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O voto evangélico em 2022 e as lições que vêm do Chile: Somos grandes, mas não a maioria
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Segundo o último recenseamento chileno – o “Encuesta Nacional Bicentenario 2019” – a população de evangélicos no Chile saltou de 14% em 2006 para 18% em 2019 (cerca de 3,5 milhões), sendo nas classes média e baixa a maior representatividade: 14% e 25% da população respectivamente. Os dados mostram também que é a religião que mais cresce naquele país (os católicos, por exemplo, passaram de 70% para 45% no mesmo período). Impulsionados por tal crescimento, a participação dos evangélicos na esfera pública tem sido cada vez maior e relevante. A ponto de, nas últimas eleições presidenciais, concluída a “segunda vuelta” agora em 19 de dezembro, o voto evangélico ter sido cobiçado, de todos os modos, pelos então presidenciáveis Jose Antonio Kast e Gabriel Boric, o vencedor. No entanto, como no Brasil, no Chile, os evangélicos são grandes e importantes, mas não são maioria; exatamente por isso muitas lições podemos tirar para as eleições presidenciais do Brasil em 2022. Se não, vejamos.

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Para entender bem a força do voto evangélico no Chile, precisamos voltar ao que aconteceu no chamado “Te Deum evangélico” de 2017 ocorrido na famosa Catedral Evangélica do Chile, principal templo pentecostal do país, da “Primera Iglesia Metodista Pentecostal de Chile”, fundada em 1909. Antes, porém, uma aclaração: Te Deum é o nome que se dá a um culto de ação de graças que ocorre historicamente em setembro de cada ano, com a presença de autoridades eclesiásticas e políticas, em especial, com a presença do presidente da República. Uma tradição católica, copiada pelos evangélicos, por ordem do ditador Pinochet na década de 70, e reconhecida também como uma das festas nacionais chilenas.

Pois bem. Feito esta digressão, voltemos ao Te Deum evangélico de 2017, quando a então presidente do Chile, Michelle Bachelet, foi duramente hostilizada na entrada da Catedral Evangélica por manifestantes e cobrada com veemência no discurso do então candidato a deputado, Eduardo Durán Salinas, diácono e filho do Bispo da Catedral, Eduardo Durán Castro, presidente do CONIEV – Concilio Nacional de Iglesias Evangélicas. A grande crítica que se fazia era da agenda de valores progressistas imposta pelo governo esquerdista de Bachelet, em que se promovia abertamente a agenda abortista, a sexualização precoce de crianças, agenda LGBT, etc. O resultado disso foi que, nas eleições presidenciais do mesmo ano, o político da direita tradicional, Sebastián Piñera, uma espécie de “Michel Temer” chileno, retorna ao poder com amplo apoio dos evangélicos, não só das igrejas do CONIEV, liderada pelos Durán, mas também do Consejo Nacional de Obispos y Pastores, liderado pelo Bispo Jorge Méndez, e algumas igrejas do movimento chamado Mesa Ampliada, até então liderada pelo Bispo Emiliano Soto.

Na estruturação do seu governo, Piñera, desde o princípio, trouxe para perto vários líderes evangélicos ligados ao Coniev e ao Conselho de bispos e pastores, presentes naquele histórico Te Deum de 2017. Mas, por sua posição mais de diálogo com outros segmentos da sociedade chilena, levando-o ao não atendimento de algumas pautas dos evangélicos, logo entrou em choque com essas mesmas lideranças, deixando a porta aberta para o radical de direita, político pinochetista, Jose Antonio Kast se aliançar com os mesmos. Resultado: Kast, com a mesma postura do bolsonarismo, atraiu para si uma parte considerável do segmento evangélico chileno, apostando todas as fichas na agenda ideológica. E os evangélicos se deixaram laçar, esquecendo que há vida além das pautas morais e que não se pode abandonar também outros princípios e valores, tão caros quanto, por exemplo, o combate a injustiças sociais, a corrupção institucional, entre outros.

Kast que, em 2018, visitou o presidente Bolsonaro no Rio de Janeiro, antes do segundo turno das eleições brasileiras, construiu desde a sua derrota em 2017 nas eleições chilenas vencidas por Piñera, um caminho baseado em pautas ultraconservadoras e antidemocráticas. Achava, até então, que o seu radicalismo e disposição de romper com o sistema político lhe daria as condições de atrair multidões que conformariam a maioria da sociedade chilena. Ledo engano. E isso ficou patente com o desenrolar da campanha presidencial de 2021. Seu radicalismo não o cacifou nem para ser o candidato de Piñera na “primeira vuelta”, tendo-o somente, discretamente, na segunda. Ficou bastante claro que suas teses radicais, dando pouco valor a princípios do Estado Democrático de Direito, não encontravam esteio na maioria da população chilena. Por exemplo, seu apoio incondicional e sem críticas à ditadura de Pinochet, seu desapego à defesa das liberdades civis fundamentais, sua postura de manutenção do status quo do sistema econômico e social chileno, que resultou na grave crise social de 2019, sua visão machista de desprezo a participação da mulher na vida pública, sua insensibilidade com temas humanitários como o da migração, do estado de vulnerabilidade das populações dos chamados “pueblos originários”, levaram-no à derrota. Conversando com representantes conservadores do mundo político chileno, muitos me dizem que, na verdade, uma parte importante dos que votaram em Boric o fizeram como uma espécie de não-voto no que Kast representa numa democracia.

Mas e os evangélicos chilenos? Estima-se que entre 60% e 70% dos evangélicos naufragaram na barca do radicalismo de Kast. Na “primeira vuelta”, o candidato do presidente Piñera, Sebastián Sichel, representando os movimentos de centro-direita, teve pouca adesão dos evangélicos pentecostais e neopentecostais. Esses, apostaram em Kast, e venceram, levando-o para o segundo turno. Mas analisaram mal, não percebendo que a maioria da população chilena atual rechaça veementemente as ideias radicais e antidemocráticas de Kast (e olha que o discurso do candidato chileno sobre o enfrentamento da pandemia era totalmente contrário ao do bolsonarismo). E por isso, o jovem Gabriel Boric, uma espécie de Marcelo Freixo da nova esquerda chilena, ganhou as eleições de bandeja com uma vantagem significativa.

Muitas lições podemos retirar da campanha presidencial do Chile. Uma delas é que ser cerca de 20% da população não é o bastante para construir uma maioria presidencial para ganhar as eleições. No Brasil, estima-se que os evangélicos são cerca de 30%. Número que nos faz grandes e importantes. Mas, tal como no Chile, não é o bastante para fazermos um presidente da República. Por isso, mutatis mutandis, se na eleição presidencial de 2022, os evangélicos seguirem na barca radical do bolsonarismo, o destino tende a ser o mesmo, sobretudo porque as últimas pesquisas indicam um índice constante de reprovação do Governo Bolsonaro acima dos 50% e um índice de rejeição, como pré-candidato, beirando os 60%, o maior entre todos os pré-presidenciáveis.

A aliança que os evangélicos devem buscar para 2022 deve ser uma aliança de valores e princípios, que contenha uma pauta além da agenda de costumes, contemplando as necessidades básicas do povo, em especial dos mais vulneráveis – o pobre, o órfão, a viúva e o estrangeiro, na linguagem bíblica –, mas que também seja pragmática, pensando em vencer as eleições, especialmente, no segundo turno, porque o inimigo a ser batido tem a sagacidade de uma serpente, uma jararaca, como certa feita afirmou. As lições do Chile soam como verdadeira profecia para os evangélicos em 2022.

* Uziel Santana é coordenador da campanha de Sergio Moro (Podemos) junto aos evangélicos. É advogado, professor da Universidade Federal de Sergipe e fundador da ANAJURE.

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