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 | Henry Milleo/ Gazeta do Povo
| Foto: Henry Milleo/ Gazeta do Povo

Após três anos à frente da seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), o advogado José Lúcio Glomb encerrará seu mandato no próximo dia 19 – data da posse do presidente eleito, Juliano Breda. Em entrevista à Gazeta do Povo, o advogado destacou a participação da OAB no movimento O Paraná que Queremos como um dos principais feitos de sua gestão. Glomb avaliou, também, a estrutura do Poder Judiciário no Paraná e elogiou a postura do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo julgamento do mensalão.

Como o senhor avalia a sua gestão que termina no fim do ano?

Nestes três anos, posso garantir, trabalhamos sem descanso e atendemos a todos os advogados, de todos os segmentos. Apenas de automóvel completei mais de 120 mil quilômetros pelo Paraná. Isto permitiu conhecer bem a nossa realidade e atuar em todas as frentes possíveis. Ademais, a Ordem cresceu em prestígio junto à sociedade, pela sua ampla participação na campanha O Paraná que Queremos e esse prestígio também valorizou a advocacia. Acho que os advogados entenderam todo o esforço feito neste sentido. Todos são responsáveis pelo sucesso reconhecido, com a ausência de chapa opositora.

A OAB-PR teve nestes últimos anos uma atuação política destacada em defesa da sociedade, a nova gestão deve manter esta linha?

A OAB não tem partido, mas isto não significa que ela se ausente do debate político. Não tenho dúvidas disto. Estivemos à frente de uma grande causa, junto a centenas de instituições do maior respeito do estado e com o apoio de milhares de pessoas. Foi um momento marcante, muito tenso, porque o jornal Gazeta do Povo desvendou uma trama criminosa que há anos vinha sugando dinheiro da Assembleia Legislativa, o que ocorria das mais variadas formas. Daí originou-se essa grande campanha, que foi chamada de O Paraná que Queremos. Na manifestação na Boca Maldita, em 2010, milhares de pessoas compareceram numa fria noite de inverno, e foram lá espontaneamente, pois não havia ônibus, ou qualquer arregimentação senão a convocação pública. Isto mostrou que a população estava indignada. E essa chama deu frutos, pois vemos cada vez mais a discussão sobre esse tema e a intolerância com os desmandos no uso do dinheiro público.

Houve algum resultado prático?

Sim, houve. Foi aprovada uma lei de transparência, proposta pela OAB e Apajufe, associação dos juízes federais. Lamento que o Tribunal de Justiça, atendendo parcialmente o pleito do ex-deputado Jocelito Canto, tenha declarado inconstitucional o dispositivo que estabelecia a publicidade dos salários. Do que cada um ganha. Até o Supremo Tribunal Federal e os tribunais superiores divulgam os salários dos servidores e ministros, indicando a constitucionalidade de dispositivo dessa natureza. Escudado nessa decisão, que o beneficia, o TJ-PR não divulga os salários dos juízes. A matéria está sob recurso ao Supremo. E os reflexos se sentiram, ainda, como resultado, no episódio da Câmara Municipal de Curitiba, que culminou com o afastamento do presidente daquela Casa.

A Assembleia devolveu 90 milhões ao estado no ano passado e anuncia que devolverá valor semelhante este ano. Qual a sua opinião?

Isto revela o quanto se estava desviando de dinheiro na Assembleia. Mas não se sabe ainda a extensão dos desvios. Não é a toa que funcionários foram presos e a própria mesa não se sustentou, sendo substituída na eleição seguinte. A situação envolvia personagens poderosos da política do Paraná e gerou muita tensão. Mas ainda há muito a fazer. Como exemplo cito que a OAB ingressou com ADI contra uma lei estadual que previa elevadíssimo número de cargos de confiança e a expectativa é que eles sejam reduzidos. É inaceitável que o dinheiro público seja usado para pagamento de cabos eleitorais, que são a maioria dos ocupantes dos cargos comissionados nos gabinetes dos deputados.

Falando na Assembleia, há possibilidade da promulgação de uma lei estabelecendo a aposentadoria dos deputados. Isso é legal?

Não é nem legal, nem moral. Lá atrás já nos posicionamos nesse sentido. A Constituição Federal prevê que para o ocupante de cargo temporário, e o STF tem posição clara que o deputado é um ocupante de cargo temporário, no artigo 40, § 13º que nestes casos é aplicável o regime geral da previdência social. O Legislativo não tem autorização constitucional para estabelecer regime complementar e, ainda que tivesse, não atingiria os temporários, mas apenas os servidores efetivos. Espero que essa questão não avance, pois será atacada pela inconstitucionalidade clara. Fere a moralidade, pois utiliza recursos públicos para formar uma espécie de poupança. Veja que, se não for obtida a aposentadoria, o valor pode ser transferido face a portabilidade. É o uso do dinheiro público para benefício privado.

Como o senhor vê a administração do Judiciário no estado?

A administração tem tudo a ver com a morosidade ou celeridade do judiciário. Quanto mais eficiente, mais rapidamente teremos os resultados. No Paraná, a Justiça do Trabalho funciona bem. Lá o problema está na implantação de um novo sistema de processo eletrônico, o PJE, que foi uma determinação do Tribunal Superior do Trabalho, desconsiderando que já trabalhávamos inteiramente com um sistema no TRT-PR. O novo sistema ainda está em desenvolvimento e causa preocupação. O TRT mantém dois juízes em cada vara e agora foram criadas 11 novas varas, que terão apenas um único juiz. Com o tempo, isto causará problemas e merece atenção. A Justiça Federal também não gera reclamações, salvo pela ausência de um Tribunal Regional no Paraná. Aliás, embora tenhamos uma grande representação no governo federal, não vejo esforços significativos deles para aprovar o Tribunal no Paraná, salvo os membros do Legislativo, deputados e senadores e, neste momento, com destaque para o senador Sérgio Souza. Sempre digo que, se fosse o contrário e o Rio Grande do Sul é que precisasse de um Tribunal, o assunto já teria sido resolvido há muito tempo. Em termos de conquistas para o nosso estado, temos muito a aprender.

E a Justiça Estadual?

É o calcanhar de Aquiles. É a maior, com a maior movimentação e a que demanda mais recursos. Veja que em 2009, o Rio Grande do Sul tinha um orçamento de 1.7 bilhões. E o Paraná tinha 800 milhões. O Desembargador Celso Rotolli de Macedo encetou uma campanha para melhoria do orçamento da justiça a qual apoiamos e obteve sucesso. Houve continuidade na atual administração e hoje se dispõe de 1,4 bilhões no orçamento. Ainda abaixo do RS, embora tenhamos uma justiça com números semelhantes.

Administrar bem os recursos é o X da questão. Não se pode perder o objetivo principal que é de garantir maior eficiência ao judiciário. A OAB em sido crítica de concessões como veículos a desembargadores, benefício que estava em extinção e também quanto a outros itens, que embora não tão dispendiosos no contexto geral, são inadmissíveis nos dias de hoje. Não soa bem fazer aquisição de horas de vôo, nem camionetes com custo elevado, quando existem veículos seguros a custo menor. Isto acaba por desfazer toda a construção de uma imagem de trabalho.

Considero que o juiz deve ganhar bem, dentro da lei. Ter condições dignas de vida e de trabalho. Aqui vejo que o executivo erra no que diz respeito também a juízes federais, ao não conceder reajustes anuais. Isto provoca um problema, um acúmulo, que poderia ser evitado e manter os juízes com o foco no que interessa, que é fazer justiça.

O Tribunal de Justiça tem feito progressos na aplicação da Justiça?

Seguramente tem feito. Nos meus três anos na presidência da OAB passaram pelo TJ três presidente, o último, ainda no cargo. Estive reunido com o desembargador [Miguel] Kfouri pouco antes da sua posse e levei a reinvindicação dos advogados para que implantasse as 60 varas que haviam sido criadas, há muito. Elas foram instaladas. Foram criados novos cargos de juízes, reestruturou-se a carreira, mas a maioria dos cargos ainda estão vagos, sem juízes. Tivemos comarcas que ficaram quase um ano sem juiz, como Tomazina, o que é inadmissível. Admito, porém que quando preenchidos, teremos uma maior agilização. Mas há necessidade de mais juízes ainda. Só assim haverá maior agilidade. Além disto, foram construídos muitos fóruns pelo interior do estado. O Tribunal poderia ter adotado um modelo padrão, passível de ampliação. Com isto resolveria o problema de projetos e baratearia os custos. Não o fez.

Temos a questão do fórum Cível de Curitiba, antiga reivindicação dos advogados. Como está a situação?

Esse também foi um pedido nosso aos presidentes do TJ. É uma luta antiga da OAB. Trata-se de prioridade, mas não foi tratado como tal. O Fórum Cível da capital está à beira de um colapso. Ninguém mais suporta trabalhar lá. O interessante é que todos, juízes, advogados, servidores, ministério público, todos reclamam do Forum Cível e somente há poucos meses é que foi iniciada a construção de um novo prédio no centro judiciário do Ahu. E somente foi iniciado após uma forte crítica que fizemos à aquisição de um grande edifício para abrigar desembargadores, quando ainda não havia se resolvido o assunto do fórum cível. Ao nosso entender isso era prioridade máxima. Esse tema vinha andando em câmera lenta e então deslanchou. Ao mesmo tempo, preocupa a segurança estrutural do atual fórum cível, que vem dando avisos que não podem ser desconsiderados. Já oficiamos formalmente o TJ a respeito disto.

O judiciário estadual tem espalhado suas instalações pela cidade. Qual aposição da OAB a respeito?

Somos contrários. Aliás, os prédios em geral são alugados. Melhor seria iniciar logo a construção do centro judiciário do Ahú. Colocar recursos naquela obra que tem todo o seu projeto pronto. Certamente a obra levará alguns anos, mas acabará por ser concluída. E mais, deve-se aproveitar o momento em que o Paraná tem uma participação forte no governo federal e resolver a questão de parte do terreno do Ahú com o Ministério da Previdência. Essa distribuição dos foros na Capital, em locais dos mais diversos, dificulta a advocacia e também aos próprios jurisdicionados.

Para o senhor qual a principal causa da morosidade da Justiça?

A morosidade tem muitas causas. Temos uma espécie de cultura pela judicialização de todos os problemas, quando poderíamos adotar métodos alternativos. A conciliação sequer é ensinada nas faculdades e o ensino jurídico, que no contexto geral é fraco, não supre essa deficiência. Então vemos um país com mais de 90 milhões de ações na Justiça, como ficou revelado pelo último levantamento do CNJ, Justiça em números, apresentado no último dia 29. Acrescente-se que o Estado tem participação expressiva nos processos e recorre desnecessariamente, abarrotando os Tribunais. Os próprios juízes não tem uma formação adequada e levam bom tempo para ganhar experiência. E nem sempre residem nas comarcas, a ponto do CNJ, nesta semana, estar lançando uma campanha para que o juiz permaneça na comarca de segunda a sexta-feira.

Como o senhor vê o julgamento do mensalão?

Esse julgamento dá maior credibilidade ao judiciário, pois anunciava-se que os ministros, na maioria escolhidos pelo PT, não iriam julgar contra interesses do governo. No entanto, o Supremo mostrou independência. Embora sob a pressão da opinião pública, em nenhum momento deixou de oferecer a oportunidade de ampla defesa aos acusados. O resultado é aquele ditado pelo exame das provas e sob o olhar da nação. Diria que o julgamento do mensalão faz bem para a Justiça, constituída na esmagadora maioria por pessoas que honram seu trabalho.

Colaborou Chico Marés

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