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“Em vez de um decreto-lei, um projeto de lei para dar espaço à discussão. Para atender ao pedido do presidente da República e para não ser considerado um “ditadorzinho” por excessiva determinação, o presidente do Conselho decidiu mudar o instrumento legislativo para a reforma do ensino”.

A descrição parece retratar o Brasil atual e o projeto de reforma do ensino médio, mas o trecho acima descreve uma situação na Itália, em 2015, extraído do site da revista Panorama. O governo italiano também propôs uma grande reforma educacional, e primeiramente havia escolhido um instrumento semelhante ao de medida provisória – como o governo de Michel Temer fez – para tentar acelerar as mudanças.

Na Itália os protestos foram grandes e a proposta foi modificada para um projeto de lei, o que permite mais debate e contribuições da sociedade. Aqui no Brasil ainda não houve esse gesto magnânimo por parte dos governantes.

Ainda assim, mudar o instrumento legislativo não garantiu vida fácil ao projeto na Itália. Os estudantes organizaram grandes protestos e, em 5 de maio de 2015, pelo menos 100 mil se reuniram em Roma, e mais milhares por outras cidades. O governo conseguiu aprovação do Legislativo em julho do ano passado, mas agora, em outubro de 2016, os estudantes ainda organizam atos.

Por qual motivo organizam atos? Primeiro, porque são contra. Segundo, porque estão no seu direito. Terceiro, nessa idade têm mais tempo e disposição que os demais para se dedicar a causas difusas – uma boa parte dos jovens, felizmente, não precisa se preocupar com trabalho, contas a pagar, filhos a alimentar. Os mais velhos que se encarreguem disso. Os mais novos precisam estudar.

Mas não estão estudando! Crítica recorrente. “Boa desculpa para faltar à aula e passear por aí”, diz um comentário na notícia sobre greve de estudantes na Itália. Nem todos apoiam a greve! De fato, na Itália também, foi criado um movimento #eunãofaçogreve (#iononsciopero), com muitas críticas a sindicatos. Conhece situação semelhante?

Estudantes fazem greve no Brasil, na Itália, no Chile. Protestam porque são estudantes, porque querem, porque podem. Isso não os faz de santos ou sábios. Exageram na utopia e desconsideram obstáculos reais, certamente. Mas, sabe o quê? Faz parte. São jovens. É assim aqui no Brasil e em todo o mundo.

Os outros têm que sentar e aceitar as ocupações, passivamente? Definitivamente não. Precisamos é dialogar, negociar. E, pelo que se vê, não podemos contar com nossos governantes para tal coisa. O governador Beto Richa, por exemplo, fez declarações lamentáveis sobre as manifestações e sobre a morte de um estudante em uma escola ocupada.

Não precisamos de discursos do tipo, que só acirram ânimos e diminuem as chances de consenso. O que precisamos é de 1) governantes que atuem em defesa da democracia; 2) governantes que saibam ouvir; 3) governantes que saibam negociar, que liderem uma conversa para que duas partes em conflito cedam um pouco para chegar ao melhor entendimento possível; 4) governantes que reconheçam que, quando não têm instrumentos para negociar, convoquem representantes de outros poderes ou da sociedade civil organizada para tal tarefa.

Depois que o governo fizer sua parte podemos pedir à outra parte que faça concessões. Precisamos de 1) estudantes que estudem; 2) estudantes que, ao protestar, tenham sólido conhecimento das causas do protesto e respeitem os que não pensam do mesmo jeito; 3) estudantes que, em defesa dos direitos difusos, não se esqueçam dos direitos individuais, como o ir e vir e o direito ao estudo; 4) estudantes que reconheçam que reivindicações vagas têm pouca chance de sucesso e que é fundamental ter estratégias para conquistar o apoio da sociedade.

Ana Júlia

Apesar da morte trágica numa escola, apesar da redução das ocupações, o movimento continua no Paraná. Em vez de o governador manter a queda de braço e as ameaças, poderia abrir um canal de diálogo para valer. O discurso da estudante Ana Júlia na Assembleia Legislativa, disponível em vídeo que corre pela internet, mostra que o debate pode ser de alto nível, se o governo quiser.

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