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Tereza Honesko e Roberta Scalet são vizinhas há 72 anos | Josué Teixeira/Gazeta do Povo
Tereza Honesko e Roberta Scalet são vizinhas há 72 anos| Foto: Josué Teixeira/Gazeta do Povo

Encontros serão mais raros

Ainda criança, Tereza Hones­ko, hoje com 76 anos, foi morar com a família na mesma rua em que viviam os familiares de Roberta Scalet, 86 anos. Depois de mais de 70 anos de convivência, as duas vizinhas tornaram-se amigas e sempre se visitam. "A gente mora perto do Centro [de Ponta Grossa] e, ao longo do tempo, a vizinhança mudou muito. Nós nos damos bem com os outros vizinhos, mas, visita mesmo, só eu na casa da Tereza ou ela na minha casa", conta Roberta.

"Eu já pensei em me mudar daqui por causa do barulho e da agitação. Mas não tem como. Se um dia eu fizer isso, tenho que levar a Roberta junto. A gente confia muito uma na outra", relata Tereza. As duas fazem parte de uma realidade apontada pelo levantamento da Paraná Pesquisas: no interior do Paraná, as pessoas ainda se visitam mais.

Entretanto, o professor de História Charles Monteiro aler­­ta que os moradores do interior não estão isentos de um processo de mudança de hábito. "As visitas continuam, mas as ocasiões em que vários vizinhos se reuniam, como os almoços de domingo, estão ficando mais raras. As pessoas que costumavam morar próximas passam a se dispersar cada vez mais e para mais longe, inclusive nas cidades pequenas", salienta.

Há 72 anos, as vizinhas Tereza de Jesus Honesko e Roberta Scalet fazem visitas quase diárias uma à outra – um tipo de convivência que tem se tornado cada vez mais difícil de ocorrer devido ao crescimento das cidades. As amigas de Ponta Grossa, nos Campos Gerais, estão enquadradas em um grupo que ainda representa a maioria no interior do Paraná, mas que tem perdido espaço na capital. Enquanto 54% da população interiorana têm o contato com a vizinhança como um hábito do dia a dia, esse total cai para 41% em Curitiba.

Os números fazem parte de um levantamento feito recentemente pela Paraná Pesquisas, a pedido da Gazeta do Povo. A enquete realizada em 80 municípios do estado, com 1.505 pessoas, mostra que mais de 80% dos paranaenses dizem conhecer seus vizinhos, no entanto, esse "conhecer" costuma estar restrito a encontros ocasionais em frente de casa. Ao todo, 52% dos entrevistados confirmam que só veem os vizinhos quando estão saindo de casa – veja mais detalhes do levantamento no quadro.

Em crescimento

Segundo o professor de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Charles Monteiro, os resultados da pesquisa demonstram a realidade de um processo que só tende a crescer, principalmente nas grandes cidades. "Nós temos, na contemporaneidade, um esvaziamento dos espaços públicos, a individualização do sujeito, a disputa por prestígio, a ostentação material do sucesso profissional. Todos, porém, são sinais externos e prejudicam uma identificação estreita entre as pessoas", afirma.

Ele acredita que esse "distanciamento" entre vizinhos é resultado, em parte, de uma identidade cada vez mais fragmentada. "Algumas pessoas trocam uma solidariedade mais tradicional – como a territorial, no caso dos vizinhos – por uma solidariedade baseada em afinidades específicas e que se manifesta, por exemplo, em encontros de donos de cachorro ou de donos de carros", diz. Monteiro alerta ainda que esse processo contribui para a diminuição da representatividade política das pessoas que moram próximas, pois não se desenvolve uma relação firme entre elas.

O especialista em Psicologia Comportamental pela Uni­­versidade Tuiuti do Paraná Márcio Roberto Régis afirma que, diante da dificuldade de mudar esse comportamento, vale a pena tentar começar a mudança em si mesmo. "Se a pessoa passar a cumprimentar seus vizinhos, mesmo que não tenha resposta de alguns, ela vai passar a ser vista, aos poucos, como uma pessoa bem educada, que está aberta ao diálogo. Não é tão rápido, mas isso ajuda inclusive a melhorar a qualidade de vida e a tornar menos desgastante a resolução de conflitos", sustenta.

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