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O médico geriatra Euler Esteves Ribeiro coordena uma pesquisa que investiga as causas da longevidade do povo amazonense. Dieta da floresta é um dos fatores avaliados | Christian Rizzi/Gazeta do Povo
O médico geriatra Euler Esteves Ribeiro coordena uma pesquisa que investiga as causas da longevidade do povo amazonense. Dieta da floresta é um dos fatores avaliados| Foto: Christian Rizzi/Gazeta do Povo

Descobrir e ensinar como envelhecer com qualidade, independência e autonomia é um dos objetivos do médico geriatra Euler Es­­teves Ribeiro, 70 anos. Diretor da Uni­­versidade Aberta da Terceira Idade da Universidade do Estado do Amazonas (Unati/UEA), o especialista está desenvolvendo uma pesquisa que já identificou alguns dos elementos da dieta amazônica com efeitos semelhantes aos comprovados na culinária asiática e me­­diterrânea. E investiga como esses ingredientes e o modo de vida do homem da floresta interferem na longevidade do povo da Amazô­­nia.

Ribeiro defende o acesso a essas informações como ações que deveriam integrar políticas públicas voltadas aos idosos. A proposta está sendo encabeçada por representantes das Unatis do país. O grupo estuda a criação de uma associação de instituições que dê ao idoso maior visibilidade junto ao poder público. Ribeiro esteve em Foz do Iguaçu na semana passada para participar do primeiro seminário brasileiro de Unatis. Confira os principais trechos da entrevista que concedeu à Gazeta do Povo.

A população brasileira está envelhecendo rapidamente. Em alguma região do país existe uma longevidade ainda maior?

Quem nasce hoje no Brasil tem uma expectativa de vida de mais de 70 anos. Os longevos são aqueles que ultrapassam os 75 anos e podem chegar aos 100 anos. Re­­centemente, o IBGE [Instituto Bra­sileiro de Geografia e Estatística] identificou que 1% da população de Maués, no Amazonas, tem mais de 80 anos. A média nacional é de 0,5%. O que eles têm diferente? Fazem exercícios, repousam bastante e praticamente não sofrem com o estresse da vida como em outras regiões do país.

Qual é o perfil do idoso que vive na Amazônia?

Antes de mostrar como o homem da floresta envelhece, temos de saber quem é ele. Esse homem é o produto da forte miscigenação que existe na Amazônia: índios, europeus, árabes, judeus e negros. Como sabemos que a longevidade tem 30% da sua razão na genética, estou buscando esses marcadores genéticos nessa população. Além do fator genético, estou levantando todos os aspectos que levam a essa longevidade. Afinal, os outros 70% somos nós que construímos com a prática de exercícios, a fuga do estresse, o repouso e a nutrição.

Há alguma característica co­­mum que os aproxima da população de outras regiões?

Esses fatores como a prática de exercícios, a tranquilidade e o hábito de consumir determinados alimentos sabidamente bons para a saúde são comuns a outros povos ao redor do mundo que também vivem muito, como na Ásia, os japoneses, e na Europa, principalmente na região do Mar Mediter­râneo, os franceses, italianos, espanhóis e gregos. Nesse caso, o vínculo maior da longevidade entre eles é a nutrição.

Os hábitos alimentares dos europeus, asiáticos e amazonenses são diferentes. Como essas dietas acabam tendo os mesmos efeitos?

Europeus e asiáticos comem muitos peixes do mar, como atum, sardinha e salmão, verduras, frutas, tomam vinho e consomem azeite de oliva. O caboclo come peixes do rio. O jaraqui, muito consumido pela população mais pobre, comprovadamente tem mais ômega 3 que o salmão e o atum e é menos calórico. O baixo consumo de calorias é outro segredo da longevidade. Comem também os frutos da floresta como o camu-camu – o mais rico do mundo em vitamina C –, tucumã, pupunha, buriti, e as castanhas, ricas em substâncias que modulam a defesa orgânica. Outro fruto – considerado "três em um" pela alta quantidade e qualidade de substâncias presentes no café, no chá verde e na uva –, o guaraná, também pode ser apontado como preponderante na longevidade daquele povo.

A dieta de outras regiões do país também traz esses benefícios?

Nos pampas gaúchos se consome muito vinho, verduras, frutas e mais carne e eles também vivem mais. A combinação da genética e desses fatores alimentares tem contribuído para isso. São dois extremos do país, com costumes diferentes e que vêm demonstrando resultados muito parecidos.

A partir desses estudos, pode nascer uma dieta tipicamente brasileira que auxilie no envelhecimento com qualidade?

É esse um dos meus objetivos. Quero mostrar para as pessoas que não adianta se encher de vitaminas de farmácia e buscar soluções mais mercantis que saudáveis. A recomendação é que se alimentem corretamente, se exercitem, repousem e evitem o estresse. Isso sim vai garantir longevidade, mas uma longevidade com qualidade, aliando esses cuidados à autonomia e à independência.

De que forma essas informações podem chegar mais rápido às pessoas?

Uma das maneiras é por meio das universidades abertas da terceira idade (Unatis), iniciativa inclusive que me permitiu fazer e divulgar esse trabalho, com publicações em revistas científicas sérias e apresentação em diversas regiões do país e no exterior.

Como funcionam as Unatis?

Por meio das universidades abertas à terceira idade, trabalhamos em três frentes: ensino, pesquisa e extensão. Um exemplo são os cursos de preparação de mão de obra especializada para o cuidado de idosos. Essa especialização de 480 horas forma gerontólogos ligados à saúde ou não. Algumas universidades mantêm mestrados e doutorados na área do envelhecimento, outras têm a disciplina de gerontologia. Já na extensão, cada Unati tem objetivos regionalizados. Lá no Amazonas, ensinamos os idosos a cuidar dos desvios de saúde que o indivíduo teve ou possa ter como hipertensão ou diabetes, orientando como se alimentar e que exercícios deve fazer para a reestruturação do corpo. Temos também artes lúdicas como dança, canto, teatro e música, atividades que resgatam e recuperam a autoestima de quem as pratica. Na educação, oferecemos cursos de espanhol, inglês e francês, informática, robótica, além da própria alfabetização e oficinas de memória. Assim estamos conseguindo atrair os idosos e ensiná-los a envelhecer com qualidade.

As Unatis também podem dar visibilidade política aos idosos? Como?

Estamos estudando a criação de uma associação das Unatis de todo o país para termos maior poder político. Assim poderemos, por exemplo, exigir do Ministério da Educação que todas as universidades públicas e privadas tenham no seu currículo de graduação uma matéria, mesmo que não obrigatória, ligada ao envelhecimento. Todos precisam saber envelhecer e auxiliar quem está envelhecendo. Nos próximos 25 anos teremos mais pessoas com mais de 50 anos do que entre zero e 30 anos de idade. Nós temos que ter políticas públicas que se atentem para isso. É preciso ter voz.

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