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Carroças ficam proibidas na cidade. | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
Carroças ficam proibidas na cidade.| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

A Câmara Municipal de Curitiba aprovou em segundo turno na manhã desta segunda-feira (28) projeto de lei que proíbe o uso de veículos puxados por cavalos e outros animais nas vias da capital paranaense. Todos os 30 vereadores presentes à sessão foram favoráveis ao projeto. A proposta, de autoria do Executivo, havia passado pelo primeiro turno. Como houve emendas na segunda votação, o texto precisa ter sua redação final aprovada pelo plenário antes de ser enviado à sanção do prefeito Gustavo Fruet (PDT). A votação ocorre já na sessão desta terça-feira (29).

ENTREVISTAS: Os dois lados da polêmica

Os vereadores apresentaram uma emenda que prevê a possibilidade de amparo às famílias dos carrinheiros que serão atingidos pela lei. O dispositivo, assinado por vários parlamentares, diz que o Executivo está autorizado a criar programas em diversas secretarias para atender a essa população. Segundo o diretor da Rede de Defesa e Proteção Animal da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Paulo Colnaghi, a estimativa é que 120 famílias dependam hoje dos animais, para o transporte de materiais recicláveis e restos de construção, por exemplo.

O descumprimento da norma resultará na apreensão definitiva do animal. O responsável também poderá sofrer as sanções previstas na Lei Municipal nº 13.908, de 19 de dezembro de 2011, que trata de maus tratos a animais. As penalidades vão de advertência por escrito a multas de R$ 200 a R$ 200 mil.

Presidente da ONG SOS Bichos e coordenadora do Fórum de Defesa dos Direitos Animais de Curitiba e Região, Tosca Zamboni diz que a proibição de veículos de tração animal é uma reivindicação de 40 anos dos movimentos de proteção que atuam no município. Segundo ela, o trânsito intenso de Curitiba não comporta mais esse tipo de serviço, que coloca em risco tanto os animais quanto os trabalhadores. Já a presidente da Associação Projeto Mutirão, Sandra Mara Leão, afirma que os carrinheiros foram pegos de surpresa e nem ao menos sabiam da existência do projeto da lei. A associação é uma das várias cooperativas de coletores de material reciclável presentes hoje em Curitiba.

Veja a seguir as entrevistas concedidas por Tosca e Sandra à Gazeta do Povo.

Tosca Zamboni, presidente da ONG SOS Bichos e coordenadora do Fórum de Defesa dos Direitos Animais de Curitiba e Região

O fim da tração animal é uma reivindicação antiga dos movimentos de proteção aos animais? A população endossa essa preocupação?

O movimento de proteção animal em Curitiba atua há mais ou menos 40 anos e sempre esteve na nossa pauta o fim do uso de tração animal. Desde 2002 fazemos abaixo-assinados pedindo políticas de proteção aos animais e essa reivindicação sempre esteve presente. Recentemente, entre abril e junho deste ano, conseguimos mais de 10 mil assinaturas em uma ação na Boca Maldita. Esses animais usam ferraduras e apetrechos de contenção inadequados, que provocam feridas. É muito caro manter um cavalo em condições de saúde e sabemos que essas famílias não têm condições.

Como o movimento avalia as críticas de que a tração animal será substituída pela tração humana?

Curitiba hoje é uma metrópole com trânsito intenso, que não comporta mais esse tipo de serviço. Além dos animais, as pessoas nas carroças também estão sujeitas a acidentes. Hoje a tração humana já é uma realidade na cidade, o número de catadores com animais é bem menor do que o número de catadores que levam o próprio carrinho. É evidente que a tração humana depõe contra a dignidade das pessoas, o trabalho não pode ocorrer dessa forma. Queremos que a prefeitura olhe a condição das pessoas e dos animais. A prefeitura tem programa de carros elétricos e o programa precisa vir junto com políticas públicas.

Quais outras leis o movimento considera que ainda precisam mudar para aumentar o nível de proteção dos animais?

Precisamos de leis que asseverem que as políticas públicas existentes hoje permaneçam nos próximos governos, como as políticas de controle da população de cães e gatos.

Sandra Mara Leão, presidente da Associação Projeto Mutirão

A estimativa da prefeitura é que 120 famílias usem cavalos ou outros animais para o transporte de material recicláveis ou restos de construção. Esse número condiz com a realidade?

Com certeza o número é maior. Não temos um levantamento, mas são muitas pessoas. Nossa cooperativa trabalha com catadores dos bairros Sítio Cercado, Pinheirinho e Alto Boqueirão. O nosso barracão fica na divisa com a Vila Osternack (no Sítio Cercado), onde há um volume grande de pessoas que usam cavalos.

Como avalia o projeto de lei?

Eu acho ruim. Por mais que falem que haverá um programa de apoio aos catadores, sabemos que não será feito o que prometeram. É uma ilusão. Hoje os carrinheiros estavam irritados, porque foram pegos de surpresa. As pessoas podem perguntar: “Mas vocês não assistem à televisão”? Às vezes saímos às 5 horas da manhã para trabalhar, trabalhamos o dia todo e acabamos não acompanhando as notícias. Ninguém da prefeitura ou da Câmara nos procurou. Vai acabar acontecendo a mesma coisa que aconteceu com os carrinhos elétricos.

Por falar em carrinhos elétricos, em 2012 a prefeitura adquiriu pelo menos 500 deles para repassar aos carrinheiros. O projeto deu certo?

A prefeitura deu o carrinho elétrico, mas não arca com a manutenção, que é muito cara. Nossa cooperativa atende a 58 catadores e recebemos 23 carrinhos. O carrinho em si é ótimo, mas só há duas oficinas que fazem o conserto, que chega a custar R$ 800 por carrinho. O catador ganha de R$ 900 a R$ 1,2 mil por mês, como vai pagar a manutenção? Já fomos atrás da prefeitura, mas não conseguimos muita coisa. Eles dizem que o conserto pode ser pago com o dinheiro que nos repassam por recebermos os materiais recolhidos com o caminhão do Lixo que não é Lixo. Eles pagam R$ 160 por tonelada de lixo que chega, o que dá até R$ 8 mil por mês. Mas usamos esse dinheiro praticamente só para pagar as despesas do barracão. Só de luz pagamos de R$ 2 mil a R$ 3 mil por mês, porque temos esteira e cinco prensas. Também temos que pagar água, telefone, aluguel do barracão, equipamentos de proteção. Fora que o repasse atrasa. Hoje estamos com seis carrinhos parados e os catadores se revezam para usar os que estão funcionando.

Como os carrinheiros vão substituir a tração animal?

Certamente vão tentar investir em carrinhos manuais, porque ficar sem trabalhar não vão poder. Os cavalos vão ficar de lado, porque os animais são usados só para isso.

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