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Você ousaria desligar o celular?

Fui a um jantar e me sentei ao lado da namorada de um amigo. Ele não estava conosco, ela contou, porque viajara à Itália. Aproveitei o encontro para mandar um recado, reclamar das visitas que ele não me fez, do sumiço geral. Distraí-me um minuto com umas garfadas no jantar e ela me avisou:

"O Guilherme disse..." e segue-se a réplica que meu amigo enviou às minhas queixas, assim que ela lhe mandou uma mensagem pelo celular. Ué, mas ele não está na Itália, cinco horas à frente? Na Itália eram 4 da madrugada; ele não deveria estar dormindo?

Parece que Guilherme tinha jantado uma costeleta que lhe caiu mal no estômago e estava com o sono leve. A partir daí, não deve ter dormido mais. A namorada continuou lhe enviando notícias e, desconfio, até fotos do jantar.

Em outras palavras, Guilherme estava ao mesmo tempo na cama de um hotel na Itália e em um jantar, em São Paulo, ouvindo queixas de uma amiga rabugenta.

Parece bom estar em dois lugares ao mesmo tempo. Ou será que essa conexão divide a cabeça e a alma do Guilherme e ele não está nem aqui nem acolá? Dormir na Itália (não perguntei a cidade em que estava) de férias, depois de jantar costeletas, não é mau programa, afinal. Ficou melhor porque ele teve notícias do Brasil?

Lembrei-me daquele conselho que damos para as pessoas estressadas quando elas tiram uma folga: "Desliga!", dizemos para estimular o estressado a se desconectar dos problemas que está deixando para trás. Mas desconectar hoje em dia... Como?

Não que seja impossível. É claro que é. Mas nós queremos?

Aliás, esse costume de dizer "desliga" é velho, acho que vem de antes de Tim Berners-Lee, Bill Gates e Steve Jobs nos ligarem na tomada (ou no wi-fi). Vem da época em que o Marshall McLuhan falava em aldeia global e o povo da época achava que ele era mais um guru hippie que delirava com o efeito de cogumelos.

Pois naquela pré-história da Era da Informação nós sonhávamos em desligar. Os ingênuos... Tirar o telefone do gancho era um luxo, uma transgressão. "Vou me trancar em casa, tirar o telefone do gancho e esquecer o mundo lá fora", dizia o personagem de um filme dos anos 80 e sua mensagem era facilmente entendida. Ele queria se concentrar em algo importante ou descansar de verdade.

Nem sabíamos o que nos esperava. Agora somos tão integrados e tão pouco apocalípticos que nem questionamos a "necessidade" de manter o celular ligado o tempo todo, bipando ao lado da cama. Esquecer o mundo lá fora? Concentrar-se em algo mais importante? Mas o mais importante não está sempre acontecendo em algum lugar por aí, a todo instante?

Meu palpite? Não, não está. 99% é ruído, barulho que nos distrai. Mas enquanto não cai a ficha (para usar outra metáfora tipicamente analógica) medrosamente mantemos o telefone no gancho.

Se alguém estiver interessado em saber como anda a saga do mangarito, ele está a caminho, via Sedex.

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