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As entidades do agronegócio se mobilizaram em peso para criticar o samba-enredo da escola carioca Imperatriz Leopoldinense, que será levado para a Sapucaí em fevereiro. É reação exagerada, já que a letra sequer menciona os produtores rurais, e as fantasias com teor crítico retratam tão somente coisas que fazem mal à sociedade: agrotóxico e pragas.

Sim, o agronegócio é um importante motor econômico do Brasil, mas não é disso que se trata. E, só para lembrar, em 2013 a escola Vila Isabel foi campeã no Rio de Janeiro com uma letra exaltando diretamente a vida no campo: “A Vila canta o Brasil, celeiro do mundo - Água no feijão que chegou mais um”.

A Imperatriz Leopoldinense traz o samba “Xingu – o clamor que vem da floresta”, exaltando o povo indígena. A letra fala que “o belo monstro rouba a terra dos seus filhos, devora as matas e seca os rios, tanta riqueza que a cobiça destruiu”. Segundo o carnavalesco responsável, Cahe Rodrigues, o “belo monstro” é uma referência à imensa hidrelétrica Belo Monte.

A gritaria do agronegócio pode ser interpretada assim: um setor tão rico, com lobby tão poderoso, que consegue aprovar leis do seu interesse no Congresso, parece muito acostumado a conquistar o que quer, e não gostou que um evento com repercussão mundial traga um resquício que seja de leitura crítica contra algumas (algumas apenas) práticas do setor.

(É um setor tão rico que vai premiar marchinhas favoráveis ao agronegócio).

Algumas práticas criticadas: uma das alas da escola é “fazendeiros e seus agrotóxicos”. Na fantasia há uma caveira no peito. Bom, o termo “tóxico” da palavra já diz tudo. Quem não tem um agrotóxico em casa pode procurar no Google: as imagens todas são de uma caveira, que é um símbolo de risco.

Como retratar o agrotóxico se não assim? Diz o carnavalesco: “Combatemos sim, em nosso enredo, o uso indevido do agrotóxico, que polui os rios, mata os peixes e coloca em risco a vida de seres humanos, sejam eles índios ou não, além de trazer danos em alguns casos irreversíveis para nossa fauna e flora”.

O agrotóxico é tido como fundamental para combater pragas que prejudicam a colheita. Mas ele faz mal a quem o aplica – há regras de uso – e para a sociedade. Falar sobre isso é desrespeitar o agronegócio? Há outra ala: “a chegada dos invasores”, com fantasia de pirata e remontado aos primórdios da colonização brasileira. Os “olhos da cobiça” e “doenças e pragas”. Onde está o desrespeito?

O lobby do agronegócio é forte, e em 2016 conseguiu, por meio da Lei Federal nº 13.301/16, liberação para a pulverização aérea de produtos químicos no combate ao mosquito Aedes aegypti. Nota técnica do Ministério do Meio Ambiente questionava a prática: a pulverização não é adequada para acabar com um mosquito que tem “hábitos domiciliares”, e que ficaria ao abrigo da pulverização. Ou seja: a medida é inútil.

Além disso, a pulverização é “uma das principais causas de contaminação do meio ambiente e de intoxicação da população”, causando cefaleia, náuseas, dificuldades respiratórias e alergias cutâneas. Pelo risco envolvido, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ingressou com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI nº 5592) contra a lei no Supremo Tribunal Federal (STF). Na petição, ele indica que a pulverização teria sido inspirada pelo Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag).

Teto dos gastos

Além do assédio dos ruralistas à escola de samba – o que vai contra os princípios do bom-senso e da livre expressão – o que preocupa neste momento é a força que a bancada do agronegócio terá em um cenário de contenção de despesas. Com a PEC do Teto dos Gastos, os parlamentares terão o dever de definir melhor quais as áreas prioritárias para alocação dos recursos públicos.

A Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) é uma das maiores do Congresso, com aproximadamente 200 deputados e 22 senadores. Está tudo ótimo quando eles lutam pelo desenvolvimento do setor tão importante para a economia do Brasil. Está péssimo quando defendem interesses setoriais que podem prejudicar a saúde da população.

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