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A mesma cena pode ser vista por várias pessoas do mesmo jeito. Pessoas podem inclusive concordar com a mesma ideia, ou com o mesmo projeto, achando que estão falando da mesma coisa, mas não estão. Parece confuso? Veja o exemplo do impeachment da presidente Dilma.

Você talvez concorde que seja o caso de dar a presidente como impedida. Ou talvez tenha amigos, vizinhos, colegas que vejam as denúncias contra as pedaladas fiscais, por exemplo, e que achem, do fundo do coração, que seria ilícito manter alguém na chefia do Executivo depois disso.

Também há analistas políticos e juristas que creem que o impeachment seja uma boa solução unicamente porque a lei teria sido descumprida e que acham que não se deve tolerar esse tipo de comportamento. Mas, veja bem, nenhuma dessas pessoas está no plenário da Câmara dos Deputados ou do Senado.

Quem tem mandato em Brasília vê o mesmo processo – o do impeachment – com lentes totalmente diferentes. Políticos profissionais, como dizia Weber, se preocupam antes de mais nada com a conquista e a manutenção do poder. O que está em jogo, para eles, é a fatia de poder que terão em mãos.

Nem todos lá também verão a cena com os mesmos olhos. Para os grandes caciques, o que está em jogo é bem maior. Pense em Michel Temer. O que está em jogo para ele não é a legalidade de pedaladas. É ser ou não ser presidente da República. Para Eduardo Cunha, o processo vale sua vingança e, quem sabe, sua carreira política.

Os que não estão diretamente envolvidos no processo e que são a favor do impeachment podem ser divididos ainda em duas categorias. A primeira é a oposição – que, por definição, está embrenhada em uma disputa direta de poder com o atual governo. O PSDB, à testa deste movimento, perdeu as quatro últimas eleições presidenciais e pode ver no impedimento de Dilma não a chance de chegar já ao poder – mas a possibilidade de chacoalhar o tabuleiro, derrubar algumas peças e chegar fortalecido a 2018.

Mas há também os peixes pequenos que não estão nem de um lado, nem de outro. Nem são pró-PT, nem são anti-PT. Para esses, o processo de impeachment é uma grande oportunidade. Nos últimos 12 anos, o baixo clero se viu atrelado ao projeto petista. Agora é hora de ter opção. Os que acham que Lula e Dilma são bons provedores (de cargos, votos e poder) podem querer votar contrários ao impedimento. Os que acham que Michel Temer pode dar mais, poderão ser favoráveis.

Aqui, há espaço para negociação – de onde surge o receio de uma futura CPI do impeachment, numa espiral sem fim de denúncias sobre crimes cometidos para encobrir crimes previamente cometidos.

Para todos esses casos, as pedaladas e o resto são mero acessório decorativo, pretexto e asfalto para se chegar aonde se quer. Agora, se você acha que a figura de Brasília pintada até aqui é cínica demais, faça um único experimento mental. Imagine uma situação semelhante num governo tucano (ou de outro partido) daqui a alguns anos. Você tem alguma dúvida de que o PSDB diria que as pedaladas não são pedaladas e não levam ao impedimento? E de que o PT faria tudo para derrubar quem estivesse na Presidência?

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