas a cerveja caseira mesmo", conta.

Apesar de alguns moradores da cidade manterem a tradição, Genoveva acha que os dias da cerveja caseira estão contados. "Hoje não existe mais o espírito do passado. As mulheres tinham mais vontade de fazer tudo em casa. Ficou fácil ir ao mercado e comprar a cerveja pronta", avalia.

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