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O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou, na tarde de terça-feira (28), o afastamento do desembargador federal Edgard Antônio Lippmann Júnior de suas funções no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). A decisão coloca mais um capítulo na novela que contrapõe Lippmann e lideranças do PMDB paranaense, e se arrasta desde janeiro de 2008. No início do ano passado, o desembargador era o relator da ação que proibiu o governador Roberto Requião (PMDB) de utilizar a Rádio e Televisão Educativa do Paraná (RTVE) para criticar desafetos políticos, instituições públicas e a imprensa paranaense.

Logo após a proibição imposta ao governador, ainda em janeiro de 2008, o presidente do PMDB em Curitiba, Doático Santos, apresentou um dossiê com diversas informações sobre Lippmann, que, entre outras denúncias, continha acusações de supostas vendas de sentenças, por parte do desembargador, que favoreceriam uma casa de bingo de Curitiba. Em resposta, o magistrado ingressou com uma ação contra Doático Santos e outros dois secretários do governo (Luís Mussi e Rasca Rodrigues), com o objetivo de impedi-los de divulgar qualquer acusação contra ele.

Justamente essa denúncia, além da possível aquisição irregular de uma série de imóveis, é que levou o CNJ a abrir processo administrativo disciplinar contra Lippmann na última terça-feira. O processo que julga a infração corre sob sigilo. De acordo com a Agência CNJ de Notícias, "dados preliminares da sindicância  indicam que, entre 2003 e 2007, a movimentação financeira do desembargador em instituições financeiras foi superior aos rendimentos declarados nesse período".

Na decisão, o corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp, concedeu prazo de 15 dias para que a Presidência do TRF4 suspenda todas as vantagens do desembargador, tais como uso de carro oficial, de gabinete, motorista, nomeação de servidores, entre outras, com exceção dos subsídios. Também determinou a redistribuição dos processos de sua atribuição, ou convocação de magistrado para sua substituição.

Procurada pela reportagem, a assessoria de gabinete de Lippmann informou nesta quarta-feira (29) que o desembargador está de licença por motivos de saúde e que, portanto, não poderia comentar o assunto. O presidente em exercício do TRF4, desembargador federal João Surreaux Chagas, informou, por meio da assessoria de imprensa, que até o início da tarde desta quarta ainda não havia sido notificada da determinação.

Entenda o caso

No dia 8 de janeiro de 2008, o governador Roberto Requião (PMDB) foi proibido pelo TRF4, em Porto Alegre, de usar a RTVE para fazer promoção pessoal e criticar políticos desafetos, instituições públicas, especialmente o Ministério Público do Paraná (MP-PR), e a imprensa paranaense. A decisão foi proferida por Lippmann, que citou especificamente críticas feitas no programa semanal Escola de Governo. O desembargador impôs, em caso de descumprimento, multa de R$ 50 mil, e, em caso de possível reincidência, de R$ 200 mil.

A desavença entre o governador e Lippmann, no entanto, começara ainda antes. Em 2003, Requião suspendeu a regulamentação das casas de bingo e os 28 estabelecimentos que funcionavam no estado foram fechadas. A reabertura de algumas casas foi possível, na época, graças a liminares concedidas por Lippmann. O desembargador também suspendeu, em agosto de 2003, uma decisão da Justiça Federal de Londrina que havia proibido as empresas Golden Place Bingo Eletrônico e Royalthon Promoções e Entretenimentos de explorar jogos de bingo. Na época, ele argumentou, em seu despacho, que considerava injustificável que na grande maioria dos estados da federação a exploração de bingos fosse permitida, mas no caso específico do Paraná não.

No fim de janeiro de 2008, logo após a decisão que questiona o uso da RTVE por Requião, Doático Santos, presidente do PMDB de Curitiba e então secretário especial para Assuntos de Curitiba, ameaçou divulgar um dossiê contra o desembargador, que conteria informações sobre venda de decisões judiciais. No dia 24 de janeiro de 2008, Lippmann emitiu uma nota oficial sobre a ameaça em que afirmava que as supostas denúncias eram "requentadas" e não espelhavam a verdade dos fatos. "O caso foi objeto de apuração, tanto por este TRF da 4º Região como pelo Superior Tribunal de Justiça, e os procedimentos arquivados por falta de qualquer imputação a este magistrado", declarou. Com base em algumas informações que vazaram em blogs de política, o desembargador disse que "na citada questão dos bingos (Golden Bingo Ltda.), deixou-se de esclarecer que este relator, após ter proferido decisão inicialmente favorável a tal atividade – devido à jurisprudência da época estar dividida –, veio a cassá-la posteriormente, atendendo requerimento do Estado do Paraná".

Lippmann ingressou com uma ação contra Doático Santos e outros dois secretários do governo (Luís Mussi e Rasca Rodrigues), com o objetivo de impedi-los de divulgar qualquer acusação contra ele. No dia 31, no entanto, Doático publicou, no site www.assuntosdecuritiba.com, um nota em que criticava a decisão. "Sou mangueira, e se não podemos contar outras falcatruas do Desembargador que protege tudo aquilo que se esconde atrás da fachada do bingão, não faz mal, falemos do desfile da nossa eterna campeã da Sapucaí. Palavras do magueirense Doático Santos, coordenador da Frente Ampla pelos Avanços Sociais", ironizou.

O magistrado entrou então com uma representação criminal contra o presidente do PMDB de Curitiba por crime contra a honra do desembargador e por desobediência a ordem judicial. Acatada pelo juiz da 8ª Vara Cível de Curitiba, a ação resultou em uma multa de R$ 10 mil para Doático, que acabou retirando os documentos que denunciavam Lippmann do site.

A novela continuou quando Requião, depois de ser multado por descumprir a decisão de não fazer críticas a desafetos na RTVE, se negou a pagar o valor de R$ 50 mil de punição. No dia 21 de agosto, Lippmann determinou o bloqueio de contas pessoais de Requião. Quando o desembargador abandonou o caso, no entanto, a interdição das contas do governador foi suspensa pela desembargadora Marga Inge Barth Tessler, que passou a ser a relatora.

Lippmann deixou de ser relator da ação civil que questiona o uso da RTVE por Requião no dia 17 de setembro. Ele anunciou abandonava o caso porque entraria com uma ação de indenização por danos morais contra o governador. Após a ação contra a RTVE, Lippmann disse que uma série de ofensas gratuitas e despropositadas feita por Requião, e/ou por seus subordinados, o atingiu como pessoa física e como agente público. "Isso trouxe dissabor e desconforto, até porque partiram da primeira autoridade do meu querido Estado (Paraná)", relatou o magistrado em nota oficial encaminhada pela assessoria de imprensa do TRF4 na ocasião.

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