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Na noite passada, sonhei que estava em outro país, desconhecido. Estranhei o grande número de pessoas nas ruas, e disseram que era para acompanhar um julgamento. Havia gente que defendia os réus, e outros que os acusavam de vários crimes. O curioso é que, apesar das divergências, todos agiam pacificamente e caminhavam lado a lado até chegarem a uma praça com telões para transmissão da sessão do Tribunal.

Para a acusação, os réus (alguns políticos e banqueiros) tinham formado uma quadrilha com o intuito de desviar dinheiro público para benefício próprio. Os defensores se dividiam: alguns sustentavam que não houve delito algum; outros até admitiam algumas irregularidades, mas alegavam que era uma prática comum na cidade em que viviam, e que, se houvesse condenação, seria por preconceito e perseguição contra os réus.

Nesse país, todos os processos que chegavam ao Tribunal eram julgados rapidamente. A sessão começou, mas, antes do julgamento, eles faziam um debate. Cada um apresentava seu posicionamento e nada era definitivo ainda. O objetivo era formar um consenso – a decisão, qualquer que fosse, teria de ser unânime. O papel do Tribunal era guiar a sociedade em termos legais, e por isso não se aceitava um racha no placar. Mesmo assim, todos os passos eram transmitidos. Os juízes tinham humildade para mudar de opinião publicamente.

Já no início, alguns juízes disseram que era difícil provar que houve formação de quadrilha. "Será que neste caso houve a formação de um grupo estável e permanente dedicado à prática reiterada de delitos?"; "Sim, pois veja só: eram as mesmas pes­­soas, o que confere estabilidade e permanência, com vistas a se apropriar de uma soma indeterminada de recursos públicos, sempre que houvesse chance"; "Não, pois não há prova de que os banqueiros se uniram com os políticos com o fim específico de cometer uma série de delitos".

Parecia difícil chegar a um consenso. "O que diz a letra fria da lei?", questionou um. "É basicamente isso: associação de três ou mais pessoas para o fim específico de cometer crimes"; "Bom, no caso em questão efetivamente houve desvio de dinheiro público, que foi direcionado para terceiros, não é?"; "Sim, realmente há um furo nas contas"; "Houve crime, estamos de acordo"; "Sim", responderam; "Mas não é tão fácil assim", alertou um dos juízes; "Como caracterizar a intenção deliberada em cometer crimes?".

Os juízes suspiraram, mas logo um deles começou a fazer um discurso. "Os banqueiros são bem informados. Sabem que o dano ao erário é crime. E os políticos, todos eles estão no Congresso ou já passaram por lá. E todos prestaram juramento: Prometo manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo e sustentar a união, a integridade e a independência deste país do sonho da colunista". "Certo, e daí?" – os juízes queriam agilidade, não gostavam de pronunciamentos longos. "Bom, se por ação ou omissão, estão contribuindo para que ocorra desvio de dinheiro público, estão desrespeitando leis. Eles sabem que está errado, e por isso há intenção, há dolo. Não há nenhum registro de conversa em que eles tenham afirmado categoricamente que estavam se reunindo para cometer delitos, mas a intenção fica caracterizada porque são pessoas bem informadas que cometem ilegalidades. E na administração pública só é permitido fazer o que a lei autoriza."

A maioria dos juízes parecia concordar com a colocação, mas houve ponderações. "Mas vamos tomar esse posicionamento justo com esse grupo de políticos? De repente chegamos a esta conclusão? Não vai parecer perseguição?". Um dos mais velhos, um juiz sábio, deu uma sugestão: "A sociedade está em constante mudança, e assim deve ser conosco. Não adianta nos pautarmos pelas coisas que julgamos no passado. A partir de agora, adotamos essa concepção. Qualquer grupo político que aja para desviar verba pública, para proveito próprio ou de terceiro, será qualificado como uma quadrilha".

Na praça todos ficaram satisfeitos com a sugestão, mesmo aqueles que defendiam os réus. A possibilidade de ver julgados e condenados centenas de políticos deu esperança ao povo.

Mas fiquei sem saber qual foi a conclusão do julgamento. Acordei, era só um sonho.

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