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Governo democraticamente eleito enfrenta grande resistência de uma parcela da sociedade. Algumas pessoas extremistas resolvem partir para a luta armada. Esse é o resumo básico do cenário que havia na Itália quando Cesare Battisti se juntou ao grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), criado em 1976. Será um cenário tão diferente do que vivemos no Brasil atualmente?

Imagino que não chegaremos a uma situação tão extrema no Brasil, e pode soar como exagerada a referência, mas o raciocínio é interessante para ver como é difícil a coerência na esfera pública.

O ex-presidente Lula, no seu último dia de governo, em 31 de dezembro de 2010, tomou uma decisão polêmica ao negar a extradição de Battisti para a Itália, onde ele foi condenado pela morte de quatro pessoas. Os setores da esquerda brasileira apoiaram o petista, por considerar Battisti um preso político.

Na Itália, porém, a maioria das pessoas o considera um terrorista, pela participação no ataque a pessoas civis e por agir contra a lei durante um governo democrático. A expressão “ativista” ainda é usada no Brasil para se referir ao italiano, mas, para esta colunista, que fez uma série de reportagens especiais diretamente da Itália sobre o assunto – Dossiê Battisti – fica impossível discordar do clamor italiano.

O que contaminou o caso foi a intervenção do primeiro-ministro Silvio Berlusconi no início dos anos 2000 para que a França extraditasse Battisti. A iniciativa de Berlusconi, empresário do ramo da mídia e filiado a um partido de direita, foi criticada por grupos de esquerda de todo o mundo.

Quem conhece bem a história, porém, não acha que se tratava de perseguição política. Na época da reportagem especial da Gazeta do Povo, o deputado italiano Fabio Porta, do partido de esquerda PD, disse: “Fico preocupado vendo que, no Brasil, uma certa esquerda fale desse assunto não sabendo ou não querendo entender que a esquerda italiana também sofreu muito com o terrorismo”. Segundo Porta, a situação não tinha nenhuma semelhança com as guerrilhas que surgiram no Brasil e América Latina contra ditaduras.

Outro deputado do PD, Giovanni Bachelet, resumiu bem como os italianos: o PAC agia na Itália como os grupos terroristas do IRA, o Exército Republicano Irlandês. No início de 2011, muitos italianos relataram simpatia com Lula, e diziam não compreender a decisão dele sobre Battisti.

Agora, no Brasil de 2016, milhões de pessoas estão se manifestando pacificamente para pedir o impeachment de Dilma. Há, porém, um número considerável de pessoas que age de maneira criminosa, atacando a honra de quem está no lado oposto.

Ameaças de agressão também começaram a surgir, e algumas ações violentas têm acontecido. Como mostrou o blog Caixa Zero, um professor de História de Curitiba foi ameaçado porque não concordava com uma pessoa que dizia que “Lula tinha que morrer”.

Lembrando que qualquer lesão corporal é passível de detenção de três meses a um ano. Se uma pessoa que agredir outra nessas circunstâncias for condenada – depois do devido processo legal, com ampla defesa e direito ao contraditório – não poderá alegar “perseguição política”. Mesmo que argumente que esse “é o governo mais corrupto que existe”, “que roubaram milhões da Petrobras”, o fato é que, se essa pessoa agredir alguém, terá de enfrentar a Justiça.

Numa ditadura (em que seria impossível para as instituições investigarem políticos de todos os partidos e grandes empreiteiras), as leis são rasgadas, tanto por opressores como por oprimidos. Mas, em uma democracia, temos regras. Um crime não justifica outro. Um erro não justifica outro. Os erros de Dilma na condução de Lula ao ministério não justificam os erros na divulgação de áudios, em desrespeito à Lei nº 9.296, de interceptação telefônica.

O PT agora sente na pele como é ser um governo eleito democraticamente enfrentando uma grande revolta popular. Não sei se isso mudaria o entendimento que muitos petistas tiveram do caso Cesare Battisti, mas a história está aí para ser relembrada.

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