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| Foto: Henry Milléo/Gazeta do Povo

As Jornadas de Junho, como ficou conhecido o movimento popular e autônomo que levou milhares de brasileiros às ruas em 2013, acabaram de completar três anos. O que começou como um protesto contra o aumento da tarifa do transporte público em São Paulo logo somou outras reivindicações e se transformou em um movimento diverso em pautas (do genérico “contra a corrupção” à reforma política), participantes e reações – inclusive por parte da polícia e da classe política. Parecia que o gigante havia acordado.

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Três anos depois, o país permanece em alerta. Apesar de, em 2013, ainda não ser possível prever a dimensão das manifestações populares que estavam por vir, as Jornadas podem ser consideradas embrionárias de uma nova forma de participação política. De lá para cá, os brasileiros reagiram a uma tumultuada Copa do Mundo; às eleições presidenciais cujos resultados dividiram o país e a um processo de impeachment. O avanço da Operação Lava Jato a passos largos rumo ao Congresso também foi catalisador.

Redes sociais são campo de ação política

As Jornadas de Junho fizeram surgir um novo campo de ação política: as redes sociais. O papel desempenhado por essas ferramentas durante as manifestações é destacado como o elemento inovador e potencializador das manifestações.

“As ruas não são uma resposta nova, mas o componente novo de 2013 foi o espaço virtual, que permitiu convocar atos em tempo recorde, que ofereceu conexões e conflitos entre grupos”, diz o analista político Rogério Godinho.

Para o professor de Ciência Política da PUCPR, Mario Sergio Lepre, os protestos de 2013 não só nasceram e se fortaleceram nas redes sociais, como foram elas que impulsionaram a continuidade da participação política popular nos anos seguintes.

“A linguagem das redes sociais foi agregadora de interesses e desvinculante da representação tradicional. A primeira manifestação de março de 2015 deixou todo mundo atônito pela dimensão dos atos. Foi aí que se entendeu que a sociedade estava utilizando outros recursos para se posicionar, a despeito das instituições.”

À direita, à esquerda

O analista político Rogério Godinho, que prepara um livro no qual vai abordar o “junho de 2013”, aponta pelo menos dois aspectos das Jornadas determinantes da mobilização social que se organizou no país nos três anos seguintes.

Se de início as manifestações foram convocadas por grupos ligados à esquerda, rapidamente a agenda múltipla de reivindicações superou a categorização por espectro político: todo mundo foi para a rua, inclusive uma parcela da população que não tinha tradição de protestar.

“A primeira fase é a dos protestos sem ligações partidárias, com uma pauta com viés de esquerda, que é a do passe livre. Depois as manifestações crescem e é difícil falar em posicionamento, porque todo mundo estava lá, esquerda e direita. Mas em seguida houve um deslocamento da pauta para reivindicações mais alinhadas com a direita.”

É dessa guinada que surgem e se fortalecem grupos como o Movimento Brasil Livre e o Vem Pra Rua, peças centrais das manifestações de 2014 a 2016, contra o governo federal.

“Os movimentos de 2013 e 2015 são diferentes, mas se deram no mesmo ambiente. Os grupos de esquerda que começaram os movimentos de 2013 perderam a direção do movimento e a capacidade de impor agenda porque a sociedade heterogênea foi para a rua”, comenta Mario Sergio Lepre, professor de Ciência Política da PUCPR.

Saem siglas, entram pessoas

Para ele, o maior ganho do “junho de 2013” foi o protagonismo do cidadão comum, desvinculado de sindicatos, partidos políticos e outras instituições tradicionais de representação política – nascia um movimento feito por pessoas e não por siglas.

Ainda assim, ele lembra, no ano seguinte a política voltou institucionalizada. “As eleições de 2014 se deram em um ambiente de descontentamento. O sentimento era de mudança, mas o eleito foi a continuidade.” Segundo Lepre, é nesse cenário que a insatisfação popular acumulada desde 2013 passa a ser direcionada ao governo federal, resultando em uma nova onda de protestos em 2015 e 2016.

Movimentos de 2013 são como “grão de feijão no algodão”: germinou, mas não cresceu

A mola propulsora das manifestações de junho de 2013 foi a desconexão entre representação política e os interesses da sociedade – a insatisfação recaía sobre o modus operandi da política brasileira. Diante da dimensão dos protestos, governo e Congresso rapidamente elaboraram uma “agenda positiva” com propostas para atender aos anseios da população.

Algumas iniciativas resultaram positivas, como a derrubada da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37, que iria restringir o poder de investigação do Ministério Público, e a PEC do voto aberto, que extinguiu o voto secreto na análise de cassações e vetos presidenciais no Legislativo. A maior reivindicação popular, no entanto, não foi atendida, embora tenha sido uma das grandes promessas de campanha de Dilma Rousseff: a reforma política.

Entre avanços e retrocessos, a avaliação de especialistas é que pouco efetivamente mudou, apesar do grande efeito das Jornadas de 2013. “Os movimentos de 2013 são como o experimento do grão de feijão no algodão: vimos uma coisa germinar, mas nada cresceu. É um embrião de alguma coisa, sim, mas ainda não gerou mudanças reais”, diz Masimo Della Justina, professor de Economia e Ciência Política da PUCPR.

Della Justina avalia que o maior “déficit” dos movimentos de rua de 2013 foi o fato de que não surgiu nenhuma liderança genuína que pudesse encampar novas propostas e projetos políticos. “A estrutura política antiga permanece: não discutimos a reforma política nem a distribuição de renda. A corrupção é um problema, mas o fim da corrupção não é a solução em si só. O movimento que era popular se tornou populista.”

Para Rogério Godinho, as Jornadas de 2013 marcam o início de um processo de amadurecimento político, mas ainda há um longo caminho a percorrer. “Em ano eleitoral, podemos ver ocorrer um debate qualitativamente melhor. Tivemos essa expectativa em 2014, mas o debate não se concretizou. Vimos uma série de propostas se revelarem apenas promessas de campanha. Fica o aprendizado, para que se entenda melhor o que os políticos oferecem e o que é realmente viável”, diz o analista político.

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