Proposta pode beneficiar políticos fichas-sujas
Dois trechos do projeto de lei da reforma eleitoral podem beneficiar os fichas-sujas. O texto finalizado na semana passada diminui restrições para políticos com problemas na prestação de contas de campanhas anteriores e para aqueles que sofreram sanções que impedem o registro de candidatura.
A avaliação foi feita pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que reúne 40 entidades. "Estamos falando de imperfeições graves, que significariam o retrocesso de conquistas do eleitor brasileiro", afirma Daniel Seidel, representante da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil no MCCE.
De acordo com a proposta, a certidão de quitação eleitoral, necessária no momento da candidatura, precisaria conter apenas a apresentação das contas da última campanha do candidato. Ou seja, os dados não precisariam da aprovação por parte da Justiça Eleitoral.
"É mais ou menos como se o cidadão comum dissesse que está em dia com a Receita Federal só porque declarou Imposto de Renda. Na verdade, ele só está em dia se a Receita aprovou as contas", explica o juiz eleitoral Marlon Reis. A alteração beneficiaria, por exemplo, candidatos condenados pela prática de caixa dois.
Outro trecho permite que políticos que tiveram contas desaprovadas por órgão como Tribunais de Contas consigam registro de candidatura. Atualmente, o candidato tem até o dia 5 de julho do ano da eleição para conseguir o registro.
No caso dos que tiveram contas rejeitadas, essa também é a data-limite para conseguir uma liminar judicial que autorize o registro. O projeto acaba com essa data-limite, ou seja, o candidato consegue o registro e pode conseguir a liminar durante qualquer momento da campanha.
Segundo Reis, não é possível dizer se os deputados quiseram beneficiar os fichas-sujas de propósito. "Foi um projeto que tramitou com uma velocidade enorme. O que queremos é nos antecipar a qualquer falha."
Os representantes do MCCE pretendem se reunir até momentos antes da votação com o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), para alertar para o perigo das duas mudanças. A expectativa é de que o texto possa ser alterado antes de ser levado à votação caso contrário, a solução será a apresentação de uma emenda. (AG)
Limite
Emenda pode estabelecer teto para gastos
Pelo menos duas emendas devem ser sugeridas ao texto original da reforma eleitoral. Não há consenso sobre o trecho da proposta que proíbe a utilização de imagem e voz de adversários durante a campanha. Além disso, o PSol já anunciou que apresentará uma sugestão para estabelecer um limite para os gastos de campanha.
A ideia é criar um teto "estadual" baseado na média das despesas das eleições de 2006. O teto paranaense, por exemplo, seria a média dos gastos dos 30 deputados federais eleitos pelo estado na última disputa. Pelas regras atuais, os limites são definidos pelos próprios partidos, que comunicam os valores que pretendem utilizar ao Tribunal Superior Eleitoral.
"Essa seria a medida mais moralizante de todas", disse o deputado Osmar Serraglio (PMDB), único paranaense que participou do grupo que discutiu a reforma eleitoral. Segundo ele, entretanto, há poucas chances da emenda ser aprovada.
Facilidade
Apesar das polêmicas, o texto final chega ao plenário com o aval de todos os líderes partidários. Na avaliação do presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), a tendência é de uma votação tranquila. Se aprovada, a proposta segue para o Senado.
Até a semana passada, o DEM liderava o movimento contrário à matéria. O líder do partido, Ronaldo Caiado, mudou de ideia na última terça-feira. Ainda assim, qualificou o projeto como uma "reforminha" e que o consenso entre as lideranças não significa que os demais deputados não possam sugerir emendas.
De acordo com Flávio Dino (PCdoB-AM), coordenador do grupo de trabalho que elaborou o texto, a proposta não é fechada. "Há muitos pontos que eu mesmo não havia previsto. Quando você trata de uma lei com essa dimensão, tem de fazer algumas concessões." (AG)
Brasília - O desempenho financeiro da campanha que elegeu Barack Obama nos Estados Unidos fez crescer os olhos dos parlamentares brasileiros. A regulamentação das doações pela internet, que renderam US$ 660 milhões (R$ 1,3 bilhão) ao democrata em 2008, é o principal ponto da reforma eleitoral que começa a ser votada hoje pela Câmara dos Deputados.
O sucesso do norte-americano com o uso de ferramentas virtuais também serviu de exemplo para outros pontos centrais do projeto de lei. A intenção da proposta é a liberação (quase) total dos recursos da rede estão vetados os e-mails spam e a compra de espaços publicitários em portais de notícias.
O texto permite aos candidatos utilizar blogs, microblogs (Twitter) e as redes de relacionamento como Orkut e Facebook. Pelas regras atuais, o Tribunal Superior Eleitoral só libera o uso de sites oficiais (aqueles com extensão ".can").
Também nesse caso a motivação vem do bolso. Se por um lado será possível aumentar a arrecadação por meio de doações por computador, por outro é mais barato fazer divulgação virtual do que gastar com cabos eleitorais e material impresso.
Responsável pela elaboração do projeto, o deputado federal Flávio Dino (PCdoB-AM), defende que a mudança pode ajudar a moralizar o sistema de financiamento de campanhas no Brasil. "Quem paga a conta da nossa democracia hoje são poucos doadores que dão muito dinheiro aos políticos. O que nós queremos é que muitos cidadãos ajudem com pequenas quantias."
A tese é amparada pelo balanço final da campanha de Obama. Ao longo de 21 meses, ele recebeu 6,5 milhões de doações feitas por 3 milhões de pessoas. Entre todas as contribuições, 92% foram de valores abaixo de US$ 100,00 (R$ 195,00) e a média geral ficou em US$ 80,00 (R$ 156,00).
Dino afirma que a burocracia é atualmente a maior barreira para as doações feitas por pessoas físicas. "O trabalho é o mesmo para quem quer ajudar com R$ 100 mil ou R$ 10,00. Só com muita paciência um sujeito sai da sua casa, ou mesmo da sua cidade, para ir até o comitê do candidato e efetuar a doação."
A proposta possibilita que as contribuições sejam realizadas por transferência bancária, cartão de débito ou crédito. A transação eletrônica também garantiria mais transparência ao processo.
O cientista político David Fleischer, que é norte-americano e professor da Universidade de Brasília, destaca, entretanto, que o sistema não é imune a fraudes. Segundo ele, é comum nos Estados Unidos que empresas "aconselhem" diretores a fazer doações.
"Esses funcionários dão US$ 1 mil em um mês e no outro são ressarcidos com um bônus no contracheque. É o jeitinho norte-americano", conta Fleischer.
Apesar da possibilidade de falhas, a proposta quase não encontra críticas entre especialistas. A diretora do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Jovita Rosa, afirma que a doação de pessoas físicas pela internet é um instrumento de "democratização" das eleições.
Para o juiz Marlon Reis, presidente da Associação Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais (Abramppe), a ferramenta também contribuirá para a fiscalização das prestações de contas. "A internet é quase sempre o meio mais rápido para quem busca transparência."
Financiamento público
A expectativa de sucesso das doações eletrônicas pode também mudar o rumo das discussões sobre financiamento público de campanha. A proposta está no eixo central da reforma política, engavetada pela Câmara devido à falta de consenso entre os líderes partidários.
A tendência é que a campanha de 2010 sirva de laboratório se as contribuições de pessoas físicas aumentarem, fica praticamente descartada a hipótese de usar dinheiro público. "Na verdade, ninguém sabe direito como o brasileiro vai se comportar com essa nova possibilidade. É só lembrar como a imagem dos políticos está ruim depois de tantos escândalos no Congresso", afirma Fleischer.
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