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A decisão do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, de conceder o auxílio-moradia para toda a magistratura federal, desencadeou uma investida da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), que foi à corte pedir a extensão do benefício para todos juízes do país que ainda não o recebem. Apoiado sobre os ombros de Luiz Fux, o corporativismo de altos funcionários de Estado vai se consolidando e tem grandes chances de sair vitorioso.

Abaixo seguem algumas reflexões sobre a decisão de Fux e suas consequências jurídicas, institucionais e morais:

1) A emenda constitucional 19/1998, fruto do trabalho do então ministro de Administração e Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser-Pereira, introduziu o §4.º do artigo 39 da Constituição, que impede membros de poderes de receber qualquer outra vantagem adicional remuneratória que não seja o salário. A intenção, na época, foi a de acabar com os chamados "penduricalhos". Por vias tortuosas, entretanto, a liminar de Fux entende que o artigo não é aplicável.

2) A liminar de Fux é falha ao tratar de simples conceitos de direito administrativo. Com base em uma série de normas infraconstitucionais (Resolução 50 do Conselho da Justiça Federal, Resolução 13 do CNJ), Fux declara que o auxílio-moradia tem caráter indenizatório. Uma verba é indenizatória quando ela é usada para custear despesas eventuais de funcionário público, em virtude do exercício profissional.

3) Com base nesse conceito, o auxílio-moradia seria considerado de caráter indenizatório se fosse utilizado para ressarcir o exato valor gasto com aluguel. Porém, o auxílio-moradia é pago de forma indiscriminada, em parcela pré-definida, independentemente de magistrados já possuírem residência fixa. Portanto, não é indenizatório. O benefício é verba remuneratória. Assim, a decisão do ministro viola a Constituição (o §4.º do artigo 39).

4) Fux, porém, nem sequer cogita que o auxílio-moradia seja verba remuneratória. Simplesmente admite como verdade a natureza indenizatória do benefício, o que é lamentável, até porque o mesmo artifício vem sendo usado para a concessão de outros penduricalhos, como o auxílio-alimentação. Tivesse o ministro analisado a questão com profundidade, estaria prestando um importante serviço à sociedade.

5) Em outro trecho da decisão, Fux sustenta que "inúmeros Juízes de Direito e Promotores de Justiça já percebem o referido direito" e que a concessão do auxílio-moradia também é justificada pela "simetria entre as carreiras da Magistratura e do Ministério Público, que são estruturadas com um eminente caráter nacional".

6) Ao lado do artifício "verba indenizatória", o argumento da simetria constitucional tem sido bastante usado para justificar a equiparação de benefícios entre Ministério Público e Poder Judiciário. O ministro não foge à regra.

7) Há mais benefícios em trâmite no Congresso Nacional que podem afrouxar a proibição do §4.º do artigo 39 da Constituição. A proposta de emenda constitucional 63, que garante adicionais por tempo de serviço de 5% a cada cinco anos a magistrados, chegando ao limite de 35%, aguarda votação. Se aprovada poderá ter efeito cascata em toda a administração pública.

8) Vale dizer que é legítima a defesa de pagamento de bons salários para magistrados, dada a relevância da função deles para garantir o Estado Democrático de Direito. Correto, portanto, o comportamento do presidente do STF, Ricardo Lewandowski, que defende a inclusão do aumento dos subsídios dos magistrados na proposta de lei orçamentária para 2015. Ao levar o debate para o Congresso Nacional, Lewandowski age na esfera adequada, contribuindo para o engrandecimento da democracia.

9) Ao trilhar o caminho do aumento salarial pela via de verbas supostamente indenizatórias, o Judiciário segue um caminho perigoso. Primeiro porque, apesar da sofisticação argumentativa que desfigura conceitos de direito administrativo, viola a Constituição. Segundo porque é imprudente, ao afrouxar importantes regras da administração pública. Terceiro porque é difícil de explicar, aos olhos do cidadão médio, a razão de magistrados ou promotores receberem auxílio-moradia em valores superior a salários de grande parte dos trabalhadores brasileiros.

Conclusão

Qualquer que seja a decisão a ser tomada pelo STF, ou pelo Conselho Nacional de Justiça, certamente ela terá um caráter político. Inevitavelmente a decisão irá demonstrar a visão que a cúpula do Judiciário tem a respeito das funções do Estado (a quem o país serve?), da validade da Constituição Federal e do alcance da democracia.

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